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ADPF 635: uma cruzada pela paz


Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil
Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

Por Railane Borges


Nós nunca tínhamos nos conhecido pessoalmente. Eu a acompanhava há anos com a admiração de uma amiga próxima. Foi durante as jornadas de 2013 que primeiro ouvi seu nome. Naqueles tempos a minha vida e a militância se misturavam como parte de uma mesma coisa.


Em uma das manifestações “Fora TEMER”, que despretensiosamente organizei com um conhecido em uma rede social, atingimos um número surreal de pessoas confirmadas. Mais de quinhentas mil. Foi quando percebi que tínhamos começado a discutir a falência do acordo firmado pela esquerda neoliberal e que nisso também convergíamos.


Em 2014, senti muito orgulho quando a vi montar um coletivo na favela onde mora. Eu também queria começar a pensar em associações livres de pessoas para impactar os arredores. A ideia era a organização em busca de autonomia (alimentar, pessoal, energética). Lendo a Buba, aprendi que algumas pessoas só queriam, em primeiro lugar, o direito de continuar vivendo. Respirando. Com o corpo intacto. Foi assim que comecei a compreender o privilégio branco e o impacto das incursões policiais constantes naqueles territórios.


Em 1976, ocorreu a primeira operação policial nas favelas. Até hoje, nenhuma delas trouxe fim a nenhum tipo de problema usado como argumento para invasões tão brutais. As drogas não acabaram. Nem o choro inconsolável de tantas mães, pais, filhos, irmãos e amigos de vítimas desse sistema.


Nós já sabemos que ele não funciona, sabemos que tem nos enganado com um teatro, que mascara sua ineficiência matando corpos matáveis, enquanto a violência escala a largos passos por todo o país através de grupos criminosos armados em sua conquista de territórios e cadeiras no poder estabelecido. E bandidos de toda sorte tirando proveito das pessoas, apenas pelo estado generalizado de impunidade (nas ruas e na internet, é preciso lembrar!).


Quando facções assumem cadeiras no Estado, deixam de ser poder paralelo e se tornam o poder constituído. É exatamente isso o que estamos assistindo agora.


Há uma conveniência revoltante na continuidade da abordagem da segurança pública que fabrica uma polícia repressora e ostensiva, que olha os destinatários do seu serviço como inimigos a serem combatidos.


A lógica de guerra imposta pela militarização da Polícia Militar (reserva do Exército), cujo trabalho determina que faça o primeiro contato com o público, é uma incoerência que precisamos debater com afinco.


Onze anos depois, eu e Buba nos encontramos no mesmo portão de embarque. É a quarta vez que visito Brasília na vida. Depois de uma turbulência desconfortável através de torres de nuvens densas, ao lado de uma pessoa dormindo tranquilamente, pousamos debaixo de um céu carregado para acompanhar o julgamento da ADPF 635.


Ela representando o coletivo, eu filmando esse momento singular para o meu próximo desafio audiovisual. Eu tinha dirigido um longa-metragem antes, mas nunca um documentário. Falar sobre o sistema de persecução penal brasileiro pode ser um tremendo desafio, mas é necessário que o façamos.


Em silêncio e atentos, com a câmera a postos, fomos acompanhando a chegada de diversos movimentos sociais. Foi na coletiva de imprensa que pela primeira vez tive vontade de chorar. Os relatos e falas foram perturbadores. A luta, imensa, estava representada de forma contundente.


Buba trouxe em sua fala o descaso da direita e da esquerda em tratar o tema. Contou sobre o recolhimento de corpos deixados pela polícia em áreas remotas de mata, que ela e outras mulheres muitas vezes faziam com as próprias mãos. O ar ficou difícil de respirar. O julgamento estava marcado para às 14h, então, depois da fala, fiquei de frente para o busto de Rubens Paiva, pensando como tudo isso podia ser tão explícito e na relação entre ele e aquelas mães. Todos vítimas de uma mesma violência. Que persiste. A violência de Estado. O único e verdadeiro culpado.


Depois do almoço, uma chuva repentina se armou. Eu e Matias, que estava operando a câmera, nos atrasamos cerca de vinte minutos para o início da plenária. E por isso não conseguimos entrar. Aguardávamos do lado de fora da fila com alguns alunos da Unb, militantes sociais e jornalistas, quando soube que o Bolsonaro estava a menos de 300 metros de nós. Ele fazia uma coletiva de imprensa depois de ser confirmado réu. De longe, ouvi um trompete próximo a um carro vermelho. Não reconheci a marcha fúnebre, mas depois soube que aquela cena entraria para a história. Viralizou em minutos.


Quando voltei da distração de novo, foquei na entrada do STF e fui surpreendida pela saída evasiva do prefeito do Rio de Janeiro, que negou conversa com alguém da fila que tentou chamá-lo. Foi o tempo de pensar como devia estar bonito lá dentro com as mães contra a violência presentes com tanta potência. Em poucos minutos, as pessoas começaram a sair pela porta. O julgamento tinha sido adiado. Os ministros tinham decidido por voto em consenso. Ou seja, se reuniriam fora dali e decidiriam a portas fechadas o mérito.


Gilmar foi o primeiro a sair corrido pela porta de trás. Mas eu vi. Ele não viu a dona Márcia sair de maca, desmaiada, tamanha a frustração de não sair de posse de alguma paz e justiça para seu luto. Ele com certeza não teve que encarar o choro sofrido da mãe de Johnatan e a revolta do pai da Kethlenn, jovem morta grávida pela Polícia em sua comunidade.


O Estado odeia as pessoas. Se alimenta apenas de si. Para si. O jogo de poder é realmente revoltante. Busquem se informar. Apoiem a ADPF das favelas. A vida e não a propriedade precisam ser a prioridade de qualquer governo.


Quando saímos dali, admirei a Buba ainda mais que antes. Ela vai voltar na quinta. Sei que vai. Eu reconheço na hora uma pessoa capaz de insistir. A Buba é uma das amigas que mais gosto de ter e ela nunca nem soube disso.


Serão dezesseis horas voltando de carro até o Rio de Janeiro para a próxima gravação. Cada pedacinho de cansaço valerá sempre a pena quando houver propósito no projeto realizado.


*Railane Borges é atriz e cineasta

4 則留言


rv_ferreira
4月02日

Admito que antes de poder chegar a esta sessão de comentários, tive que parar para tomar conhecimento da ADPF, algo que é de interesse de muitos que não seja tão exposta ao público.


Me lembrei da operação no Complexo do Alemão anos atrás. Nada mudou de lá para cá com exceção dos 19 mortos, onde ao menos 7 nada tinham com toda a situação e ainda assim não voltaram pra casa naquele dia. De lá pra cá a violência só aumentou, bem como a lista de vítimas e nada se resolveu. O texto demonstra uma realidade que deve mudar o quanto antes, para que talvez tenhamos uma chance de evoluirmos como sociedade.


Texto forte e direto ao ponto. Parabéns!

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Robson Silva
Robson Silva
4月01日

Como dizem, e é fato, a justiça só morde aqueles de pé descalço!!!!

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ricalia
3月30日

Comentar??? Estou engasgada!!! Preciso compartilhar!!! Orgulho danado de você!!!

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Sandro Araujo
Sandro Araujo
3月30日

Um texto forte e necessário. Há tanta mentira sendo dita… muitas meias verdades… muitos influenciadores mal intencionados.

Defender a continuidade da forma de atuar das polícias parece algo relacionado a uma enorme falta de cognição.

Uma certa “burrice” mesmo.

Pois não é possível a pessoa não conseguir ligar os pontos de um quebra-cabeça para crianças de 4 anos de idade.

Fazem a mesma coisa há 50 anos sem resultados efetivos. E agora dizem que é necessário continuar fazendo o que não funciona.

Sinceramente…

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