Ex-ministro Fábio Faria foi diretor de empresa que levou antenas de Musk ao RS
Por Amanda Audi
O ex-ministro das Comunicações de Jair Bolsonaro (PL) e ex-deputado federal pelo Rio Grande do Norte Fábio Faria (PP) foi diretor de uma empresa brasileira que recebeu satélites da Starlink, companhia de Elon Musk. A Skylink intermediou a remessa de 1.100 antenas para o Rio Grande do Sul em meio às enchentes deste ano.
Foi justamente durante a gestão de Faria sob Bolsonaro que a Starlink se aproximou do governo brasileiro. Faria articulou para que os satélites de Musk fossem usados no monitoramento da Amazônia brasileira e em escolas públicas em áreas rurais no país.
Segundo a Agência Pública apurou com exclusividade, Faria esteve como diretor-geral da Skylink até 4 de abril, quando renunciou ao cargo.
Na mesma data, foi aprovado o aumento do capital social da Skylink de R$ 500 mil para R$ 10 milhões – quase 20 vezes maior.
POR QUE ISSO IMPORTA?
As antenas de Elon Musk já foram anunciadas como parte de políticas públicas para conexão à internet na Amazônia e em escolas rurais no Brasil
Foi o próprio Faria quem articulou a vinda de Musk, no governo Bolsonaro. Apesar de ter saído da diretoria, deixou seu ex-assessor na empresa.
Foi uma passagem relâmpago – Faria entrou na direção da empresa em 20 de março. Na época, o ex-ministro investiu R$ 250 mil no capital da empresa por meio da FDois Consultoria em Gestão, que abriu no ano passado.
De acordo com a apuração, ele saiu da Skylink por ocupar um cargo de gerência no banco BTG Pactual: Faria é gerente sênior de relacionamento do banco. O BTG, por sua vez, controla a sua própria empresa de fibra ótica, a V.tal, o que poderia gerar conflitos de interesse com a Skylink no mercado de conexões à internet.
Um dos sócios da Skylink, Ailton Santos Filho, que foi CEO da Nokia no Brasil, conversou com a Pública. “Assumi a direção há pouco tempo. O Fábio estava pensando na empresa e me convidou. Eu achei legal o projeto. Depois entendi que o Fábio, por ser sócio do BTG, poderia ter conflito de interesses por causa da V.tal, que também é de telecomunicações, e eles entendem que seria concorrente”, disse.
Após ter renunciado à direção na Skylink, o ex-ministro deixou uma pessoa de confiança na direção da entidade. Leonardo Gurgel de Faria Diniz foi secretário parlamentar de Faria na Câmara dos Deputados entre 2013 e 2015. Depois, ele assumiu como superintendente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos em Natal, cidade natal do ex-ministro.
Santos Filho disse à Pública que Diniz também já teria deixado a empresa “por possíveis conflitos de interesse” pela sua associação com o ex-ministro. Porém, a saída de Diniz não foi registrada na ata da Junta Comercial e o nome do ex-assessor continua constando no quadro societário da empresa na Receita Federal. “Deve ter havido algum problema, mas vamos consertar isso”, comentou.
Com a saída de Faria, Alberto de Faria Jeronimo Leite, empresário bolsonarista e admirador de Musk, também deixou o cargo de diretor da empresa. Leite é fundador do Conselho de Administração da FS Security, uma empresa de segurança cibernética e tecnologia da informação. Ele já foi descrito como um dos empresários “mais próximos do governo Bolsonaro”. Foi no condomínio em que mora Leite que Bolsonaro e Musk se encontraram em maio de 2022, segundo o Poder360.
Assumiram na diretoria Santos Filho e Eric Antônio Carvalho Martins, sócio de Leite em outros empreendimentos. Atualmente, constam também como sócios Carlos Alberto Landim, CEO da empresa de tecnologia EXA, e o ex-assessor de Faria.
Apesar de o documento registrado na Junta Comercial de São Paulo indicar a renúncia de Faria à diretoria da Skylink em 4 de abril, o ato só foi registrado em cartório em 2 de maio. Nesse meio-tempo, em 18 de abril, Faria assinou digitalmente o estatuto social da empresa.
A Skylink não consta do site da Starlink como revendedora oficial no Brasil. De acordo com Santos Filho, a Skylink já fechou um acordo formal com a empresa de Musk, mas ele ainda não foi publicado.
O CNPJ da empresa foi aberto em 2023, no Rio de Janeiro, com a razão social “Calêndula SP Participações”. Ele foi registrado por dois empresários que já foram investigados por supostamente serem donos de empresas de fachada. Um deles atualmente tem 131 empresas, o outro, 94.
A outorga da empresa para os atuais sócios ocorreu em 20 de março deste ano, quando ela passou a se chamar Skylink. Segundo Santos Filho relatou à Pública, os sócios optaram por incubar uma empresa que já existia para facilitar processos burocráticos.
As milhares de antenas de Musk no desastre no Sul
As antenas da Starlink movimentaram um dos boatos que mais circulou no início das inundações que causaram o desastre no Rio Grande do Sul. No dia 6 de maio, o Instituto Cultural Floresta – que tem conexões com a produtora Brasil Paralelo – postou um vídeo no qual anunciava a compra de cem antenas da Starlink, de Musk, para ajudar no resgate aos desabrigados.
Depois, Faria foi contatado por representantes do governo gaúcho para intermediar a aquisição de mais antenas. Ele ligou diretamente para Musk, de quem é próximo, e enviou ao bilionário um vídeo da supermodelo Gisele Bundchen falando sobre o desastre no estado. Inicialmente, Musk havia concordado em entregar cem antenas para a Skylink, segundo contou Santos Filho, mas, depois de ter visto o vídeo, enviou mais mil.
“Obrigado Elon Musk por responder imediatamente ao meu pedido e ajudar a reconectar essas pessoas que enfrentam a maior catástrofe da história”, escreveu Faria na rede de Musk, no dia 11 de maio; o bilionário agradeceu
Segundo Santos Filho, a doação foi enviada para o governo do estado, que tem a tutela sobre os equipamentos e pode decidir para onde serão enviados. O Exército e instituições privadas se encarregaram de ajudar na parte logística.
A chegada das antenas virou um dos assuntos mais comentados da rede social X/Twitter, do próprio Musk, e foi compartilhada junto ao boato de que nenhuma outra rede estaria funcionando na região.
O próprio governo do Rio Grande do Sul anunciou a Skylink como a empresa que viabilizou a chegada das antenas da Starlink. Segundo a postagem, o acordo foi intermediado pelo governo, sob coordenação da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Os equipamentos chegaram no último dia 11.
Fábio Faria não postava na rede de Musk desde outubro de 2023. O último conteúdo havia sido justamente um aceno à visita do bilionário ao Brasil, quando foi recebido por Faria.
Os dois se conheceriam ao menos desde 2021, quando Faria foi recebido pelo bilionário nos Estados Unidos.
O trio Faria, Bolsonaro e Musk
Fábio Salustino Mesquita de Faria foi ministro das Comunicações de Bolsonaro entre 17 de junho de 2020 e 21 de dezembro de 2022. A pasta foi recriada pelo ex-presidente após uma sequência de desgastes da comunicação do governo e pressão do Centrão. Ela havia sido extinta no governo de Michel Temer (MDB), em 2016.
Faria foi também um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro à reeleição. Ele esteve ao lado do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, que, juntos, espalharam a informação, já desmentida, de que rádios estariam boicotando propagandas de Bolsonaro. A campanha chegou a enviar um relatório que provaria uma “fraude eleitoral”.
Durante o governo Bolsonaro, Elon Musk estreitou os laços com o Brasil. A Amazônia se tornou um dos principais mercados da Starlink no país. A promessa era conectar milhares de escolas da região à internet, mas, segundo reportagem do UOL, um ano depois, apenas três unidades da rede estadual haviam recebido o equipamento. Reportagens têm mostrado como as antenas têm sido facilmente encontradas em garimpos ilegais.
Houve uma especulação de que Musk poderia abrir no Brasil uma fábrica da Tesla, sua marca de carros elétricos, mas o país foi preterido pelo Chile.
O bilionário encontrou terreno fértil na política brasileira. Apoiadores de Bolsonaro o elegeram como ídolo, principalmente após Musk ter desferido críticas ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes – a quem acusa, sem provas, de ter interferido no resultado das eleições de 2022. O ministro mandou abrir um inquérito para investigar as falas do empresário.
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