“A notícia, quando é boa, vende até o jornal de ontem”
Por Luiz Augusto Erthal
A entrevista a seguir traz em si uma curiosidade: ela homenageia os jornaleiros, que comemoram neste 30 de setembro o seu dia sem direito a folga da árdua e diária missão de vender notícias em suas bancas de jornais. Porém, a matéria está sendo lida em uma plataforma digital e não no jornal impresso, de onde eles tiram o seu ganha-pão.
Na verdade, hoje a venda de jornais e revistas lhes garante apenas um pedaço desse pão, já que eles foram forçados a introduzir nas bancas um vasto catálogo de novas mercadorias - doces, biscoitos, cigarros etc - para compensar a queda na venda dos produtos editoriais registrada nos últimos anos, causada justamente pela concorrência da internet, por onde circulam atualmente as informações de forma instantânea e, em grande medida, gratuitas.
Mas o poder de sedução das notícias ainda nutre esperanças para esses trabalhadores que acordam de madrugada para buscar os jornais nas captazias (centrais de distribuição de jornais e revistas) e levá-los para as suas bancas, onde ficam pendurados à espera dos leitores.
“A notícia, quando é boa, vende até o jornal de ontem”, afirma Adalmir Ferreira, diretor da Associação dos Proprietários de Bancas de Jornais e Revistas de Niterói e São Gonçalo (APROBAN). Ele começou a trabalhar aos 12 anos, ajudando o pai que também era jornaleiro. Hoje, com 35 anos, está se formando em Administração de Empresas e mantém viva a paixão pelo que faz e pela importância do seu trabalho:
“O mundo sempre muda, o novo sempre vem, é inevitável, mas, sem perder a essência do nosso negócio, vamos fazendo da banca um local de debates, difusão de informação e cultura. Conquistaremos novas gerações e assim vamos nos consolidando como polo de democracia e pluralidade.“
O TODA PALAVRA publica, a seguir, em sua edição digital, essa entrevista em homenagem ao Dia do Jornaleiro, comemorado neste 30 de setembro, que também será publicada na próxima edição impressa do jornal, orgulhosamente exposto e vendido mensalmente nas principais bancas de jornais de Niterói.
TP - Com a popularização da internet, o fluxo de transmissão de notícias mudou bastante, com forte impacto na venda de jornais impressos. Como os jornaleiros estão se adaptando aos novos tempos?
Adalmir - Estamos nos reinventando através da possibilidade de vender outros produtos, como pequenos itens de conveniência, doces, biscoitos e artigos de tabacaria, sem esquecer da nossa mercadoria principal, que dá nome à nossa profissão. Somos jornaleiros! Talvez, hoje, sejamos um modelo de jornaleiro 2.0, que atuam em congruência e alinhados ao que vem acontecendo no mercado e dispostos a se reinventar toda vez que for necessário. O próprio formato foi uma evolução. No passado, vendíamos os jornais e revistas em caixotes e andando pelas ruas. Um italiano, chamado Carmine Labanca, foi quem instalou a primeira banca de jornal fixa. Foi um sucesso, e de tanto falarem “vamos no Labanca, vamos no Labanca”, a palavra banca virou nome da estrutura onde hoje trabalhamos. O mundo sempre muda, o novo sempre vem, é inevitável, mas, sem perder a essência do nosso negócio, vamos fazendo da banca um local de debates, difusão de informação e cultura. Conquistaremos novas gerações e assim vamos nos consolidando como polo de democracia e pluralidade.
TP - O que as editoras de jornais e revistas precisam agora levar em conta para continuar atraindo o público das ruas? Por outro lado, os jornaleiros também precisam fazer o trabalho deles. Como eles podem ajudar a manter o negócio da venda de notícias impressas?
Adalmir - As editoras precisam incentivar o leitor, trazendo assuntos e matérias locais, cativar o leitor a ter determinada informação apenas em mídia impressa, isso tudo atrelado à dinâmica com o jornaleiro, que precisa conhecer o material que está vendendo. Além da exposição, as bancas estão localizadas em esquinas e calçadas de grande fluxo. O cliente precisa contemplar a capa da revista ou a manchete do jornal para se interessar em comprar. Eu costumo dizer que a notícia, quando é boa, vende até o jornal de ontem.
TP - E o poder público? De que forma as posturas municipais precisam ser adaptadas aos novos tempos, de forma a também contribuir para fortalecer a venda de produtos editoriais nas bancas?
Adalmir - O poder público vem atuando no que diz respeito a excessos. Alguns poucos colegas da categoria diminuíram o número de material impresso nas suas bancas, para dar espaço para outros produtos. Hoje temos associações de classe em Niterói e São Gonçalo, a APROBAN, que atua em conjunto com a prefeitura para combater alguma eventual desarmonia e desproporção, observando sempre o código de posturas vigente, boa conduta e senso de urbanidade, pilares esses que norteiam nosso segmento.
TP - Pela sua experiência, você diria que o perfil do leitor de jornais impressos está mudando?
Adalmir - O perfil vem mudando, na minha percepção. O leitor hoje busca no material impresso um assunto mais relevante, ao ponto de guardar o material, seja para ler de novo, ou para uma eventual pesquisa. Veja o que acontece com o Le Monde Diplomatique Brasil, um jornal francês, mensal, que tem uma venda expressiva em Niterói. Creio que o sucesso se está na relevância do conteúdo ofertado e o impacto cultural e informativo que a publicação agrega.
TP - A morte do rádio já foi anunciada várias vezes, principalmente com o advento da televisão e, mais recentemente, com a chegada da internet. Mas o rádio está aí, mais forte do que nunca. A morte do livro impresso também foi declarada quando chegaram os e-books. Alarme falso, os livros em papel continuam sendo queridos pelo público. E agora está sendo prevista a morte dos jornais impressos. Será realmente o fim da notícia impressa?
Adalmir - O fim de produtos e serviços foram anunciados diversas vezes, e mesmo assim, eles se reinventaram. O que o jornal impresso precisa fazer é achar qual é a demanda do seu leitor e ofertar, deixar o periódico mais relevante e interessante. Acredito que o fim dos jornais está longe ou nunca irá acontecer. Toda vez que um jornal morre, acaba junto uma linha editorial, um senso crítico e a importante missão de colaborar para o debate e a projeção das ideais.
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