A última flecha de Janot
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou hoje (28) que, mesmo faltando pouco dias para deixar o cargo, cumprirá todos os atos até ser substituído, no dia 18 de setembro, pela procuradora Raquel Dodge. Segundo Janot, as investigações que estiverem concluídas terão os processos divulgados. No Palácio do Planalto, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que o governo está "preparado" para enfrentar uma possível nova denúncia a ser oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. Essa pode ser a última "flecha" de Janot antes de deixar a Procuradores, cumprindo a promessa de que "enquanto houver bambu tem flecha". “Vou continuar fazendo o que sempre fiz. Não vou mudar nem para menos, nem para mais. As investigações que estiverem maduras irão para a frente, as que não estiverem maduras aguardarão a minha sucessora para que ela siga o seu rumo natural. Não deixarei de praticar nenhum ato de ofício por conta de faltarem 20 dias para eu sair. O que estiver maduro vai para rua, sim”, afirmou, em entrevista, após participar do debate E agora, Brasil, promovido pelo jornal O Globo, no centro do Rio de Janeiro.
Janot não informou se entre as ações que ainda tem a fazer está incluída uma nova denúncia contra o presidente Michel Temer. “O Ministério Público não fala o que vai fazer. O Ministério Público faz e, depois, se houver dúvida, explica por que o fez. O que eu posso dizer é que não deixo de praticar ato de ofício em razão de estarem faltando 20 dias para o fim do meu mandato.”
Lava Jato
O procurador descartou a possibilidade de a Operação Lava Jato perder força quando ele deixar o cargo. “A Lava Jato não pertence ao Ministério Público. A Lava Jato pertence ao Brasil hoje. Concorrem nesta investigação órgãos públicos respeitabilíssimos, com corpos técnicos estáveis, sob a supervisão ou controle direto do judiciário. Tentar cessar esta investigação é muito difícil. De outro lado, a sociedade brasileira está mobilizada para enxergar esta investigação e, por último, graças a Deus, temos no Brasil a imprensa livre que tem cobrado, e muito, os resultados da investigação. Com todo esste contexto, não acredito que alguém consiga impedir a continuidade da investigação.” Para Janot, uma forma de combater qualquer tentativa de abafar a Lava Jato é manter a vigilância sobre os resultados das investigações. O procurador disse que é preciso ficar sempre atento. A partir do momento em que as investigações prosseguem, as pressões aumentam, e isso faz parte do jogo também. O que gente tem que fazer é ficar muito atento e não permitir que isso atinja o seu objetivo.”
Ele ressaltou que, embora as investgações pudessem ter evoluído mais, houve avanços nos instrumentos normativos que auxiliam o trabalho técnico dos órgãos de controle, desde a Ação Penal 470, o processo do mensalão. Para Janot, a colaboração premiada é um dos avanços. “O que tem permitido evoluir essa investigação é exatamente a colaboração premiada. Outros instrumentos poderiam existir? Poderiam. A gente espera que, com o tempo, eles venham. Agora, é tudo uma mudança de paradigma, de comportamento, e eu sou um otimista. Temos conseguido trabalhar com o material normativo de que dispomos e, com o tempo, vamos, sim, acredito, ter uma melhoria.”
Ao comparar as operações Lava Jato e Mãos Limpas, desencadeada na Itália em 1992 para apurar casos de corrupção no país, envolvendo agentes públicos e privados, Janot ressaltou que boa parte do que ocorreu naquele país está ocorrendo no Brasil. Para isso, basta olhar as iniciativas legislativas de lá e as que são apresentadas no Brasil, acrescentou. Ainda assim, Janot disse que não acredita em fracasso da Lava Jato. “Fracasso não, porque os nossos resultados já são visíveis. Tivemos diferenças técnicas entre a Mãos Limpas e a Lava Jato, mas, se repararem, as tentativas que ocorreram na Itália para desvirtuar as investigações, boa parte delas já ocorreu, ou está em curso aqui no Brasil. Basta comparar.”
Em vez de apontar as manobras legislativas para impedir as investigações, Janot preferiu comentar o que pode ser feito para aprimorar o processo. “Eu prefiro dizer das propostas que poderiam melhorar os órgãos de controle. Uma, primordial, é que a justiça penal brasileira trabalha em torno de 4% a 5% dos casos visíveis. Com esse pouquíssimo percentual, já é uma estrutura bem carregada. É visível que a solução da justiça penal brasileira passa pelo acordo. Então, um dos instrumentos poderosos é instituir no Brasil, de forma ampla, a possibilidade de acordos penais.”
Janot considerou normal a arguição de suspeição sobre a sua conduta à frente de ações desencadeadas na Lava Jato, mas afirmou que já respondeu à questão. “Este é um questionamento técnico. Não é nada pessoal arguir a minha suspeição, o meu impedimento, quando eu também arguo suspeição e impedimento de outros. É uma arguição técnica, faz parte do jogo e do instrumento processual arguir a minha suspeição. Já respondi a minha arguição de suspeição, e vamos aguardar o julgamento com tranquilidade.” O procurador afastou também a possibilidade de tentar uma candidatura política, dizendo que esta não é a sua vocação e que esse tipo de comentário representa um tipo de desgaste para a imagem dele.
Em tom de alívio, Janot disse que deixará a função com sensação de dever cumprido. “Fiz o que tinha que fazer. Teve momentos muito difíceis, difíceis mesmo. Enfim, vou sair e entrego aliviado o cargo, o fardo, mas com a sensação de dever cumprido.” Sobre o futuro, o procurador informou que, após deixar o cargo, entrará de férias e aí decidirá quando vai se aposentar. O combate à corrupção vai continuar: “vou aguardar e avaliar o momento correto da minha aposentadoria e não vou me afastar do tema do combate à corrupção. Vou depois avaliar as sondagens que já recebi. Na área pública já dei a minha contribuição e vou agora para a área privada.”