Combate ao crime: dois pesos e duas medidas
- Mehane Albuquerque
- há 15 minutos
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Por Waldeck Carneiro
A chacina do Alemão e da Penha, como ficou conhecida a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, ocorrida no último dia 28 de outubro, deixou mais de 120 mortos, incluídos quatro policiais. Entre os mortos, havia decapitados e alvejados com tiros na nuca, sinais evidentes de execução. No entanto, no dia seguinte, o Comando Vermelho, organização criminosa que as forças policiais anunciavam combater, prosseguia no controle daqueles territórios e seus moradores seguiam suas rotinas, marcadas pelo domínio do crime, que oprime, agride, constrange e fixa regras de convivência ao arrepio da lei.

De que serviu, afinal, aquela operação policial genocida? De que serve, há décadas, a chamada “guerra às drogas” nas favelas e outros territórios periféricos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ)? Em que o massacre do Alemão e da Penha mudou a vida das populações daqueles territórios? De que forma a “guerra às drogas” transformou o cotidiano, que continua extremamente violento, da RMRJ?
Os apressados poderão dizer que a alternativa, então, é deixar o crime dominar os territórios, cada vez mais amplos, em que exercem o seu violento “poder paralelo”, abandonando as pessoas que neles vivem à própria sorte e ao jugo dos comandos criminosos. De modo algum!
O crime precisa ser combatido com máxima firmeza, sejam o narcotráfico, as milícias ou as narcomilícias, sejam os crimes de colarinho branco da Faria Lima ou dos palácios governamentais. Máxima firmeza e com o emprego de todo aparato tecnológico hoje à disposição, graças aos avanços descomunais da ciência. Sim, a ciência, que muitos defensores das chacinas insistem em negar ou desprezar.
Máxima firmeza, sofisticação tecnológica, inteligência e planejamento no combate ao crime, mas, vale acrescentar, tudo isso na forma da lei! Afinal, quem descumpre a lei é o crime, quem comete delitos são os criminosos. O Estado não pode combater o crime, agindo como um ente igualmente criminoso. Essa é uma contradição essencial. Até aqui, nada acrescentei em relação a valorosos especialistas que, há muito tempo, estudam, ensinam, publicam e fazem conferências sobre o tema, tais como Luiz Eduardo Soares, Jacqueline Muniz, os saudosos Roberto Kant de Lima e Michel Misse, entre outros(as).
Enquanto as forças de segurança seguem na sua marcha insana e ineficaz, agindo como milícias oficiais, o Rio de Janeiro assiste, aterrorizado, à diversificação dos negócios do crime e ao incremento do seu poderio bélico. Será mesmo que a inovação tecnológica, o adensamento da inteligência (inclusive da artificial) e o apuro do planejamento, que os avanços científicos e a gestão moderna já nos proporcionam hoje, não são capazes de sufocar a economia do crime? Não são suficientes para
identificar e barrar o fluxo de armas ultramodernas que chegam aos arsenais do crime?
Fui recentemente atacado nas redes sociais justamente por defender essas e outras posições congêneres. Ataques e ameaças não me calarão nem mudarão minha opinião. Minha colega da UFF, Jacqueline Muniz, aqui já citada, ela sim, especialista no tema, o que não é o meu caso, também foi ameaçada nessa bolha imponderável e imprevisível que são as redes sociais. Aliás, fui atacado exatamente por defendê-la.
Não, não sou o PH da Penha, quem quer que seja esse personagem, ao que parece, um expoente do narcotráfico no Rio de Janeiro. Mas defendo que o combate ao crime e aos criminosos, que deve ser efetuado sem qualquer trégua, com inabalável rigor, no uso do monopólio da força de que o Estado dispõe, mediante o emprego dos mais sofisticados recursos tecnológicos, de inteligência e de planejamento, não transforme as polícias em máquinas de matar. No nosso Estado Democrático de Direito, recentemente fortalecido com a prisão de um ex-presidente que queria detoná-lo depois de derrotado nas eleições de 2022, não há previsão de pena de morte.
Bandidos e suspeitos são presos preventivamente (conforme o caso), investigados, indiciados, denunciados, julgados e condenados. E devem cumprir suas penas, uma vez decidida pela Justiça a sua condenação, seja um chefe do tráfico, seja um dono de banco comprovadamente envolvido em operações financeiras fraudulentas.
Aliás, logo após a chacina do Alemão e da Penha, explicitou-se um primor de contradição: extremistas de direita, liderados por bolsonaristas, que defendem a tese de que “bandido bom é bandido morto”, trabalharam, na Câmara Federal, para enfraquecer o poderio da Polícia Federal, durante a tramitação do Projeto de Lei Antifacção, de autoria do governo Lula. Nesse ínterim, estourava o escândalo do Banco Master, com possíveis vinculações com alguns governos estaduais, inclusive no RJ.
Ora, por um lado, os bolsonaristas defendem uma polícia sem limites, que entra na favela, esculachando e passando fogo em jovens negros, aprioristicamente tratados como bandidos. Porém, para investigar crimes financeiros praticados pelo colarinho branco, em conluio com dirigentes políticos, aí querem uma Polícia Federal desprovida de meios, engessada na sua função de combater os crimes federais. Ou seja, dois pesos e duas medidas! Deu para entender ou preciso desenhar?
* Waldeck Carneiro é Professor Titular da UFF e Coordenador-Geral do Fórum Estadual de Educação do Rio de Janeiro.






