Caos na educação de São Gonçalo
·Mais da metade dos jovens são analfabetos
·Cidade está entre as piores do RJ no Ideb
·Professores em permanente estado de greve
·Professor Henrique Porto defende remuneração justa para os educadores
O prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson (PL), candidato à reeleição, não fez o dever de casa e foi reprovado pela Educação da própria cidade que administra. A rede de ensino do segundo maior município do Estado do Rio em população já viveu dias melhores, quando chegou a ter 44 Centros Integrados de Educação Pública, os Cieps, modelo de educação integral que este ano completa 40 anos desde a sua idealização por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Enquanto os professores reivindicam o pagamento do piso salarial nacional e o sindicato da categoria (Sepe-SG) promove atos de protesto e paralisações, as notas abaixo da meta obtidas no Ideb 2023 — o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, avaliado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) — e a informação do MEC de que mais da metade dos jovens gonçalenses são analfabetos, reforçam que ainda há muito a ser feito para oferecer um ensino de qualidade.

Os professores municipais estão em estado de greve desde julho. O Sepe-SG defende, além do pagamento do piso nacional aos profissionais da Educação, o cumprimento do chamado 1/3 extraclasse (referente ao trabalho fora da escola, como a elaboração dos planos de aula e correção das tarefas dos alunos, entre outros). No dia 21 de agosto, os profissionais da Educação fizeram mais um ato pacífico — um dos vários nos últimos meses — nas escadarias da Prefeitura, denunciando péssimas condições de trabalho, sucateamento da rede, falta de diálogo e de investimento. O protesto recebeu apoio da população que passava pelo local.
Prefeitura sem respostas
Logo no início da gestão do Capitão Nelson houve a primeira crise, que resultou na saída da secretária de Educação, a professora Lícia Damasceno, que convocou professores e funcionários para aulas presenciais em plena pandemia, sem que eles estivessem vacinados. Os professores, então, fizeram uma 'Greve pela Vida'.
Lícia também foi duramente criticada pelo atraso na entrega de kits de alimentação aos alunos em quarentena e por não atender o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) de reajuste salarial dos profissionais de educação, assinado entre a Prefeitura de São Gonçalo e o Ministério Público (MPRJ) em 2018 e até hoje não cumprido, apesar da previsão de multas.

O escolhido para substituir Lícia foi o então subsecretário executivo da pasta, advogado e servidor público Maurício Nascimento, que já havia ocupado o cargo anteriormente, no governo do ex-prefeito José Luiz Nanci. A troca de titular, no entanto, não trouxe benefício para os professores. Em 2022, a categoria entrou em greve novamente por melhoria salarial e o Capitão Nelson acabou sancionando um aumento de 21,79% para todo o funcionalismo municipal, aprovado pela Câmara. Apesar disso, os professores continuram com salários abaixo do piso nacional, que é de R$ 4.580,00.
"O Prefeito nunca nos recebeu para tratar do assunto. Tivemos várias reuniões com o secretário de Educação, mas nunca chegamos a um consenso. A última reunião aconteceu no dia 21 de agosto e a resposta foi a mesma: 'não há perspectiva de pagamento do piso'", conta José Ricardo Vidal Dias, coordenador geral do Sepe-SG, acrescentando que a categoria se prepara para mais uma greve de 24 horas, marcada para o dia 5 de setembro, com nova manifestação na escadaria da Prefeitura.
O jornal TODA PALAVRA questionou o secretário Maurício Nascimento sobre as reivindicações dos professores, mas as perguntas do jornal não foram respondidas. Em nota, a Prefeitura afirmou apenas que "a atual gestão realizou dois concursos para profissionais da Educação, convocando mais de 2 mil profissionais, sendo o último concurso ainda vigente, tendo previsão de contratação de mais profissionais". E ressaltou que essa é "a maior contratação da história do município".
"Não adianta contratar professores e ampliar equipamentos, se não tiver um bom projeto pedagógico e se não investir na formação de professores", observa Priscila Cruz, presidente executiva da ONG Todos pela Educação.
"A gestão atual destruiu completamente o plano de cargos e salários. A Prefeitura achata o plano de carreira para impedir a melhoria salarial. Não é por falta de recursos, pois o município não investe a totalidade dos 25% da arrecadação dos impostos em educação, conforme determina a lei, e não há transparência no uso dessa verba", afirma ela, citando que além da baixa remuneração, o auxílio transporte há cinco anos não tem reajuste e a Prefeitura também não paga auxílio alimentação.
Abaixo da meta no Ideb
As consequências do descaso da gestão municipal com a Educação se refletem nas notas do Ideb 2023. Entre os municípios da Região Metropolitana do Estado, Sâo Gonçalo ficou entre os piores, juntamente com Japeri e Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Em comparação com o índice anterior, de 2021, o município teve queda nas notas do Ensino Fundamental nos anos iniciais (1º ao 5º) e nos anos finais (6º ao 9º). Nos anos inciais, São Gonçalo caiu de 5,2 em 2021, para 4,5 em 2023, quando a meta a ser atingida era de 6,0. E nos anos finais, passou de 4,2 para 3,9, abaixo da meta de 5,0. O Ideb é divulgado pelo Inep a cada dois anos.
O caos da Educação no município reflete diretamente na deficiência de formação dos jovens gonçalenses. Segundo o relatório de 2023 do programa ‘Criança Alfabetizada’, do Ministério da Educação, apenas 45,7% dos jovens de São Gonçalo são alfabetizados. Ou seja, mais da metade não sabe ler e escrever. A meta projetada pelo programa para este ano é de 51,23%.

Henrique Porto defende remuneração justa para os educadores
Na opinião de Henrique Porto, professor da rede municipal há 35 anos e candidato a vereador pelo PDT com apoio de grande parte da categoria, a questão vai além dos problemas destacados pelo Sepe-SG. Defensor aguerrido do ensino em horário integral nos moldes dos Cieps, ele diz que sem um plano de cargos e salários não há como remunerar de forma justa os profissionais de educação e acabar com as disparidades.

"É necessário pagar o piso nacional para todos os professores da rede e, ao mesmo tempo, retomar o plano de cargos e salários. A baixa remuneração e também a falta de formação continuada dos professores acabam desestimulando os servidores e impactando a qualidade do ensino", avalia Henrique Porto, que já foi vereador na cidade, secretário Executivo da Prefeitura e secretário municipal do Trabalho.
"Os resultados do Ideb refletem a falta de investimentos adequados na infraestrutura das unidades escolares, os baixos salários dos professores, a falta de projetos para a formação continuada e, por fim, a gestão não democrática das escolas, com pouca participação de pais e responsáveis, que são os maiores interessados em uma boa formação para seus filhos", avalia o professor Henrique Porto.
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