Comida, agrotóxico e coronavírus
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Comida, agrotóxico e coronavírus

Por Clarice Manhã


Não existe mais agricultura. Existe agronegócio e agroecologia. O primeiro transformou a comida da gente em commodities. O segundo tenta resgatar os valores nutricionais, culturais e sociais do direito à alimentação. Ambos estão em disputa. Um quer o mercado. O outro, a vida. E todos nós fazemos parte desta guerra.

Numa definição simples, a agroecologia é um conjunto de práticas e saberes para cultivar comida sem aditivos químicos, usando adubos e defensivos naturais e sem exploração da mão de obra. Já o conceito “agronegócio” surgiu no Brasil na década de 1980, importado do americano “agrobusiness”. Este modelo segue a mesma receita de qualquer outra indústria, ou seja, produção máxima ao custo mínimo de tempo, insumo e trabalhadores.

Enquanto consumidor, talvez a escolha entre um alface orgânico e um convencional seja mais fácil, considerando apenas o preço e comodidade de acesso. Mas como ser humano que precisa do alimento para se manter vivo, outros fatores são tão ou mais relevantes, como o teor nutricional. Um abacate orgânico é mais rico em dienos, que auxilia no controle e na prevenção de doenças cardíacas, já que promove a redução e o controle do colesterol LDL (colesterol ruim), aumenta colesterol HDL (colesterol bom) e reduz níveis de triglicerídeos. O produzido com venenos não tem todas estas propriedades.

Para quem já tem essas informações e pode ir à feira aos sábados de manhã ou pedir um delivery de comida sem veneno, ótimo. Mas, se a indústria do agronegócio continua operando a todo vapor, a produção do seu orgânico fica cada vez mais cara. E ameaçada. Para onde vai o resquício de agrotóxico numa horta? Penetra no lençol freático e contamina todo o corpo d´água daquela região, inclusive de sítios orgânicos certificados, entre outros males.

A boa notícia é que mesmo neste cenário temos a oportunidade de exercer uma rota de fuga: o poder de escolha na hora da compra. Porque aquele supermercado maravilhoso, que fica aberto até 22h, perto de casa e cheio de segurança, não vende produtos agroecológicos da agricultura familiar? E os restaurantes onde almoçamos apressados durante a semana (ah, que saudade...), estão botando que tipo de alimento na mesa? Na cantina da escola? Na pizzaria que entrega via aplicativo? Queremos mesmo saber? Podemos questionar? Por que sem veneno é mais caro?

Produto agroecológico tem custo diferenciado por uma razão bem conhecida pelos economistas: produzimos pouco. Não é por falta de técnica nem de vontade, é por falta de dinheiro. Um pacote de 50 kg de NPK, o famoso adubo químico, custa R$ 90,00 e aduba até 250 metros quadrados, onde se produz em torno de 2.250 alfaces. Esse produto chega ao consumidor final ao preço dentre R$ 0.50 e um R$ 1,00, às vezes R$ 2,00. Numa produção orgânica, para se chegar nesse volume será preciso investir quase o dobro no manejo ecológico do solo. Preço final, R$ 3,00.

Não é exagero concluir que este desequilíbrio entre oferta e demanda é muito bem orquestrado para continuar assim. O governo federal e os estados brasileiros deixam de arrecadar R$ 10 bilhões por ano com a isenção fiscal para as empresas que produzem ou vendem pesticidas. O valor representa 50% do orçamento total o Ministério da Agricultura em 2020 e é mais que o dobro dos R$ 4,5 bilhões que o SUS gastou com tratamento contra o câncer.

É aí, nesse ponto, que o colapso da agricultura encontra a crise do coronavírus. Agora com a necessidade de isolamento e milhares de casos em todo o mundo, sem distinção de classe social, ficou muito mais evidente que a desigualdade tem um preço que toda a sociedade paga.

Ficou bem óbvio que também não existe neutralidade. Você come todo dia e alimenta os seus. De que lado você está?

*Agricultora, mãe e feminista


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