Aumento da pobreza: o Brasil tem fome e tem pressa
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Aumento da pobreza: o Brasil tem fome e tem pressa

Atualizado: 5 de abr. de 2021

Por Mehane Albuquerque


"Quem tem fome tem pressa". A frase de Betinho, marca registrada da ONG Ação pela Cidadania, fundada pelo sociólogo em 1993, tornou-se atual e necessária com o agravamento da pobreza e do desemprego na pandemia. De 2002 a 2013, a fome diminuiu em 82% no Brasil. A melhora na segurança alimentar da população brasileira fez com que a Organização das Nações Unidas excluísse o país do Mapa da Fome, em 2014. Porém, em 2018, antes mesmo da crise sanitária, o Brasil voltou a fazer parte da lista. Embora não existam dados atuais que reflitam os efeitos da Covid-19 sobre a alimentação das famílias, alguns indicadores mostram que a falta de comida é uma realidade em um número cada vez maior de lares.

O levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018, divulgada em setembro do ano passado — apontou que 10,3 milhões pessoas passavam fome no país naquele período. Ou seja, 5% dos brasileiros não tinham o que comer e 36,7% das famílias tiveram algum grau de insegurança alimentar.


Ainda de acordo com a pesquisa, metade das crianças menores de cinco anos morava em lares com algum grau de insegurança alimentar; mais da metade das famílias com insegurança alimentar grave era chefiada por mulheres; sendo que 1,3 milhão no Nordeste. Esses dados, porém, não correspondem mais à realidade, já que a Covid-19 elevou o patamar para níveis bem mais altos.


Para o ex-diretor geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano da Silva, o retorno do Brasil ao Mapa da Fome é inaceitável. Em nota conjunta com o Instituto Comida do Amanhã, divulgada ainda na ocasião da publicação dos dados do IBGE, em setembro de 2020 — ele ressaltou que, no meio rural, a situação era ainda mais grave: a fome já ultrapassava os 7%. José Graziano também ressaltou a vulnerabilidade presente em domicílios chefiados por negros e mulheres.


Embora não existam dados nacionais atualizados sobre a fome, que deem conta do impacto da pandemia sobre os que ficaram mais pobres, há pesquisas que revelam recortes e fornecem uma amostragem desse mesmo impacto em populações de baixa renda. É o caso do levantamento feito pelo Data Favela, uma parceria entre Instituto Locomotiva e a Central Única das Favelas (Cufa), em fevereiro passado.

Mulheres do G10 Favelas trabalham na distribuição de cestas básicas / Divulgação

Segundo apurou o Data Favela, entre os 16 milhões de brasileiros que moram em comunidades de baixa renda, 67% tiveram de cortar itens básicos do orçamento com o fim do auxílio emergencial, como comida e material de limpeza. Outros 68% afirmaram que, nos 15 dias anteriores à pesquisa, em ao menos um dia faltou dinheiro para comprar comida. Oito em cada 10 famílias disseram que não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas básicas durante os meses de pandemia se não tivessem recebido doações.


Outro fato registrado com preocupação pelos pesquisadores é que as doações se tornaram mais escassas com o agravamento da crise, somando-se à interrupção do auxílio emergencial e ao desemprego.


Um ajuda o outro


O presidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, exlicou que a escassez de doações ocorre em favelas por todo o Brasil. O G10 Favelas, grupo que reúne as 10 maiores comunidades do país, criou uma central de arrecadação para ajudar lares de baixa renda. Em Paraisópolis, por exemplo, no início da pandemia e auge das doações, eram entregues diariamente 10 mil marmitas. Hoje, são 700. Gilson chegou a receber 7 mil mensagens pedindo ajuda em um único dia.

Gilson Rodrigues, líder comunitário em Paraisópolis, SP / Foto: Alexandre Battibugli - Divulgação

Para driblar as dificuldades, os moradores de Paraisópolis se apoiaram na solidariedade e na ajuda mútua. Com a ausência do poder público, a própria favela elegeu presidentes de rua. Cada um cuida de 50 famílias. Segundo Gilson, a ação de cuidar uns dos outros na vizinhança tem gerado resultados mais contundentes que muitas políticas públicas. O G10 Favelas, inclusive, criou um site para explicar como levar o projeto de presidente de rua para a sua região.


"Na falta de um presidente para o país, temos um a cada 50 casas. Organizamos a sociedade para que ela tenha um papel real de transformação. Cada um desses presidentes acompanha de perto a situação dessas pessoas, as deficiências na saúde, alimentação. Damos protagonismo às pessoas e reaproximamos vizinhos", diz o líder comunitário.


Dessa forma, diz ele, as doações são distribuídas de maneira mais justa.


"Fizemos isso em 300 favelas de 14 Estados. Nossa intenção é salvar vidas. Produzimos mais de 1,4 milhão de máscaras, contratamos ambulâncias. Tudo graças ao protagonismo dos próprios moradores. O vizinho dos Jardins (área nobre de SP) também deve fazer isso. Conhecer quem mora na mansão do lado, estender as mãos para um irmão", afirmou.


Ação contra o Corona


Solidariedade é a palavra que move outras iniciativas contra o mesmo problema. Enfrentando os obstáculos e honrando a tradição, a ONG Ação pela Cidadania entrou mais uma vez em cena para empreender a campanha 'Ação contra o Corona'.


Valendo-se da experiência e da estrutura de outras campanhas, como o Natal sem Fome, que em 25 anos distribuiu 150 milhões de refeições para 20 milhões de brasileiros, Rodrigo Fernandes Afonso e Daniel Souza — respectivamente diretor-executivo e presidente do conselho da ONG e filhos de Carlos Afonso e Betinho, criadores da iniciativa — se mobilizaram a partir de uma rede extremamente capilarizada e que se espalha pelas 27 unidades da federação.


Até meados de novembro, a Ação contra o Corona tinha arrecadado R$ 30 milhões, o que permitiu comprar quase 8.000 toneladas de alimentos. A tarefa de distribuir os alimentos arrecadados pela ONG são dos comitês, através de lideranças locais cuja chefia é exercida em 70% dos casos por mulheres negras. Eles organizam as cestas e decidem, com total autonomia, quem vai recebê-las. Só no RJ são mais de 300 desses comitês. Pelo Brasil, mais de mil.

Foto: CUFA / Divulgação

A campanha contra a fome atua, sem interrupção, desde o início da pandemia para distribuir as doações. De março a setembro, foram entregues 150 toneladas de alimentos aos comitês locais a cada semana. Parcerias com o Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP) — Prêmio Nobel da Paz — e com a FAO ajudaram a estruturar ainda mais o programa da ONG. Em 2020, os principais doadores foram iFood, PagSeguro/UOL, Universo Americanas, Camil, Mastercard, General Mills, CBF, com apoio da B2W/Ame Digital na formatação da captação.


Articulações com a CNBB, Unicef, Acnur (órgão da ONU que se ocupa de refugiados), Fiocruz e Sesc Mesa Brasil, que trabalham na ponta da cadeia, fazem com que os alimentos cheguem com mais facilidade e rapidez a seus destinos, em especial às comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas. Tribos pataxós, no sul da Bahia, por exemplo, estão entre os beneficiários da Ação contra o Corona.

Ação contra o Corona / Divulgação

Com o agravamento da pandemia, porém, os empreendedores sociais do Ação pela Cidadania sabem que 2021 será um ano bem mais difícil, principalmente levando em conta os últimos dados divulgados pelo IBGE. Com o fim do auxílio emergencial, Rodrigo e Daniel estimam que cerca de 67 milhões de famílias serão atingidas, mas afirmam que não vão parar.


Até o momento, a campanha Ação contra o Corona beneficiou 2 milhões de pessoas impactadas pela fome, com R$ 30 milhões em recursos mobilizados. Foram distribuídos 32 milhões de pratos de comida, 8.000 toneladas de alimentos, através de mais de mil comitês de escoamento espalhados pelo país.


Empresas diminuem doações


Paula Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), reforça que houve queda nas doações, especialmente por parte das empresas. No início da pandemia, quando se imaginava que a crise passaria logo, houve um engajamento maior, segundo ela. Porém, com o aumento da crise econômica, sem saber quando a população estará totalmente imunizada, as empresas que foram o grande motor de doações agora estão cautelosas, mais preocupadas com a própria saúde financeira e com os funcionários.


Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

O auge das doações, de acordo com Paula Fabiani, ocorreu nos meses de abril, maio e junho de 2020. O monitor das doações de covid-19, balanço feito pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos, mostra que nesse período as empresas chegaram a doar em média R$ 58 milhões por dia. O valor caiu para R$ 6 milhões de julho a setembro e para R$ 2 milhões de outubro a dezembro. A média de janeiro a março de 2021 é de cerca de R$ 800 mil.


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