A poesia volta à América
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A poesia volta à América


Amanda Gorman / Divulgação/Twitter

Por José Messias Xavier

O sol brilhou no frio inverno de Washington D.C., Estados Unidos, iluminando o Capitólio, sede do Parlamento, e espantando nuvens teimosas, mas, enfim, passageiras. O povo não estava lá nesta quarta-feira (20/01). Ecos de uma pandemia. Em seu lugar, no gigantesco gramado do Parque Nacional, 200 mil bandeiras simbolizaram os mais de 400 mil americanos, que encontraram a morte pela inércia do governo Trump diante do Covid-19. Coube ao vento soprar-lhes vida. Joe Biden e Kamala Harris tomaram posse escoltados por milhares de policiais e militares, um curativo nada ideal, todavia necessário, para as feridas causadas pela ameaça de grupos de extrema-direita. Seu líder oportunista, um bufão medíocre, cujas atitudes se assemelham às de uma criança mimada, havia deixado a Casa Branca pela manhã, rumo a um resort na encalorada Flórida. Mas deixou no rastro um discurso, que continua a zunir nos ouvidos dos tolos. Contra o ódio descabido, Biden e Harris buscaram o abrigo da Arte – e esta talvez seja sua maior fonte de brilho protetor. E ela estava na voz potente e emocionada de Lady Gaga, ao vibrar o "The Star-Spangled Banner" e clamar por “justiça e liberdade para todos”; na afinação impecável de Jay Lo, ao interpretar "This land is our land" e conclamar por “uma nação indivisível, com liberdade e justiça para todos”; e na sobriedade e carisma do cantor country Garth Brooks, que encerrou as apresentações musicais com a cristã "Amazing grace". Entre os astros que, como é de costume, orbitam as cerimônias das posses presidenciais americanas, cintilou Amanda Gorman. Ela recebeu de Jill, mulher de Biden e, agora, primeira-dama, a tarefa de escrever e recitar um poema durante o evento, tradição inaugurada em 1961, quando Robert Frost foi convidado a fazer parte do juramento oficial de John F. Kennedy. Amanda, com seus tenros 22 anos, entrou para a história da maior nação do planeta e uniu seu nome aos de Frost, como já dito; James Dickey, em 77, na posse de Jimmy Carter; Maya Angelou, em 93, na de Bill Clinton; Miller Williams, em 97, de novo com Clinton; Elizabeth Alexander, em 2009, na vez de Barack Obama; e Richard Blanco, em 2013, também com Obama. Para a ascensão de Biden, Gorman preparou "The hill we climb" (“A colina que escalamos”, em tradução livre). Seus versos foram claramente inspirados pelo discurso do novo presidente. Falam de união para viabilizar o futuro do país, criticam a xenofobia e o racismo, lembram as mortes pelo Covid e, em metáforas, condenam a invasão do próprio Capitólio por extremistas aliados a Trump, ocorrida em 6 de janeiro. “Quando chega o dia, perguntamo-nos onde podemos encontrar luz nesta sombra sem fim? A perda que carregamos é um mar que devemos percorrer. Nós enfrentamos a barriga da besta”, escreveu ela. Em outro trecho, sentencia: “De alguma forma, resistimos e testemunhamos uma nação que não está quebrada, mas simplesmente inacabada”. Nem sempre um poema apresentado em uma solenidade pode ser considerado “o melhor” de um autor. E nem é essa sua função. Em geral, ele registra um momento histórico e, nessa perspectiva, a jovem Amanda cumpriu sua missão com sabedoria e talento. Suas mãozinhas, erguidas em gestos para pontuar cada verso e acentuar as palavras que julgava mais fortes, foram um encanto especial. Gorman nasceu em Los Angeles e é filha de uma professora de ensino médio. Formou-se em Sociologia por Harvard e escreve para o "The New York Times" e outras publicações. Recitou seus poemas em programas da tevê e eventos no Lincoln Center e na Biblioteca do Congresso. Em 2017, ganhou o título de primeira poeta juvenil laureada nos Estados Unidos. Seu livro de estreia, "The one for whom food is not enough" (“Aquele para quem a comida não é suficiente”), foi publicado em 2015. Este ano, é a vez de “The hill we climb" e "Change sings", ilustrado. Ela foi a surpresa da posse de Biden e Harris pela idade e pelo comprometimento com causas, que, apesar da história de luta de seu povo, das guerras internas que enfrentou e de todo o avanço tecnológico, que independe de raça ou credo, ainda marcam o coração dos Estados Unidos e, em geral, estão fora do foco de interesse dos jovens. Antes que alguém pense que não é preciso mencionar: Amanda Gorman é negra, divinamente negra, maravilhosamente negra, esplendorosamente negra, belissimamente negra.

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