Bolsonaro a repórter: "Vontade que tenho é encher sua boca de porrada"

O presidente Jair Bolsonaro perdeu mais uma vez a compostura exigida a um Chefe de Estado. Perguntado por um repórter do jornal O Globo sobre os depósitos no valor total de R$ 89 mil recebidos pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, do ex-assessor Fabrício Queiroz, Bolsonaro reagiu com violência e ameaçou o jornalista: "A vontade que eu tenho é de encher a sua boca de porrada", disparou, irritado, quando saía de uma visita à Catedral de Brasília neste domingo (23).
A repercussão foi imediata e a descompostura do presidente da República foi condenada por diversas entidades representativas de jornalistas e da sociedade. Nas redes sociais viralizou a pergunta "Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?".
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) disse que "o presidente Jair Bolsonaro coleciona um histórico absolutamente intolerável de ataques verbais, xingamentos e todo tipo de desrespeito ao trabalho da imprensa", mas com o episódio deste domingo (23) "ele conseguiu subir de patamar".
"Ameaça é crime previsto no artigo 147 do Código Penal. Vindo de um presidente da República, que recebeu a incumbência e ainda fez o juramento de zelar pelo respeito à Constituição e às leis do país, torna-se um crime ainda mais grave. Até quando as instituições do país vão seguir fazendo vista grossa para um sem número de barbaridades e violações legais cometidas por este sujeito?", afirmou a instituição.
A Fenaj disse ainda que "estudará medidas judiciais cabíveis contra o presidente da República por este crime".
O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Paulo Jeronimo, afirmou que Bolsonaro "choca o país" e manifestou solidariedade ao jornalista. "Tal comportamento mostra não apenas uma inaceitável falta de educação. É, também, uma tentativa de intimidação da imprensa, buscando impedir questionamentos incômodos. A ABI se solidariza com o profissional atingido e reafirma que a pergunta feita ao presidente era pertinente e de interesse público. Por fim, lembra ao primeiro mandatário do país que o cargo que ocupa exige maior decoro", afirmou.
Em nota conjunta, as entidades Abraji (Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos), Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB e Repórteres sem Fronteiras "condenam mais um episódio violento protagonizado por Jair Bolsonaro, cuja reação, ao ouvir uma pergunta incisiva, foi não apenas incompatível com sua posição no mais alto cargo da República, mas até mesmo com as regras de convivência em uma sociedade democrática. Um presidente ameaçar ou agredir fisicamente um jornalista é próprio de ditaduras, não de democracias".
A nota critica ainda que as ações de hostilidade de Bolsonaro contra a imprensa têm incentivado seus apoiadores a replicar essas agressões. "O discurso hostil e intimidatório de Bolsonaro contra a imprensa vem incentivando sua militância a assediar jornalistas nas redes sociais nos últimos meses, inclusive com ameaças de morte e agressões aos profissionais e a seus familiares. Em pelo menos dois casos, um em Minas Gerais e outro em Brasília, este último no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (03.mai.2020), apoiadores do presidente agrediram repórteres que estavam no desempenho de suas funções. A frase "minha vontade é encher tua boca com uma porrada" pode ser entendida como uma legitimação do cometimento de crimes como esses", dizem na nota.
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, também se manifestou. "O presidente vinha muito bem nas últimas semanas. Com sua moderação, vinha contribuindo para a pacificação do debate público. Lamentável ver a volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas. Nossa solidariedade ao jornalista ofendido e ao jornal que o emprega", disse.
O jornal O Globo repudiou a agressão e lembrou que o presidente tem o dever de prestar contas à população.
"O GLOBO repudia a agressão do presidente Jair Bolsonaro a um repórter do jornal que apenas exercia sua função, de forma totalmente profissional, neste domingo.
Em cobertura de compromisso público do presidente, o repórter solicitou que ele se pronunciasse sobre reportagens da revista Crusoé e do jornal Folha de S.Paulo que, no início deste mês, informaram que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro Fabrício Queiroz e a mulher dele depositaram cheques no valor de R$ 89 mil na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Anteriormente, o presidente havia prestado uma informação diferente sobre os valores.
Bolsonaro, então, em manifestação que foi gravada, não respondeu à pergunta e afirmou a vontade de agredir fisicamente o repórter.
Tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população.
Durante os governos de todos os presidentes, o Globo não se furtou a fazer as perguntas necessárias para cumprir o papel maior da imprensa, que é informar os cidadãos. E continuará a fazer as perguntas que precisarem ser feitas, neste e em todos os governos".