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A crise da CEDAE é um projeto - por Waldeck Carneiro

Por Waldeck Carneiro

 

Há poucos anos, a CEDAE foi fornecedora oficial de água para eventos internacionais, como Jogos Panamericanos, Jogos Internacionais Militares, Maratona do Rio, entre outros. Quando da candidatura do Rio para sediar a Olimpíada de 2016, a qualidade da água captada, tratada e distribuída pela CEDAE constou como ponto forte do dossiê submetido ao Comitê Olímpico Internacional (COI), objeto de inspeção, com parecer favorável, por parte de especialistas internacionais designados pelo COI. Como, em curto espaço de tempo, a "água da CEDAE" distribuída a milhões de pessoas passou a conter substâncias danosas à saúde e, no limite, à vida da população fluminense?Reconheço ambiguidade no argumento que qualifica a CEDAE como empresa lucrativa. Não que ele não seja verdadeiro. Mas é ambíguo. Afinal, se, por um lado, durante seguidos exercícios financeiros, a CEDAE tem fechado suas contas "no azul" e vem pagando ao Tesouro Estadual dividendos na casa de centenas de milhões de reais, por outro lado, não faz sentido uma empresa estatal acumular capital, menos ainda se atua em área tão estratégica na prestação de serviços públicos, como é o caso do abastecimento de água e da coleta e do tratamento de esgoto. Em outras palavras, o argumento é válido para mostrar que a CEDAE não dá prejuízo financeiro ao RJ, mas é contestável, pois revela que seu lucro anual deveria ter sido, ano após ano, integralmente destinado à modernização da operação da empresa.Ademais, durante o governo Pezão, trágico quadriênio para a história do RJ, nosso Estado aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal, engendrado no governo ilegítimo de Michel Temer, assumindo compromissos, sob a forma de contrapartidas, sendo um deles a privatização da CEDAE. Antes, o RJ já tinha oferecido ações da CEDAE como garantia de um empréstimo junto ao Banco Paribas. Na ALERJ, alguns parlamentares buscaram alternativas a essa temerária garantia, mas Pezão e Dornelles não admitiam outra hipótese: a CEDAE teria mesmo que subir no cadafalso.Durante a campanha eleitoral de 2018, o Juiz Wilson Witzel, candidato a governador, várias vezes afirmou ser contrário à privatização da CEDAE, estabelecendo aí um contraponto com seu principal oponente, Eduardo Paes, a quem apontava, com razão, como candidato do grupo político que hegemonizou a política do RJ por mais de dez anos e que defendia (ao menos seus principais caciques) a privatização da CEDAE. Semanas após a surpreendente eleição de Witzel, seu virtual líder de governo, em debate acalorado no plenário da ALERJ, reiterou o compromisso do governo eleito de não privatizar a CEDAE. Uma vez empossado, porém, Witzel adotou linha oposta.Em primeiro lugar, Witzel entregou o comando político da empresa ao dirigente nacional de seu partido (PSC), Pastor Everaldo, que designou como seu presidente o engenheiro Helio Cabral, um dos acusados pelas mortes na tragédia de Mariana e várias vezes citado em investigação feita pela área jurídica da própria CEDAE sobre suposto beneficiamento de empresas de vigilância, quando era Diretor Financeiro da estatal. Em segundo lugar, o presidente Helio Cabral, com a anuência do governador, deflagrou uma série de demissões (no total, 54) de quadros técnicos especializados da CEDAE, com décadas de carreira: dezenas de Engenheiros e vários Analistas de Qualidade da Água. Em suma, a memória técnica da CEDAE foi desmontada. Em terceiro lugar, o governo Witzel encomendou ao BNDES, já sob a linha privatista e entreguista da macroeconomia antinacional conduzida pelo Ministro Paulo Guedes, um projeto de modelagem para a privatização da CEDAE. Na ALERJ, o governo Witzel continuou barrando tentativas e contestando discursos que propunham trocar a garantia do empréstimo contraído junto ao Banco Paribas, mantendo a ameaça que até hoje paira sobre a CEDAE. Por fim, o advento da crise da água, em pleno verão de 2020, com a população fluminense enfrentando temperaturas estivais. De repente, no segundo dia do ano, o RJ se surpreende com a péssima qualidade da água distribuída pela CEDAE, proveniente da Estação de Tratamento de Água do Guandu, "a maior do mundo": água com gosto e odor de terra. Especialistas falam em riscos à saúde. Sob 40 graus à sombra, moradores da Cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense precisam comprar água engarrafada para seu consumo diário. Um desastre para a imagem da CEDAE! A mídia, em especial os grandes monopólios midiáticos, em sucessivas reportagens, muitas com contextualização e textos precários, desencadeiam intensa campanha que coloca a empresa estadual de água como inimiga número um do povo do RJ: em pleno verão!O "Toda Palavra" publicou importante reportagem, repercutida por outros veículos, indicando que havia clara situação de incompetência técnica na operação da CEDAE, por decisão direta de seu presidente. Em outras palavras: ao constatar que havia grande quantidade de algas nas águas captadas na ETA Guandu, a decisão técnica (padrão) deveria ter sido de fechar as comportas e interromper momentaneamente a captação, de modo a evitar a produção e a propagação da geosmina. Com isso, aumentar-se-ia a vazão do Guandu até que a limpidez das águas estivesse em níveis satisfatórios. Contudo, Helio Cabral determinou que a captação não fosse interrompida, como revelou aquela reportagem: grave caso de incúria, ainda a ser apurado. O governador, que em plena crise passou doze dias em silêncio (brincando com Pluto e Pateta na Disneylândia), tentou contestar a reportagem, mas não teve êxito. Ora, há poucos dias, quando sobreveio a situação do detergente, a captação foi imediatamente interrompida, exatamente o que não foi feito quando da captação de águas algosas, como sublinhou o "Toda Palavra". Apresentei Projeto de Lei para fixar na legislação estadual critérios e procedimentos para responsabilização de gestores, públicos e privados, de serviços de água e esgoto, quando, por ação ou omissão, causarem danos financeiros ou à saúde da população, bem como ao Estado do RJ. A pergunta que não quer calar: a quem interessa a depreciação da imagem da CEDAE? Certamente interessa a quem quer transformá-la, aos olhos da população, em estorvo do qual a administração pública deve se desvencilhar. E, ainda por cima, rebaixar seu valor de mercado, tornando-a mais atraente, do ponto de vista econômico, para a privatização. Enquanto países que experimentaram a mercantilização da água e do saneamento voltaram atrás (França, Inglaterra, Alemanha, entre outros), aqui no RJ pretende-se reduzir a água, bem indispensável à vida, à mera condição de mercadoria. Por uma CEDAE pública, estatal e indivisível, além de eficaz na prestação de serviços tão essenciais ao povo do Rio de Janeiro!

Waldeck Carneiro é deputado estadual pelo PT e professor da UFF. Escreve mensalmente na página de opinião da edição impressa e online do TODA PALAVRA.

 

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