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Brasil e Índia ascendem como contraponto às grandes potências

Brasil e Índia completam neste mês 76 anos de relações diplomáticas. Parceiros no BRICS, os dois países hoje são atores importantes do Sul Global. A Índia é um dos maiores parceiros do Brasil na Ásia. Somente em 2022, o fluxo comercial entre os países atingiu um recorde de US$ 15,2 bilhões (cerca de R$ 77 bilhões), um aumento de 31,4% em relação ao ano anterior.

Mas ainda há margem para aprofundar essa parceria e um grande potencial a ser explorado. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas apontam como o Brasil e a Índia podem expandir a parceria e quais as principais áreas de cooperação entre os países.


Florência Costa, jornalista, escritora e ex-correspondente na Índia, destaca que "os dois países são complementares na recomposição de uma nova ordem global de produção", que se configura no mundo após a pandemia e a eclosão dos conflitos atualmente vigentes.


Ela lembra a recente visita de Natarajan Chandrasekaran, CEO do Grupo Tata, conglomerado industrial indiano que veio ao Brasil em março para se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília.


"Eles tiveram uma conversa no sentido de ampliar o intercâmbio de pessoas entre os dois países. Essa visita foi muito importante, porque o Grupo Tata é um conglomerado de empresas indianas, multinacionais, que vai desde química até os setores de agronegócio e automotivo. Todas as empresas do Grupo Tata equivalem a três vezes o valor da Petrobras. Então esse empresário indiano destacou algumas áreas para a expansão [de parceria nos setores de] defesa, inteligência artificial, transição energética."


Ela destaca que o Brasil e a Índia "clamam pela ampliação de seus papéis nos organismos de governança internacionais", e cita como exemplo a demanda do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), e o Grupo Basic, que atua na área de desenvolvimento sustentável e reúne Brasil, África do Sul, Índia e China, todos também parceiros no BRICS.


"Muita gente sabe, mas uma curiosidade é que na independência da Índia, em 1947, o Brasil foi o primeiro país latino-americano a reconhecer essa independência. E em 2006, durante o governo Lula, teve um marco muito importante [nas relações], que foi o estabelecimento da parceria estratégica. A partir daí, houve uma consolidação do relacionamento bilateral, que agora a gente vê com mais clareza. Por exemplo, o ministro das Relações Exteriores atual, Mauro Vieira, destacou que a sintonia do diálogo entre os dois países durante esse tempo se manifestou não só nas participações comerciais, mas também nos fóruns internacionais."


Atualmente, Brasil e Índia têm governos com correntes políticas distintas, sendo um gerido por um governo de esquerda e outro de direita. Questionada se as diferentes vertentes poderiam afetar as relações, Florência sublinha que os laços entre os governos da Índia e do Brasil são baseados no pragmatismo. Portanto, a relação não é afetada por valores ideológicos.


"Eu não acredito que nem o primeiro-ministro [da Índia] Narendra Modi nem o presidente Lula tenham qualquer problema por conta de ideologias. A Índia e o Brasil enxergam um ao outro como pontes para construir relações de suas vizinhanças. A Índia vê o Brasil como a porta de uma ponte para a América Latina e o Brasil enxerga a Índia como uma ponte para a Ásia", explica a especialista.


"Para se ter uma ideia, no ano passado, o presidente Lula se encontrou com Modi três vezes. Primeiro foi na cúpula do G7, em Hiroshima, em maio, que é a cúpula dos países mais industrializados do mundo. Depois foi na cúpula do BRICS, em agosto, em Joanesburgo. Depois foi na cúpula do G20, em Nova Deli", complementa.


Qual a principal pauta em comum entre Brasil e Índia?


Florência explica que a agenda econômica sempre foi a base das relações entre o Brasil e a Índia, e que hoje essa pauta se dá principalmente na busca pelo desenvolvimento sustentável, que ela afirma ser muito importante para ambos.


"Os dois países trabalham nas esferas internacionais conjuntamente, a fim de pressionar os países ricos a liberarem recursos para os países em desenvolvimento para poderem desenvolver essa nova economia sustentável. Não é fácil."


Por sua vez, João Nicolini, doutor em ciência política pela Universidade de Louvain, na Bélgica, afirma que a principal agenda em comum entre os países é a reforma na governança global.


"São dois países que, ao meu ver, estão no mesmo território das relações internacionais, no campo das potências emergentes, que convergem em muitos temas, divergem também em outros, mas que buscam soluções para as relações internacionais, o sistema internacional, de uma maneira às vezes muito similar. Entendem que merecem espaço maior, entendem que as relações internacionais, da maneira como está a governança global, o sistema ONU [Organização das Nações Unidas], já está um pouco ultrapassada", afirma o especialista.


Nesse contexto, ele ressalta que apesar dos 76 anos de relação entre os países, houve uma aproximação muito grande nos últimos 20 anos, o que engloba também a troca cultural, com o Brasil aumentando o consumo de filmes indianos e a Índia aumentando o interesse pelo futebol brasileiro.


"Então, hoje, a gente tem muitos motivos para celebrar esses marcos diplomáticos, culturais, sociais e políticos, […] e a gente tem visto uma aproximação desses dois países, no ramo do BRICS, no campo de convergência de tecnologias."


Parceria tecnológica como forma de se contrapor às grandes potências

Nicolini diz que a parceria entre Índia e Brasil nos setores da pecuária e agrícola sempre foi importante, mas agora o setor tecnológico ganhou espaço nas relações.


"O Brasil sempre teve uma tentativa de parceria tecnológica muito forte com a Índia. A Índia é um país que desenvolve a tecnologia de forma autônoma e de forma a contrapor-se às grandes potências", afirma Nicolini.


"A Índia sempre tentou fazer de forma autônoma e se contrapor às regras, por exemplo, de submissão a alguns marcos jurídicos."


"Por exemplo, no campo da energia nuclear, a Índia sempre peitou as grandes potências para desenvolver uma indústria nuclear capaz de produzir reatores. O Brasil tem esse interesse em se aproximar da Índia [nesse sentido]. Brasil e Índia sempre foram países que tiveram intenção no ramo nuclear", acrescenta.


Ela destaca ainda que além dos campos nuclear e tecnológico, também há uma grande parceria entre os países no campo militar, voltada para o mercado de defesa.


"Uma parceria entre ambos, sempre no campo do mercado de defesa, que já vem se consolidando. As indústrias brasileiras tentam entrar no mercado indiano. A Índia tem aumentado seus investimentos no Brasil nos últimos anos, principalmente por conta de sua indústria tecnológica, mas também por conta de outros serviços", conclui o especialista.


Fonte: Sputnik


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