Bolsonaro veta obrigação do governo dar água potável a indígenas
O presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos a lei que prevê medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia de coronavírus. O Poder Executivo barrou 16 dispositivos da norma. Entre eles, os pontos que previam o acesso das aldeias a água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos. A Lei 14.021, de 2020, foi publicada na edição do Diário Oficial da União desta quarta-feira (8)
Os vetos foram duramente criticados pela oposição. Segundo o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), a justificativa da maioria dos vetos, de que as medidas criam despesas obrigatórias ao Poder Público é falaciosa. "Criamos um orçamento de guerra. O que tem aí é toda uma carga de racismo", disse. “É genocídio”, afirmou o deputado em entrevista ao Fórum Café. E completou: “Essa é a intenção de todos esses vetos do presidente da República”, disse o deputado maranhense, que é membro da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, lembrando que o projeto foi amplamente debatido e aprovado na Cãmara.
O texto cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, com medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção de contágio e disseminação da doença. Além das aldeias isoladas ou de recente contato, a lei se aplica a indivíduos que vivem fora das terras demarcadas e a povos indígenas de outros países que se encontram no Brasil em situação de migração provisória.
Também podem ser beneficiados quilombolas que estejam dentro ou fora das comunidades, pescadores artesanais e demais povos tradicionais. Todos são considerados “grupos em situação de extrema vulnerabilidade” e “de alto risco”. O Plano Emergencial tem como objetivo assegurar o acesso dessas comunidades a prevenção, tratamento e recuperação. De acordo com o texto, a União tem a função de coordenar as ações desenvolvidas nos estados, no Distrito Federal e nos municípios, com a participação efetiva dos povos indígenas.
O texto aprovado em junho pelo Legislativo (Projeto de Lei 1.142/2020) previa o acesso das comunidades a uma lista de serviços a serem prestados “com urgência e de forma gratuita e periódica” pelo poder público. O presidente Jair Bolsonaro vetou seis deles: acesso universal a água potável; distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção de superfícies; oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva (UTI); aquisição de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea; distribuição de materiais informativos sobre a covid-19; e pontos de internet nas aldeias.
A lei sancionada assegura participação de equipes multiprofissionais de saúde indígena treinadas; acesso a testes, medicamentos e equipamentos médicos; acompanhamento diferenciado de casos que envolvam indígenas; contratação emergencial de profissionais de saúde; e oferta de ambulâncias para transporte fluvial, terrestre ou aéreo. O texto também prevê construção emergencial de hospitais de campanha; transparência dos planos de contingência; elaboração de planos emergenciais; protocolo de controle sanitário para ingresso a terras indígenas; adequação das Casas de Apoio à Saúde Indígena para isolamento de casos suspeitos ou confirmados; e construção de casas de campanha para isolamento.
O projeto aprovado pelo Congresso previa uma “dotação orçamentária emergencial” específica para garantir a saúde indígena. Mas o presidente Jair Bolsonaro vetou o dispositivo, que determinava ainda a abertura de créditos extraordinários e o repasse do dinheiro a estados, Distrito Federal e municípios.
De acordo com a Lei 14.021, de 2020, o atendimento dos indígenas que moram fora das terras demarcadas deve ser feito diretamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), “respeitadas as especificidades culturais e sociais dos povos”. Nesse caso, os pacientes devem apresentar “comprovação documental”, como o Registro Administrativo de Nascimento do Indígena (Rani) ou a certidão de nascimento com identificação étnica.
Segurança alimentar
A lei traz um capítulo específico sobre segurança alimentar e nutricional para aldeias indígenas, comunidades quilombolas, pescadores artesanais e demais povos tradicionais durante a pandemia. Mas o presidente Jair Bolsonaro vetou o parágrafo que obrigava a União a distribuir alimentos diretamente às famílias “na forma de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas”. O Poder Executivo manteve o dispositivo que prevê a distribuição de remédios e itens de proteção individual.
De acordo com o texto, a União deve assegurar suporte técnico e financeiro à produção e ao escoamento dos bens originários das comunidades tradicionais. O apoio pode ser dar “por meio da aquisição direta de alimentos no âmbito dos programas da agricultura familiar”.
A lei sancionada também simplifica as “exigências documentais” para acesso a políticas públicas e programas de segurança alimentar. O texto dispensa, por exemplo, o aval dos órgãos de vigilância animal e sanitária nos processos de compra pública, doação e alimentação escolar para mercadorias adquiridas e consumidas na mesma terra indígena. A norma também dispensa o chamamento público se houver só uma pessoa jurídica na terra indígena para fornecer os produtos.
As pessoas físicas indígenas que não possuem a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) podem apresentar documentos simplificados emitidos pelo órgão indigenista oficial. Mas Jair Bolsonaro vetou a criação de um programa específico de crédito para os povos indígenas e a inclusão de comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares no Programa Nacional de Reforma Agrária.
Povos isolados
A Lei 14.021, de 2020, também trata da situação dos povos indígenas isolados ou de recente contato. Só será permitida aproximação para prevenção e combate à pandemia “em caso de risco iminente e em caráter excepcional”. O texto prevê quarentena obrigatória para todas as pessoas autorizadas a interagir com povos indígenas de recente contato; suspensão de atividades próximas às áreas de ocupação de indígenas isolados; e oferta imediata de testes e equipamentos de proteção individual para os distritos sanitários que atuam junto a povos isolados.
O presidente da República vetou dois dispositivos que davam prazo de dez dias para a elaboração de um plano de contingência para cada situação de contato com povos isolados. O Palácio do Planalto também barrou a elaboração de um plano de contingência para lidar com surtos e epidemias verificadas nas áreas.
O texto proíbe “o ingresso de terceiros” em áreas com a presença confirmada de indígenas isolados. Fica liberado apenas o acesso “de pessoas autorizadas pelo órgão indigenista federal”, mas apenas “na hipótese de epidemia ou de calamidade que coloque em risco a integridade física dos indígenas isolados”. Missões religiosas já em atuação só podem permanecer com o aval do médico responsável.
Quilombolas e pescadores
O projeto aprovado pelo Congresso estendia a quilombolas, pescadores artesanais e demais povos tradicionais todas as medidas previstas para as comunidades indígenas no Plano Emergencial. Mas o presidente Jair Bolsonaro vetou esse dispositivo. De acordo com a lei sancionada, serão desenvolvidas ações emergenciais como proteção territorial e sanitária; ampliação dos quadros de profissionais da saúde; testagem rápida para os casos suspeitos; e notificação compulsória dos casos confirmados.
O Palácio do Planalto barrou o ponto que obrigava a União a pagar sozinha pelos serviços previstos na lei. De acordo com o texto, podem ser firmados convênios com estados, Distrito Federal e municípios para a execução das medidas.
Foi vetado também o artigo que previa um mecanismo de financiamento específico para governos estaduais e prefeituras. De acordo com o projeto original, o governo federal deveria assegurar um “aporte adicional de recursos não previstos” e a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais para atendimento dos pacientes graves das secretarias municipais e estaduais.
Com Agência Senado
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