Censura contra a mídia bate recorde em Israel
- Da Redação
- 8 de mai.
- 5 min de leitura
Por Haggai Matar*
Em 2024, a censura militar em Israel atingiu os níveis mais extremos desde que a revista +972 Magazine começou a coletar dados em 2011. Ao longo do ano, os censores proibiram totalmente a publicação de 1.635 artigos e censuraram parcialmente outros 6.265. Em média, a censura interveio em cerca de 21 reportagens por dia no ano passado — mais que o dobro do pico anterior (cerca de 10 intervenções diárias registradas durante a última guerra em Gaza em 2014, a Operação Margem Protetora) e mais que o triplo da média em tempos de paz (6,2 por dia).

Esses números foram fornecidos pela censura militar em resposta a um pedido conjunto da +972 Magazine e do Movimento pela Liberdade de Informação em Israel, antes do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Embora os censores militares não divulguem os motivos por trás de cada intervenção, a guerra de destruição em curso em Gaza, assim como os conflitos de Israel no Líbano, Síria, Iêmen e Irã, são as prováveis causas por trás desse aumento recorde na censura.
A escalada se reflete não apenas no volume de atividades da censura, mas também na maior taxa de rejeição de materiais submetidos e no aumento de proibições totais (em vez de edições parciais).
De acordo com a lei israelense, qualquer artigo que trate da ampla categoria de “questões de segurança” deve passar por revisão da censura militar, e as redações são responsáveis por decidir o que enviar com base em seu próprio julgamento.
Quando o censor intervém, os veículos de comunicação são proibidos de indicar que houve censura, o que significa que a maioria de suas ações permanece oculta do público. Nenhuma outra auto-intitulada “democracia ocidental” possui uma instituição comparável.

Vale ressaltar que, sob essa lei, a +972 Magazine é legalmente obrigada a submeter materiais para revisão.
“O público merece saber o que foi escondido”
Em 2024, organizações de notícias israelenses enviaram 20.770 itens aos censores militares — quase o dobro do total do ano anterior e quatro vezes o número de 2022. O censor interveio em 38% desses casos, sete pontos percentuais acima do pico anterior (2023). As proibições totais de artigos representaram 20% de todas as intervenções, ante 18% em 2023. Nos anos anteriores, a média era de “apenas” 11%.
No domingo (28/04), o veículo israelense i24 informou que o chefe da Censura Militar, Brigadeiro-General Kobi Mandelblit, pediu ao Procurador-Geral que investigasse jornalistas israelenses que supostamente burlaram a lei de censura ao compartilhar informações restritas com a mídia estrangeira. O Procurador-Geral rejeitou o pedido.
O censor militar não é obrigado por lei a responder a pedidos de Liberdade de Informação, mas forneceu voluntariamente os dados acima. No entanto, recusou-se a divulgar informações adicionais, incluindo: dados mensais, por veículo de comunicação e por motivo de intervenção; detalhes sobre casos em que ordenou a remoção de conteúdo não submetido previamente à censura; registros de processos administrativos ou criminais por violações de censura (até onde se sabe, nenhuma ação desse tipo foi tomada até agora).
Além disso, enquanto antes os censores forneciam dados sobre censura em livros (geralmente obras de ex-membros do aparato de segurança), agora retém essas informações. Na última década, também passou a revisar e intervir em publicações online dos Arquivos do Estado. Em alguns casos, até bloqueou a divulgação de documentos já liberados por especialistas em segurança e anteriormente acessíveis ao público. Essa prática de “reocultação” tem enfrentado duras críticas.
Em 2024, os Arquivos do Estado submeteram 2.436 documentos aos censores. Embora a censura afirme que a “grande maioria” foi aprovada sem alterações, se recusa a dizer quantos foram “reocultados” do público.

Or Sadan, advogado do Movimento pela Liberdade de Informação e diretor da Clínica de Liberdade de Informação do College of Management Academic Studies, disse à +972 que, embora não estivesse surpreso com o aumento da censura, esperava que “a divulgação desses dados ajudasse a minimizar o uso de ferramentas de censura que, embora às vezes necessárias, são perigosas para o acesso à informação”.
“Mesmo que certas informações não possam ser publicadas durante uma emergência, o público merece saber o que foi escondido”, explicou. “Censura significa ocultar algo que um jornalista acreditava que o público tinha o direito de saber. Em tempos de guerra, muitos já sentem que não estão sendo informados de tudo, então é justo revisar decisões de censura posteriormente.”
Uma guerra contra a imprensa livre
Além do aumento sem precedentes na censura militar, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa deste ano chega em um momento sombrio para o jornalismo israelense. Em 2024, Israel caiu para a 101ª posição (entre 180 países) no Índice de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) — uma queda de quatro posições em relação a 2023. Agora, caiu ainda mais, para 112º lugar. Essa avaliação não inclui o massacre de jornalistas em Gaza.
Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), pelo menos 168 jornalistas e trabalhadores da mídia palestinos foram mortos pelo exército israelense em Gaza — mais do que em qualquer outro conflito violento das últimas décadas. Outras organizações estimam 232 mortes. Em investigações com a Forbidden Stories, a +972 revelou um padrão: jornalistas de Gaza mortos por operarem drones ou atacados por drones do exército mesmo estando identificados como imprensa. Israel também trata jornalistas de veículos ligados ao Hamas como alvos militares legítimos e, em vários casos, acusou outros jornalistas mortos de terem conexões com o grupo — quase sempre sem apresentar provas.
Mas os jornalistas em Gaza não enfrentam apenas o risco constante de bombardeios israelenses, fome, sede e deslocamento. Também sofrem repressão do próprio Hamas, que pressiona quem critica a organização ou cobre protestos contra ela. Israel piorou a situação ao bloquear a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza há mais de um ano e meio — uma medida mantida pela Suprema Corte israelense e condenada mundialmente como um ataque à liberdade de imprensa e uma tentativa de esconder os crimes em Gaza.
Ao mesmo tempo, Israel prende sistematicamente jornalistas palestinos de Gaza e da Cisjordânia, muitas vezes sem acusações formais, como punição por reportagens críticas. Essa repressão se intensificou na guerra, com o banimento de veículos como Al-Mayadeen e Al-Jazeera.
O governo também atacou a própria imprensa israelense: tentou fechar a emissora pública Kan, asfixiou financeiramente o jornal liberal Haaretz e enfraqueceu veículos tradicionais, enquanto financiava novos meios pró-governo, como o Canal 14, com dinheiro público. Além disso, impôs restrições severas à divulgação de nomes de soldados suspeitos de crimes de guerra, e o incitamento contra jornalistas por parte de políticos e figuras públicas ligadas a Netanyahu resultou em vários ataques violentos a repórteres.
No entanto, o golpe mais devastador ao jornalismo israelense não veio da censura do governo, mas da traição das redações à sua missão principal: informar o público sobre a verdade. Mesmo jornalistas que antes se arrependeram de não cobrirem Gaza em guerras passadas agora escondem hospitais bombardeados, crianças famintas e valas comuns que o mundo vê diariamente.
Em vez de testemunhar a realidade da guerra ou amplificar vozes de jornalistas em Gaza (muito menos mostrar solidariedade a colegas alvejados pelo próprio exército), a maioria dos jornalistas israelenses aderiu à propaganda de guerra — a ponto de acompanhar tropas em combate e até participar de demolições. Muitos também normalizaram discursos de genocídio, fome e outros crimes de guerra.
Isso não é coação, é cumplicidade. A censura não apagou os horrores de Gaza das telas israelenses — os jornalistas e editores fizeram isso.
* Haggai Matar é um premiado jornalista e ativista político israelense, e é o diretor executivo da revista +972. Reportagem publicada originalmente em 02/05/2025 na +972 Magazine e no Local Call.
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