Decisão de ex-presidente da Cedae levou à geosmina
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Decisão de ex-presidente da Cedae levou à geosmina

Atualizado: 28 de jan. de 2021


Hélio Cabral (atrás de Witzel, na foto) sabia que a água da Cedae seria contaminada pela geosmina / Divulgação

Por Luiz Augusto Erthal


Um ano depois da maior crise de abastecimento de água envolvendo a cidade do Rio de Janeiro e vários municípios da Baixada Fluminense, um ex-gestor do corpo técnico da Cedae confirmou nesta terça-feira, 26, ao TODA PALAVRA, que a contaminação da água tratada pelo sistema Guandu por geosmina foi decorrente de uma decisão direta e consciente do então presidente da companhia, Hélio Cabral.

Foi ele quem, em uma reunião do gabinete de crise na presidência da Cedae, no dia 9 de janeiro de 2020, com a presença de cerca de dez pessoas, contrariando os apelos de técnicos e especialistas, impediu a adoção do protocolo previsto nas normas do Comitê Gestor do Guandu para tais situações, que consiste na suspensão da captação temporária da água com o fechamento das comportas do sistema.

Uma cópia da ata da reunião, que contou com a participação de diretores e técnicos da companhia, além de especialistas e até professores universitários, foi fornecida ao Ministério Público estadual, que segue investigando o episódio. No documento, o item “manobra das comportas”, que dizia respeito à adoção do protocolo usual, aparece sem nenhuma deliberação.

Durante a reunião, que contou com a participação da fonte do jornal, Hélio Cabral foi por diversas vezes alertado sobre as consequências da contaminação da água pela geosmina e, segundo a mesma fonte, que por ainda pertencer aos quadros da companhia teve a identidade preservada, ele se manteve intransigente na decisão de não seguir o procedimento padrão para essas situações. “Isso eu não quero discutir”, repetiu o então presidente sempre que instado pelos outros participantes a suspender a captação de água contaminada por algas que produzem a geosmina.


A serviço da privatização

Hélio Cabral foi indicado para a presidência da Cedae pelo então governador Wilson Witzel - que hoje se encontra afastado do cargo e responde a um processo de impeachment na Assembleia Legislativa - com a missão de “preparar a privatização” da empresa, conforme declaração de Witzel à época.

Ao impedir que os técnicos responsáveis pela operação do sistema Guandu seguissem os protocolos usuais, mesmo sabendo que a qualidade da água fornecida à população estaria seriamente comprometida, Cabral estaria, na verdade, sabotando a companhia, cuja privatização foi uma imposição do governo federal para a recuperação fiscal do Estado do Rio, na opinião de técnicos e sindicalistas. Esse é, por exemplo, o entendimento do presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto de Niterói e Região (Sindagua-RJ), Ary Girota.

Ary Girota, do Sindagua-RJ

“O episódio de 2020 da geosmina foi milimetricamente pensado para causar um grande impacto na população. Durante 45 dias os jornais ficaram batendo na Cedae, quando, na verdade, esse problema foi gerado para justificar a privatização da Cedae, desqualificando e denegrindo a imagem da empresa”, afirma o sindicalista.

Durante quase dois meses, a água de qualidade inferior provocou uma onda de protestos, com graves prejuízos para a imagem da empresa, operadora da maior estação de tratamento de água do mundo - a ETA Guandu.

Naquele janeiro de 2020, as torneiras de milhões de consumidores passaram a verter água com gosto de terra e um forte odor, quando os padrões de qualidade exigem que o líquido vital seja incolor, inodoro e insosso. Era o resultado da geosmina, um processo químico provocado pela presença de certas algas na água, que, sob a ação do sol, produzem cheiro e gosto de terra.

Embora não seja considerada prejudicial à saúde, a geosmina levantou dúvidas e desconfianças por parte dos consumidores e muitos deles deixaram de beber na época a água fornecida pela Cedae.

Isso não teria ocorrido, segundo técnicos e engenheiros da companhia, se fosse seguido o protocolo da “descarga”, um procedimento usual - e incorporado pelo Comitê Gestor do Guandu aos métodos de manejo do sistema - que consiste em suspender a captação da água, com o fechamento das comportas da ETA em caso de grande proliferação de algas.


Técnicos de volta

A manobra da "descarga", executada semana passada, faz parte do plano de contigenciamento do Guandu

Na semana passada, uma ocorrência semelhante à do ano passado aconteceu no lago de captação Guandu, onde se verificou a presença de grande concentração de algas, cujo surgimento está sendo favorecido pelas atuais condições climáticas, como o calor e a falta de chuvas. Contudo, desta vez, na noite do dia 21 de janeiro as comportas foram fechadas para a adoção da “descarga”, permitindo o deslocamento das algas rio abaixo. Elas se deslocaram da posição em que se encontravam, a montante dos canais de captação da ETA, para vazante da entrada da estação do Guandu.

Foram dez horas de parada na estação de tratamento, suficientes para dar passagem às algas que se acumulavam no lago de captação e evitar uma grande contaminação do sistema pela geosmina. Durante o período entre a análise da água e a ordem de fechar as comportas, uma certa quantidade de algas chegou a atingir os tanques de tratamento do Guandu. A Cedae iniciou imediatamente o tratamento com carvão ativado para prevenir os efeitos da geosmina, percebida, mesmo assim, por alguns consumidores.

A suspensão do tratamento por dez horas também provocou desabastecimento temporário em certos bairros, mas em 48 horas tudo estava normalizado, tanto o fornecimento quanto a qualidade da água.

A mudança de postura técnica é reflexo da recente troca de comando na Cedae. Após muita relutância de Wilson Witzel, quando ainda estava encastelado no Palácio Guanabara, o desgastado Hélio Cabral acabou sendo afastado da presidência da Cedae, embora tenha continuado a trabalhar para o governo no esforço de privatização da companhia.

O lugar de Cabral - também um dos indiciados pela tragédia de Sobradinho, quando ocupava um cargo de direção na mineradora Samarco - é ocupado hoje por um engenheiro de carreira da Cedae, Edes Oliveira, nomeado para o cargo de presidente há cerca de três meses pelo governador em exercício. Na Diretoria de Produção está outra prata da casa, o também engenheiro Marcelo Dibe.


O papel da Cedae

Ao que parece, os procedimentos técnicos voltaram, enfim, a se sobrepor aos interesses políticos no interior da empresa. Externamente, porém, a Cedae continua sendo alvo de críticas e do duelo entre os grupos interessados na privatização da companhia e os que defendem - sobretudo os trabalhadores - que o estado mantenha não só a sua mais importante e lucrativa empresa, mas a própria soberania no controle de uma política de saneamento e produção de água potável de qualidade para a população fluminense.

Com a responsabilidade de abastecer principalmente a região metropolitana de um estado incapaz, até hoje, de reverter a tragédia ambiental que polui e degrada sobretudo essa área de maior adensamento populacional do seu território, a Cedae consegue tratar, por segundo, 43 mil litros de água retirada da lagoa de captação que já foi definida pelo biólogo e ambientalista Mário Moscatelli como “a cloaca do Guandu”.

De fato, a montante da estação de tratamento da Cedae, três rios tributários do Guandu - o Ipiranga, o Poços e o Queimados - despejam há anos um caldo grosso de esgoto residencial in natura e rejeitos industriais provenientes dos municípios da Baixada Fluminense. O próprio Moscatelli, em postagem antiga nas redes sociais, já havia enaltecido os trabalhadores da Cedae, que fazem, nas suas palavras, “milagre” para tratar a água do Guandu que abastece 12 milhões de pessoas.

Mas, na semana passada, voando de carona no helicóptero da TV Globo, Moscatelli voltou a mostrar as já conhecidas cenas das águas enegrecidas pela poluição dos rios que desembocam na lagoa de captação do Guandu, profetizando uma nova “crise da geosmina” para os moradores do Rio e da Baixada.

Por não levar em consideração a mudança de atitude da Cedae, ao retomar a orientação técnica preconizada pelo Comitê Gestor do Guandu para tratar a questão das algas, o ambientalista recebeu duras críticas dos sindicalistas, que veem nas suas críticas um desgaste da imagem da companhia que só favorece a tese da privatização.

“Quando vemos uma figura pública como a do biólogo Mário Moscatelli, sendo alçado em reportagem da TV Globo e fazendo prognósticos em sobrevôo sobre a Baixada Fluminense, falando sobre a poluição e dizendo que outros fenômenos de geosmina ainda irão acontecer, isso é, no mínimo, uma declaração irresponsável. Quando ele vem agora com esse discurso da geosmina parece que está querendo induzir à população que a Cedae não tem competência para tratar o problema”, afirma Girota.


Trabalhadores realizam há mais de um ano mobilizações contra a privatização da Cedae

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