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MP investiga conexão Rodrigo-Cabral


Rodrigo Neves ao chegar, preso, à Cidade da Polícia, em Benfica. Abaixo, o ex-secretário de Obras de Niterói, Domício Mascarenhas (no meio), entre os empresários de ônibus João Carlos e João dos Anjos, também presos

Promotores e investigadores estaduais apuram ligações do prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, e seu secretário Domício Mascarenhas, ambos afastados dos cargos, com o esquema criminoso montado pelo ex-governador Sérgio Cabral no setor de Saúde do Estado. Um dos elos seria a empresa Toesa, que teria, em sua composição societária, pessoas muito próximas a Rodrigo e Domício Mascarenhas. Eles foram presos preventivamente (sem prazo de soltura) na Operação Alameda, deflagrada dia 10/12 para reprimir o recebimento de dinheiro ilícito, pela administração municipal, das companhias de ônibus da cidade.

A Toesa, que faz locação de veículos, inclusive ambulâncias, e fornece mão-de-obra terceirizada para vários segmentos, entre eles médicos e enfermeiros, apareceu no episódio conhecido como a “farra dos guardanapos” - um jantar, ocorrido em 2009, em Paris, do qual participaram o então governador do Rio, Sérgio Cabral, secretários, como o de Saúde, Sérgio Côrtes, e empresários, que celebraram o “sucesso” de um esquema de propinas.

No eixo da origem do escândalo da “farra dos guardanapos” estava o pagamento superfaturado, pela Secretaria Estadual de Saúde, dos serviços da Toesa. O concerto de uma ambulância, por exemplo, avaliado em R$ 1,8 mil, custou aos cofres públicos R$ 415 mil. De acordo com o então deputado federal Anthony Garotinho, pivô das denúncias sobre o caso, ”Sérgio Côrtes pagava oito vezes mais à Toesa do que um contrato semelhante fechado com a FUNASA (Ministério da Saúde)”, escreveu ele em seu blog.

A suposta ligação de Rodrigo e Domício com a Toesa consta na denúncia, apresentada pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) ao Tribunal de Justiça do Estado (TJRJ). O documento, ao qual o TODA PALAVRA teve acesso, é assinado pelo procurador-geral de Justiça, José Eduardo Ciotola Gussem, e pelo sub-procurador geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos, Fernando Chaves da Costa. De acordo com os promotores, cujas afirmações são amparadas por investigações da Coordenadoria de Segurança e Inteligência do MPRJ, as atividades aparentemente ilegais do prefeito afastado e seu “cúmplice” iriam além do setor de transporte coletivo.

“As relações entre os denunciados Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas ainda se revelam pela análise de vínculos intersubjetivos elaborado pela Coordenadoria de Segurança e Inteligência do MPRJ a partir de pesquisa de participação em empresas, o qual demonstra a complexa teia de ligações entre ambos, a atual esposa do prefeito, Fernanda Sixel Barreto, e diversos outros personagens, decorrentes da integração nos quadros societários de empresas dos mais diversos setores – dentre elas a Toesa, o que, inclusive, aponta possível prática de lavagem de dinheiro, fatos a serem apurados em investigação própria”, escreveram os promotores. Apesar de citada na denúncia, a mulher do prefeito Rodrigo Neves não foi alvo da Operação Alameda.

Eduardo Gussem é enfático ao apontar Rodrigo Neves como o chefe de operações criminosas, que envolveriam outros segmentos do serviço público.

“Novas operações contra o prefeito de Niterói devem ser deflagradas em breve”, afirmou o procurador-geral do Estado, durante entrevista coletiva na sede do MPRJ no dia da deflagração da operação.

A denúncia

Em 81 páginas, os investigadores do Ministério Público esmiúçam o que acreditam ser provas contundentes para a condenação de Rodrigo, Domício, que exercia três cargos públicos, e dos empresários de ônibus João Carlos Félix Teixeira e João dos Anjos Silva Soares, também presos no dia 10.

A base das acusações está no cruzamento de informações, que aparecem nos depoimentos ao Ministério Público Federal (MPF), no âmbito da Operação Lava-Jato, do ex-presidente do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (SETRERJ) e ex-vice-presidente da Federação das Empresas (Fetranspor), Marcelo Traça, e do dono da empresa de publicidade Prole, Ricardo Pereira.

Ambos entraram no programa de delação premiada e falaram aos procuradores da República sem que um soubesse das declarações do outro. O primeiro foi preso por envolvimento da Fetranspor no esquema de propina de Sérgio Cabral e o segundo por, segundo ele, fornecer dinheiro ilícito para o Caixa 2 das campanhas do próprio Cabral, de Luiz Fernando Pezão e de Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio.

Traça revelou que Rodrigo Neves, através de Domício, recebia 20% do valor das gratuidades das passagens de ônibus pagas pela Prefeitura às empresas de ônibus municipais para garantir o benefício a estudantes, idosos e deficientes.

Entre 2014 e 2018, o repasse para o consórcio Transoceânico, que engloba as empresas Pendotiba, Santo Antônio, Miramar e Fortaleza, chefiado por João Félix, chegou a R$ 28,8 milhões. Deste total, Rodrigo e Domício teriam faturado R$ 5,7 milhões em propina. Félix é sócio da Viação Pendotiba junto com Jacob Barata Filho, também alvo da Lava-Jato no Rio.

Para o consórcio Transnit, formado pelas empresas Ingá, Peixoto, Barreto, Brasília e Araçatuba, comandado por João dos Anjos, a Prefeitura pagou R$ 26,05 milhões. O prefeito teria recebido de volta R$ 5,2 milhões. Anos está á frente da Auto Lotação Ingá. Os dois consórcios dominam o transporte coletivo em todas as regiões de Niterói e teriam fornecido, segundo o MPRJ, um manancial de propina a Rodrigo e Domício, totalizando R$ 10,9 milhões.

Já o marqueteiro Ricardo Pereira, cuja empresa fez as campanhas de Rodrigo, desde 2012, e depois abocanhou a conta publicitária da Prefeitura de Niterói, contou ao MPF que, em novembro de 2015, seus executivos decidiram que a Prole não aceitaria mais dinheiro sem o devido registro nos tribunais eleitorais. Ele se reuniu com Rodrigo e Domício, em, pelo menos duas oportunidades, para convencer o prefeito niteroiense da decisão da agência.

No entanto, ainda segundo Pereira, Rodrigo entrou em um dilema político. Deixou o PT e foi para o PV, legenda com um fundo partidário inferior a R$ 1 milhão, cinco vezes menor que o primeiro. Portanto, em uma reunião dos três, já em 2016, para burlar a regra de registro de despesa de campanha, o prefeito propôs a Domício que poderiam complementar os esses valores com a propina paga pelas empresas de ônibus de Niterói. O custo da participação da Prole na campanha havia sido fixado em R$ 5 milhões.

Os promotores e policiais da Delegacia Fazendária obtiveram a quebra do sigilo telefônico e das redes sociais dos acusados e, segundo eles, conseguiram comprovar a relação entre todos. Domício, por exemplo, ao marcar, por um serviço de mensagens, encontros com empresários de ônibus para receber a propina, se referia ao dinheiro como “rascunho”, pois, de acordo com o MPRJ, em encontros anteriores, ele não falava abertamente em valores, mas escrevia o total que deveria ser pago em uma folha de papel e depois a rasgava.

O levantamento foi realizado a partir de consultas e cruzamento de dados, em fontes oficiais, pelo Laboratório de Análise de Orçamentos e de Políticas Públicas (LOPP/MPRJ).

Para o MPRJ, o esquema denunciado configura uma “reprodução adaptada para o município de Niterói do grave esquema de corrupção evidenciado pela Operação Lava-Jato no âmbito do Governo do Estado do Rio de Janeiro em suas relações espúrias com a Fetranspor”. No caso de Niterói, o dinheiro da corrupção estaria sendo lavado em uma rede de empresas, que têm pessoas próximas aos acusados como sócias.

O MPRJ requereu a condenação de Rodrigo, Domício, Félix e João dos Anjos pelos crimes de organização criminosa e contra a administração pública, sobretudo, corrupção ativa e passiva. Também requereu à Justiça a fixação de multa para reparação dos danos causados de, no mínimo, R$ 10.982.363,93 (suposto valor da propina). O Tribunal de Justiça ainda acolheu requerimento ministerial e determinou a suspensão do exercício das funções públicas dos acusados Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas.

Operação Alameda

Niterói amanheceu assombrada no dia 10. Logo cedo os noticiários anunciavam a prisão de Rodrigo Neves. As cenas na entrada da garagem de um prédio de Santa Rosa, onde o prefeito mora, exibidas pela televisão, eram comoventes: ele entrando em um carro ostensivo da Polícia Civil, enquanto a mulher e os filhos se abraçavam desolados.

Mas a Operação Alameda, batizada com esse nome pela sede do Setrerj, onde, segundo o MPRJ, ocorria o pagamento da propina, ser na Alameda São Boaventura, no Fonseca, iria muito além da casa do prefeito. Além dos mandatos de prisão temporária, foram cumpridos 19 de busca e apreensão em empresas de ônibus, escritórios e residências de empresários, além do próprio Setrerj e na Prefeitura, onde os funcionários só puderam entrar após o prédio ser vasculhado. Documentos, computadores e celulares foram apreendidos pelos policiais. (JMX)

TP foi informado da prisão

Luiz Augusto Erthal

A prisão de Rodrigo Neves não surpreende a observadores mais atentos do cenário político de Niterói. Mas os encarregados das diligências que o levaram a ser preso, sim. Agentes da Polícia Federal, e não da Polícia Civil, batendo de manhã na porta do prefeito seria, para quem acompanha as investigações da Lava Jato na cidade, o quadro mais previsível.

Há mais de dois anos o TODA PALAVRA teve acesso a informações, dando conta de que equipes da PF haviam sido deslocadas de outros estados para Niterói, onde realizavam investigações que teriam Rodrigo Neves como alvo primário. Seriam ações no âmbito da Lava Jato, desencadeadas a partir das delações do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, envolvendo o prefeito.

Vazamentos desses depoimentos chegaram a ser divulgados por adversários de Rodrigo na campanha eleitoral de 2016, que lhe deu a reeleição. Na época, agentes da guarda municipal e um funcionário administrativo da prefeitura de Niterói foram empregados para recolher jornais que repercutiam as denúncias. Além do emprego irregular de servidores municipais, a ação foi apontada na época como um atentado à liberdade de imprensa.

No início deste mês o TODA PALAVRA também recebeu informações de que a prisão de Rodrigo seria iminente. As fontes, porém, não citavam a origem da denúncia, levando a crer que a prisão seria o resultado das investigações iniciadas há mais de dois anos pela Polícia Federal. A ação da Polícia Civil que recolheu o prefeito no dia 10 não era esperada.

Primeiro prefeito de Niterói a ser preso

A exemplo de Luiz Fernando Pezão, primeiro governador fluminense preso no exercício do mandato, a prisão de um prefeito no cargo é fato inédito em Niterói. Segundo o historiador Rubens Carrilho, chefe do setor de arquivo da Câmara Municipal e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói, Rodrigo Neves é o primeiro dos 57 prefeitos que já ocuparam o cargo a receber voz de prisão da polícia.

- Já vimos muita coisa aqui na cidade. Já tivemos duas câmaras de vereadores (em 1922) e duas assembleias legislativas (em 1962) funcionando simultaneamente; já tivemos um prefeito em duas cidades (Brígido Tinoco, em Niterói e São Gonçalo nos anos 40) e um prefeito cassado por improbidade administrativa (Wilson de Oliveira), mas nunca um prefeito preso no exercício da função - relata o historiador. (LAE)

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