CPI: secretária admite orientação de uso da cloroquina
Atualizado: 26 de mai. de 2021

A secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, que afirmou em 2019 ter visto um "pênis" na porta da Fiocruz, disse em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (25) que a pasta orientou médicos em todo país sobre uso de remédios como a cloroquina. Além de defender diversas vezes o uso de cloroquina, ela contradisse o ex-ministro do pasta, general Eduardo Pazuello, e ainda criticou papel da OMS.
Conhecida como Capitã Cloroquina, ela afirmou que seria "inadmissível" não recomendar o uso desses medicamentos para o tratamento precoce contra a Covid-19. A utilização de remédios como cloroquina , hidroxicloroquina e ivermectina não tem eficácia comprovada contra o coronavírus, tendo sido aconselhado o seu banimento por um grupo de associações médicas.
Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro promove o uso desses remédios.
"A orientação [para o uso] é para todos os médicos brasileiros, não só para Manaus", admitiu ela, ao ser perguntada pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) se houve orientação para tratamento precoce durante a crise sanitária de Manaus.
A servidora ressaltou ainda que o Conselho Federal de Medicina (CFM), cuja direção atual é alinhada com o presidente Jair Bolsonaro, autorizou o uso desses remédios.
No ano passado, a entidade emitiu parecer afirmando que, embora não exista comprovação científica da eficácia do tratamento precoce, a prescrição dos medicamentos era decisão de cada médico. O parecer foi aprovado no mesmo dia em que o então ministro Luiz Henrique Mandetta, que havia solicitado a opinião do CFM porque não concordava com o uso, foi demitido. O documento, porém, só se tornou público na semana seguinte, após o CFM apresentá-lo primeiro a Bolsonaro.
'Inadmissível' não usar cloroquina
Ao ser questionada se ela ainda mantinha a defesa do uso da cloroquina, a funcionária do Ministério da Saúde afirmou que sim.
"Eu mantenho a orientação enquanto médica de que possamos usar todos os recursos possíveis", respondeu a secretária.
Mayra admitiu que, durante a crise sanitária de Manaus, disse em ofício enviado para a Secretaria de Saúde da cidade que era inadmissível que a cloroquina não fosse usada em pacientes de Covid-19.
"No contexto da quantidade de óbitos, como médica, é inadmissível não ter a adoção de todas as medidas", afirmou.
A secretária também eximiu o governo de qualquer de qualquer culpa no caos vivido em Manaus no início do ano, quando pacientes de Covid-19 morreram pela falta de oxigênio.
"Nenhuma responsabilidade [do governo]. A responsabilidade da doença é do vírus", disse.
Ela também fez críticas à Organização Mundial da Saúde (OMS), dizendo que a organização já fez recomendações “condenáveis” e “falhas”, e que os países (e o Brasil) não são obrigados a seguir as orientações da entidade.
A cloroquina já teve a sua ineficácia cientificamente comprovada. Entidades médicas e de saúde, entre as quais a OMS e a Sociedade Brasileira de Infectologia, desaconselham a adoção do medicamento. Já a Associação Médica Brasileira (AMB), que conta com o apoio de sociedades especializadas e de associações locais dos estados, pede o "banimento" do uso da cloroquina e da ivermectina contra a Covid-19.
“Essa insistência de permanecer no erro não é virtude, doutora, é defeito de personalidade. Não é da senhora, não, eu estou me referindo até ao presidente da República. Eu digo sempre que os homens erram e os grandes homens – ou as grandes mulheres – reconhecem e corrigem os seus erros, para não começarem a errar permanentemente e matar as pessoas”, disse o senador Otto Alencar (PSD-BA).
'Contradições e falso testemunho'
Para o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), a secretária entrou em contradição e mentiu à comissão. Ele apresentou uma lista em que aponta pelo menos 11 momentos no depoimento em que a secretária entrou em contradição ou prestou "falso testemunho", entre eles quando ela falou de tratamento precoce, TrateCov, OMS e crise em Manaus.
O relator destaca que Mayra afirmou que o Ministério da Saúde apenas recomendou o uso de cloroquina para tratamento da Covid-19. Mas no Plano Manaus, feito pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, é dito "textualmente que se deve incentivar o tratamento precoce".
Renan acrescenta ainda que a secretária disse que "considera inadmissível não usar a cloroquina e demais remédios".
Sobre o aplicativo TrateCov, o senador apontou como contradição com o ex-ministro Pazuello ela ter dito que a plataforma não foi hackeada e os dados e conteúdo não foram irregularmente alterados. Duas informações prestadas por Pazuello à CPI.
'Um pênis' na porta da Fiocruz
Durante a sessão, a secretária teve de ouvir do senador Rogério Carvalho (PT-SE) "uma aula" sobre o "pênis" que ela disse ter visto na porta da sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - na verdade, o símbolo da fundação - que faz referência a um castelo.
"O que a senhora se refere a uma imagem obscena é, na verdade, um símbolo da Fiocruz, que tem formato de castelo. Portanto, queria que a senhora revisse essa posição, mas, depois, com um tempo, as pessoas vão ver que aquele cartaz que a senhora viu em formato de 'falo' é o símbolo da Fundação Oswaldo Cruz - onde eu tive a oportunidade de estudar", explicou o senador.
Em um áudio gravado em 2019, a médica diz que há um "pênis" na porta de entrada da Fiocruz e desqualifica a instituição, inventando situações muito em voga entre bolsonaristas.
"Eles têm um pênis na porta da Fiocruz. Todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do Lula Livre, Marielle Vive (...) a gente paga para cinco mil pessoas virem a Brasília para tirar a roupa, andar nu, fazer cocô em crucifixo", diz Mayra Pinheiro no áudio.