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A precarização dos terceirizados em universidades na pandemia

Por Cíntia Semblano e Daniel Albuquerque


Na atual crise do coronavírus, profissionais terceirizados de empresas que prestam serviços a universidades e hospitais estão trabalhando sem qualquer tipo de proteção, expostos à Covid-19. Em situação instável, com salários reduzidos e carga de trabalho aumentada, eles ainda estão sujeitos a demissões. Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por exemplo, vários foram dispensados com a promessa de que serão contratados futuramente.

Os demais funcionários da terceirizada Prime, que presta serviços ao Restaurante Universitário Bruno Alves, trabalham diariamente, inclusive aos sábados, no preparo e entrega do almoço dos profissionais de saúde do Hospital Universitário Pedro Ernesto, onde é grande o risco de contaminação. Recentemente, uma funcionária contraiu a doença e veio a falecer.

Com as demissões e o aumento da intensidade do serviço, os profissionais da limpeza, que trabalham sem EPI, muitas vezes ficam sem refeição. Ascensoristas da Verde Gestão, que presta serviços ao campus Maracanã operam elevadores praticamente vazios. E a Magna, que cuida da segurança, também demitiu funcionários com a alegação de falta de verba.

No mês de maio, terceirizados da empresa Angels, que atua na limpeza da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, recebiam apenas o vale-alimentação para trabalhar em horário de rodízio reduzido, por um valor em torno de R$ 130. A empresa alega que está seguindo o acordo firmado com o Sindicato dos Empregados de Empresas de Asseio e Conservação do RJ, mas muitos trabalhadores reclamam que não sabem como farão para pagar as dívidas e a alimentação de suas famílias com a redução da renda.

No Centro-Oeste, empresas que prestam serviços de segurança e limpeza para a Universidade Federal de Goiás (UFG) também demitiram trabalhadores, com a afirmação de que a universidade seria responsável pela eventual recontratação. Parte dos funcionários da limpeza continua a trabalhar para receber o vale-alimentação, enquanto outra parte foi dispensada para realizar o isolamento social, recebendo um salário menor.

A mobilização política de um coletivo de trabalhadores da universidade, chamado “Os Invisíveis”, conseguiu reverter a demissão de 16 trabalhadores da empresa de segurança Guardiã, que fazem parte do grupo de risco. Apesar da pequena vitória, a situação poderá se tornar insustentável se a empresa não melhorar as condições de jornada dos que estão na ativa, e se não mantiver trabalhadores mais vulneráveis afastados, sem cortar salários e evitando demissões.

Como resultado das pressões nos meses de março e abril, os terceirizados da UFG passaram a receber salário integral de forma regular, além dos benefícios. A pressão agora é para o fornecimento de equipamentos de proteção individual aos trabalhadores e contra as demissões. Recentemente a empresa demitiu funcionários que fazem parte do grupo de risco da doença para a contratação de novas pessoas.

Trabalhadores do call center Atento, que presta serviços às empresas Oi, Vivo, BMG e Enel em Goiânia, também enfrentam situação semelhante. Eles denunciam que desde o aumento exponencial de casos de Covid-19 no Brasil, as demissões começaram a ocorrer. Para eliminar encargos trabalhistas, a empresa suspendeu os funcionários por quatro dias com a intenção de demiti-los posteriormente por justa causa. Segundo os trabalhadores, cerca de 150 pessoas já perderam seus postos de trabalho, entre recém-contratados, funcionários em treinamento e efetivados. Os que ainda permanecem precisam trabalhar em escala alternada, sem direito a vale-alimentação nos dias de pausa.

Para os que fazem parte do grupo de risco, a empresa ofereceu a alternativa de home office, que inicialmente seria apenas para os que possuem computador e internet acima de 20 megabytes. Gradualmente, a empresa passou a “emprestar”, através de um termo de compromisso, equipamentos para os que possuem internet em casa. Mas eles não têm direito a vale-alimentação, recebendo “em troca” um auxílio para os custos de luz e internet, algo em torno de R$ 80. Funcionários que possuem familiares no grupo de risco não estão incluídos na proposta.


Riscos de contágio

Nas posições de atendimento (PAs), as condições higiênicas e a distância necessária não são adequadas e a determinação inicial da empresa era de que os funcionários não poderiam usar máscaras. Trabalhadores da área de limpeza também relatam estar sobrecarregados.

Diante disso, os trabalhadores de call centers realizaram uma paralisação no dia 19 de março, cobrando a disponibilização de álcool em gel em todos os departamentos e ambientes; higienização constante das posições de atendimento e headsets; revezamento da quantidade de funcionários, com distância de um metro entre PAs; disponibilização de equipe médica para exames de prevenção; e liberação de funcionários que estão no grupo de risco.

No dia 16 de abril, parte dos funcionários que prestam serviços para a BMG, também um call center, foram liberados para trabalhar em home office. A empresa modificou o espaçamento entre as posições de atendimento e melhorou a higienização nas dependências, mas de acordo com os trabalhadores, não há critérios para a escolha de quem trabalha em casa ou quem permanece no escritório. As garantias de emprego também não foram asseguradas, seja para quem se desloca ou para quem cumpre a função em home office. Após a paralisação, as máscaras que antes eram proibidas, passaram a ser recomendadas pelos patrões, mas os próprios funcionários tinham que providenciar. Só mais recentemente a empresa passou a disponibilizar máscaras de pano para os trabalhadores.


Os Invisíveis

Criado no início de 2017, Os Invisíveis são um pequeno coletivo independente de trabalhadores de empresas públicas e privadas que atuam em vários estados do Brasil, recebendo denúncias de trabalhadores de vários setores da economia sobre as péssimas condições laborais. Possuem página no Facebook, site e boletins impressos que distribuem para dar mais visibilidade ao drama real da precarização das relações de trabalho que boa parte da população brasileira sofre diariamente.

O coletivo, junto com trabalhadores de outros países, lançou no dia primeiro de maio deste ano, no Reino Unido, o livro “Struggle in a Pandemic: A collection of contributions on the COVID-19 crisis from members of the Workers Inquiry Network”, um relato das condições de trabalho em diversos lugares do mundo que enfrentam a Covid-19, as péssimas relações de trabalho e a insegurança de não permanecerem em seus empregos. Os trabalhadores brasileiros contribuíram com o capítulo “Invisíveis Goiânia: The Call of Death Saga in Brazil”, relatando com detalhes as condições de trabalho dos funcionários do call center brasileiro durante a pandemia. A coletânea também foi publicada em francês. O objetivo do esforço de trabalhadores de diversos países, ao publicarem relatos sobre as relações de trabalho durante a pandemia, é o de mapear os conflitos nos espaços de trabalho para buscar alternativas de luta.

Desde a década de 70, para adequar-se às novas condições da economia capitalista globalizada e financeira, estados e donos de empresas têm modificado a estrutura das relações de trabalho através da destruição do sistema de proteção social e do recuo aos direitos trabalhistas. As consequências dessa modificação instauram a precarização do trabalho; afetando salários, condições laborais, jornadas de trabalho, capacidade de organização sindical e a saúde dos próprios trabalhadores.

No Brasil, este cenário vem sendo arquitetado desde a ditadura militar, porém a partir da década de 90 teve sua consolidação, e seu auge alcançado com a Reforma Trabalhista de 2017, que atende integralmente as reivindicações dos empresários e desequilibra o cabo de guerra entre patrões e empregados. Nesse cenário, pontos como a terceirização e a primazia do acordado sobre o legislado são fundamentais para colocar cerca de mais ou menos 25% da força de trabalho do Brasil em uma verdadeira odisseia diária para sobreviver.


N.R. - Os nomes dos funcionários ouvidos foram preservados para evitar represálias. Os relatos foram colhidos através de denúncias realizadas entre os meses de março, abril e maio.


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