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Retorno aos fazimentos de Darcy


Para marcar os 20 anos da morte de Darcy Ribeiro, ocorrida no dia 17 de fevereiro de 1997, a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) reuniu em fevereiro professores, escritores, cientistas políticos e amigos do educador, etnólogo e antropólogo, entre tantas outras facetas, para debater a produção intelectual e contribuição em antropologia, educação, cultura, literatura e política daquele que é considerado um dos maiores pensadores do nosso tempo.

Sob o tema “Darcy Ribeiro, 20 Anos - Que falta ele nos faz!”, a Fundar realizou Seminário, nos dias 15 e 16 de fevereiro, no Arquivo Nacional, no Rio, que reuniu intelectuais, professores, lideranças indígenas e personalidades para debater, em quatro mesas temáticas, o que os organizadores consideram as facetas mais marcantes de Darcy Ribeiro: “Darcy semeia escolas”, “Os fazimentos de Darcy”, “Darcy em prosa e verso” e “Darcy dos índios”.

A proposta do evento foi apontar para a necessidade de retomada do trabalho de Darcy, cuja obra buscava uma ampla compreensão do Brasil e do povo brasileiro, que permitisse a construção de uma nação socialmente justa.

A ideia central, segundo Paulo Ribeiro, presidente da Fundação, é reacender as discussões sobre a obra e a trajetória de Darcy, e dar oportunidade às novas gerações, que não tiveram a chance de conhecer este grande brasileiro, de conhecer seus inúmeros legados nas áreas de antropologia, educação, cultura, literatura e política.

– Nosso objetivo, ao organizar essa série de discussões e homenagens em torno de Darcy Ribeiro, é contribuir para elevar o nível do atual debate nacional, trazendo aos dias de hoje sua visão multicultural e única de Brasil – afirma o presidente da Fundar.

Darcy semeia escolas

Na sessão de debates sobre educação, no dia 15, a ex-secretária estadual de Educação e professora associada da Uerj, Lia Faria, que participou ativamente da implantação do projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), disse que Darcy Ribeiro quereria hoje uma tomada de posição pela retomada da educação.

– Darcy estaria furioso com o que está acontecendo, e a maior homenagem que podemos fazer a ele é nos indignarmos.

Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Helena Bomeny, autora de vários livros sobre a obra de Darcy, ele foi o último expoente da Escola Nova, defensor de uma escola laica. Helena avalia que faz muita falta, hoje, o debate sobre programas e projetos, a eleição do popular como sujeito da nação.

– O programa dos Cieps alcançou repercussão pública pouco comum em assuntos de educação, e os críticos o bombardearam, dizendo que havia se transformado em programa com objetivos político-eleitorais.

Para Lucia Velloso, doutora em Educação pela UFRJ e professora da UERJ, especialista em ensino fundamental e escola pública de tempo integral, a escola pensada por Darcy Ribeiro precisa de três coisas: espaço para a convivência de professores e alunos fora da sala de aula, tempo de permanência na escola que coincida com a jornada de trabalho dos pais, e capacitação do magistério.

Essa capacitação do magistério proposta por Darcy Ribeiro, segundo Lucia, se aproximava do modelo de Residência Médica, que implicava em colocar nas salas de aula dos Cieps professores recém-formados, como bolsistas e supervisionados, para completarem ali sua formação profissional.

No debate sobre a incursão de Darcy Ribeiro em diversos ramos do conhecimento, o seminário abordou o que ele costumava chamar de “fazimentos”, palavra que gostava de usar para identificar sua produção intelectual.

Segundo Maria Elizabeth Brêa, Mestre em História pela Uerj, antropóloga e coordenadora de Pesquisa e Difusão de Acervo do Arquivo Nacional, Darcy tinha uma natureza inquieta.

– Darcy partiu há 20 anos, mas nos deixou esse belo trabalho – disse Elizabeth, sobre a obra multifacetada e intensa atuação intelectual, na academia, na militância política e na criação de espaços e equipamentos públicos como o Sambódromo, o Memorial da América Latina, o Memorial dos Povos Indígenas, a universidades UnB e Uenf, entre tantos outros “fazimentos”.

Para o cientista político e atual secretário de Educação do Município do Rio, Cesar Benjamin, quem conheceu Darcy Ribeiro não ficou impune.

– Ele exalava inteligência, era um profeta da civilização brasileira. Dizia que tínhamos de deixar de ser um Brasil diminuído e acreditar em nosso potencial. “Somos um povo que está começando nossa História, somos um povo novo”, afirmava Darcy.

O Reitor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Professor Luis Passoni, também presente ao debate, concorda com Cesar Benjamin, e diz que é preciso recuperar o projeto de um Brasil inclusivo, que se preocupe com as pessoas.

– Perdemos a capacidade de fazer uma crítica às nossas elites, como costumava dizer Darcy –, afirmou o reitor, que sente na pele a responsabilidade de ter que administrar uma universidade em crise, retrato, segundo ele, do atual momento por que passa o país, do descaso com a educação.

O escritor Eric Nepomuceno, presente ao debate sobre a produção literária de Darcy Ribeiro, lembrou uma de sua tiradas bem humoradas: “Escrevi o romance ‘Maíra’ porque queria ficar famoso. No Brasil, é preciso escrever um romance para ficar famoso”, dizia. Para Eric, em tudo que Darcy escrevia, havia uma busca desesperada do que somos e do que devemos ser.

– Um escritor é sempre o que ele escreve, e o que ele escreve espelha o que ele é. E Darcy está em tudo que escreveu. Em ‘Maíra’, por exemplo, há uma melancolia do exílio – argumenta Eric, ao analisar o romance, escrito em 1976, que é considerada uma de suas obras mais aclamadas.

Darcy dos índios

Um dos momentos marcantes dos debates foi a lembrança da longa e intensa convivência de Darcy Ribeiro com os índios, especialmente os índios Kadiwéu, no sul do Mato Grosso, e os índios Urubu-Kaapor, na floresta amazônica. Convivência que lhe rendeu diversos livros e artigos, e que mais tarde serviu de base para elaborar o projeto de criação do Parque Indígena do Xingu, que se tornou realidade em abril de 1961.

Um dos convidados para o debate, o cacique indígena Álvaro Tukano, disse que Darcy Ribeiro foi um dos maiores amigos dos índios.

– O Estado Brasileiro tem cometido muitos crimes contra os índios. Roubando nossas terras, matando nossos filhos, Mas Darcy Ribeiro defendeu sempre todos os brasileiros, fossem índios, brancos, negros.

Para Mércio Gomes, antropólogo e conselheiro da Fundar, o trabalho de Darcy Ribeiro, ao longo de sua vida, permitiu aos povos indígenas ressurgir.

– Os índios surgem com novas lideranças, recuperam parte de sua identidade, reflorescem, atesta o antropólogo.

No dia 17, data da morte de Darcy, a Academia Brasileira de Letras (ABL) realizou uma sessão especial em homenagem ao acadêmico Darcy Ribeiro, que ocupou a cadeira número 11 daquela Casa.

Presidida pelo acadêmico Alberto Venancio Filho, também conselheiro da Fundação Darcy Ribeiro, a sessão foi aberta com palestra do Reitor da UFRJ, Roberto Leher, que saudou os organizadores da série de debates e homenagens, “especialmente nesse momento difícil de nosso país”, ressaltou.

O reitor da UFRJ destacou na obra de Darcy a criação da Universidade de Brasília (UnB), que ele considera um sopro de novos ventos para a universidade pública no Brasil.

– O momento da fundação da UnB era um ambiente muito fervilhante do país. E a Unb expressava o momento de reformas que o país precisava – avaliou Roberto Lehrer.

Na sessão de homenagens que se seguiu discursaram ainda a professora Haydée Ribeiro, Professora Adjunta da Faculdade de Letras da Universidade Federal Minas Gerais (UFMG) que fez uma análise do romance “Maíra”, lembrando os 40 anos da obra, o cacique Álvaro Tukano, o deputado estadual Paulo Ramos, o ex-secretário estadual de Planejamento do Rio de Janeiro, Fernando Lopes, e a vice-reitora da Uenf, Teresa Peixoto de Faria.

Em todos os debates, uma constatação e uma certeza: o pensamento e o trabalho de Darcy Ribeiro, o homem de “mil peles”, como ele gostava de se intitular, continua vivo, e precisa ser retomado, segundo os participantes do evento. “Continuem, prossigam...”, ele diria.

#DarcyRibeiro