Circo Planalto
Atualizado: 25 de abr. de 2020
Por Luiz Augusto Erthal
A relação do ex-chefão da Operação Lava Jato e hoje já também ex-superministro Sérgio Moro com o presidente Jair Bolsonaro terminou como o final de uma ópera bufa, com o palco tomado por atores coadjuvantes em torno de um protagonista ora choroso, ora estridente, que, entre palavrões, desmentidos, negações, confissões familiares e bravatas, tentou responder aos sacolejos acusatórios recebidos no ato anterior.
Pela primeira vez na história de Brasília, que completa este ano seis décadas de existência, a Esplanada dos Ministérios assistiu um ministro da Justiça, em pleno exercício do cargo, desfilar ao vivo para todo o país uma sequência de acusações contra o presidente da República - a maior delas a tentativa de interferência na Polícia Federal para ter acesso direto e interferir nas investigações da instituição, o que configuraria, na opinião da unanimidade dos juristas, crime de responsabilidade.
Exatamente um ministro que fora apresentado, 16 meses antes, como a jóia da coroa de um governo orgulhoso por mostrar a esfinge de Moro como a imagem que gostaria de ver refletida sobre o país. A áurea de probidade, honestidade e patriotismo que os uniu no início do governo se desfez como uma cena burlesca nesta sexta-feira (24) em mentiras e ataques de parte a parte.
Acusado por Moro de falsidade ideológica ao publicar no Diário Oficial a exoneração “a pedido” do diretor geral da Polícia Federal, Maurício Leite Valeixo, e com a chancela da sua assinatura, sem que ele tivesse concordado com o ato, Bolsonaro devolveu, revelando uma suposta proposta que o ex-juiz teria lhe feito, de concordar com a mudança no comando da PF depois que o presidente indicasse o seu nome para ocupar a vaga a ser aberta em novembro como ministro do Supremo Tribunal Federal. Moro negou logo em seguida pelo Twitter.
Durante quase uma hora, Bolsonaro tentou vender uma imagem cristã, patriota e proba - disse não usar um de seus cartões corporativos e revelou ter mandado desligar a energia da piscina olímpica do Palácio da Alvorada, cujo aquecimento, porém, seria feito por energia solar. Vitimou-se durante todo o pronunciamento, dizendo que Moro não deixou a Polícia Federal investigar o atentado a faca sofrido durante a campanha, citando o episódio do depoimento do porteiro do seu condomínio na Barra da Tijuca e o envolvimento de seu filho - “o número quatro”, como o denominou - com a filha do ex-sargento acusado de envolvimento no homicídio da vereadora Marielle Franco. Usou o verbo “escrotizar” (sic) para definir o fato e revelou que o filho “saiu” com metade das meninas do condomínio.
Ao rebater a principal acusação de Moro, Bolsonaro afirmou nunca ter lhe pedido informações sobre o andamento de qualquer processo da Polícia Federal, “até porque a inteligência com ele perdeu espaço”. No entanto, o próprio Bolsonaro confirmou, como revela matéria do jornalista Vanderlei Borges publicada nesta sexta-feira pelo TODA PALAVRA, que no ano passado, em dois episódios - os casos do “laranjal do PSL” e dos hackers que passaram informações para o The Intercept -, o presidente não só pediu como foi atendido por Sérgio Moro, servindo-lhe informações sigilosas de investigações federais.
O elenco deste último ato foi formado pelos principais ministros de Bolsonaro, que vivenciaram a experiências dos frequentadores da antiga geral do Maracanã, passando exatos 45 minutos de pé, sem sair do lugar, mas também sem o prazer e as emoções do futebol. Até mesmo o recém nomeado ministro da Saúde participou da coreografia, logo atrás do protagonista da peça, enquanto centenas de brasileiros estavam morrendo, vitimados pela pandemia de coronavírus.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, destoava no figurino. Olhando frequentemente para o relógio, era o único - além do ministro da Educação, Abraham Weintraub - em mangas de camisa e, ao contrário de todos os demais, usava uma máscara cirúrgica. Permaneceram todos calados e imóveis. Ao contrário de um tutti, a ópera bufa deste 24 de abril terminou com um solo melancólico e inconvincente no Palácio do Planalto.
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