Bolsonaro usa moeda da velha política em seu favor

O governo de Jair Bolsonaro segue rumo dos programas sociais e se afasta do discurso liberal com o qual se elegeu. Sobre esse assunto, a Sputnik Brasil ouviu uma assistente social, professora da UFF, que aponta objetivos políticos de Bolsonaro e disputa em curso sobre os projetos.
Eleito ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, com um discurso liberal focado na austeridade fiscal e na diminuição do Estado, o governo do presidente Jair Bolsonaro pode estar mudando sua estratégia. Entre os exemplos dessa postura, o governo implementou o 13º pagamento no Bolsa Família [apenas em 2019, por enquanto], anunciou a criação do programa Renda Brasil e prepara um novo programa habitacional.
Mesmo tendo sido inicialmente contra o valor do auxílio emergencial de R$ 600,00 aprovado no Congresso Nacional, o governo Bolsonaro [que queria que fosse R$ 200] agora se empenha em estender o direito no tempo, mesmo estando em curso de diminuir os valores dos pagamentos. Segundo circula na imprensa brasileira, Bolsonaro pretende substituir o Bolsa Família por um programa próprio [o Renda Brasil, que eliminaria programas como Farmácia Popular, Abono Salarial, Salário Família, entre outros], que, por sua vez, encamparia as funções do auxílio emergencial.
Mônica Senna, professora da Faculdade de Assistência Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), recorda que antes da pandemia o governo não tinha preocupações com a área social. Senna justifica sua visão e remete a episódios como o que classifica de "desmantelamento" do Ministério do Trabalho e a reforma da Previdência, além da ainda viva proposta da carteira de trabalho Verde Amarela.
"Esse conjunto de aspectos acaba sendo bastante revelador para a gente dessa não preocupação [de Bolsonaro] com a questão social. E mesmo durante a vigência da pandemia a gente pode lembrar que nos primeiros meses não houve nenhuma medida voltada para a área social", afirma a professora da UFF em entrevista à Sputnik Brasil.
Senna também aponta que a implementação do auxílio emergencial teria vindo a contragosto do governo, mas que o impacto positivo da medida tem garantido ganhos políticos ao governo Bolsonaro e mudado sua visão.
"Vários estudos têm demonstrado a capacidade dessa renda emergencial ter impedido ou tirado um contingente importante da população brasileira dos níveis de miséria absoluta. Então tem seu valor, com certeza. Mas isso tem certamente muito a ver com a perspectiva dos ganhos eleitorais que essa medida tem trazido para o governo. Isso sem dúvida nenhuma é um aspecto que a gente precisa levar em consideração", afirma.
Objetivos eleitorais
Para a professora, "não restam dúvidas" de que Bolsonaro tem se inclinado em direção à criação de programas sociais com objetivos eleitorais, o que se intensificou com o aumento recente de sua popularidade, atribuído justamente ao emprego do auxílio emergencial.
"Diferente de uma ideia de nova política, a velha, antiquíssima política no Brasil tem usado os programas sociais como uma moeda de troca importante no jogo eleitoral, e parece que a tendência do presidente Jair Bolsonaro é de usar essa moeda em seu favor nesse momento sim", aponta.
Senna reforça ainda que a implementação de programas sociais contrasta com a visão política vendida e exercida pelo governo até então, que mantinha um discurso sobre a diminuição do papel do Estado.
"Uma das marcas principais do governo Jair Bolsonaro tem sido mais que um liberalismo, eu diria que um ultraliberalismo, a defesa de um Estado ultra mínimo, que se limita quase que exclusivamente ao monopólio do uso da força – para o social, absolutamente nada", diz.
Disputa política sobre medidas sociais
Para a assistente social esse contexto aponta para uma disputa sobre a narrativa em torno das políticas sociais a serem implementadas, incluindo a ideia de uma renda básica, principalmente a partir das visões dentro do Congresso Nacional.
"Esse é um campo de disputa, você tem desde aqueles que vão defender o auxílio emergencial como sendo a única medida social e ponto final - a renda básica como a única medida assistencial e cada um vá para o mercado para comprar os serviços dos quais necessita. E há uma outra perspectiva [...] que embora reconheça a importância dessa renda básica, [acredita] que ela deve estar acompanhada de uma série de medidas estatais", avalia.
Para Senna, essa segunda perspectiva defende que a implementação de medidas sociais como a renda básica deve estar acompanhada de investimentos também em áreas como a Saúde e a Educação, que, para ela, mostraram durante a pandemia que precisam receber investimentos.
Presidente Jair Bolsonaro observa o ministro da Economia Paulo Guedes, durante lançamento de programa de acesso ao crédito, em Brasília, 19 de agosto de 2020
A professora ressalta ainda que a seguridade social está sendo ameaçada pela manutenção da Emenda Constitucional nº 95, o chamado "teto de gastos", e destaca que mesmo em um contexto de dificuldades econômicas, o Brasil terá que fazer escolhas políticas sobre como alocará seus recursos e quais são suas prioridades.
"A decisão sobre a alocação dos recursos existentes é uma decisão política. Então sem dúvida nenhuma a definição de como o orçamento [do Estado] vai ser empregado passa por uma decisão que é política. Passa por uma decisão de em que país nós queremos viver no pós-pandemia", afirma.