Governo impede médicos de prestar ajuda a índios
Atualizado: 22 de Ago de 2020

Depois que o presidente Jair Bolsonaro tentou vetar medidas legais para o combate ao coronavírus em tribos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais — entre elas o fornecimento de água, comida e leitos emergenciais — o governo federal agora impede que a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) preste assistência na prevenção e detecção de casos de Covid-19 em sete aldeias da tribo Terena, no MS, onde vivem cerca de 5 mil índios.
O MSF apresentou à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, um plano de enfrentamento da doença para a comunidade Terena, mas vem encontrado entrave
s à sua atuação emergencial. A Sesai informou em nota que autorizou uma equipe formada por um médico, três enfermeiros e um psicólogo, mas que a proposta apresentada pela organização humanitária não especifica os locais de atendimento (aldeias ou unidades básicas), ou detalhes como cronograma e recursos a serem empregados.
O MSF emitiu um comunicado informando que segue protocolos rígidos de prevenção e controle da infecção, aplicados com sucesso no trabalho de combate à Covid-19 em todo o mundo, e que a organização foi convidada pelos líderes tribais, preocupados com a rápida disseminação da doença nas aldeias.
Entre 850 mil indígenas, 26.433 foram infectados e 690 morreram por Covid-19, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A doença está presente em metade das 300 tribos do país.
Em contrapartida, organizações de direitos indígenas reclamam que o governo tem permitido a presença de missionários cristãos em tribos isoladas, aumentando o risco de contágio entre os índios.
Ações insuficientes
Um documento produzido pelo grupo de trabalho liderado pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), divulgado hoje pelo Jornal O Globo, mostra que o plano de instalação de barreiras sanitárias nas aldeias apresentado pelo governo federal deixou de atender 70% das terras indígenas. N
o relatório, apenas 163 das 537 áreas (excluindo os povos isolados) são beneficiadas pelas medidas de combate à Covid-19 determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"O plano da União carece de revisão técnica e faz uso superficial e inadequado de estudos, de informações e terminologia”, diz a petição enviada ao ministro Barroso.

Segundo Eloy Terena, advogado que representa a Apib no STF, trata-se de um plano que não prioriza a preservação da vida indígena e de
monstra que o governo "não está aberto ao diálogo intercultural, pois não acatou as me
didas sugeridas pelo grupo misto de trabalho.
Especialistas convidados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e que compõem o grupo de trabalho, consideram as ações do governo "extremamente deficitárias e inconsistentes", deixando vários tribos desassistidas. A Apib enviou na segunda-feira (17/8) uma petição ao ministro Luís Roberto Barroso pedindo que o STF revise as medidas apresentadas pelo governo.
O relatório diz que "há grave omissão do governo federal no combate à Covid-19 em meio aos povos indígenas, no atraso de suas respostas à pandemia e na escassez de recursos disponibilizados".
Índios à própria sorte
O governo afirma que há 274 barreiras sanitárias instaladas, nas quais 132 (48%) têm ação exclusiva de índios. Ou seja, nenhuma participação de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Apenas 25 delas (9%) possuem atuação exclusiva de agentes do governo. Outras 55 barreiras citadas no documento (20%) não têm sequer informação sobre quais ou quantos funcionários do governo as integram.
A Apib, por sua vez, informa em seu relatório que quase a totalidade das barreiras foi instalada, mas que está sendo mantida pelas próprias comunidades indígenas, sem qualquer apoio da União. A Apib afirma ainda que no plano do governo não há qualquer ação voltada para conter invasores, que potencializam a disseminação da doença entre os índios.
A retirada de garimpeiros, madeireiros e grileiros das terras indígenas Arariboia, Karipuna, Kayapó, Mundurucu, Trincheira Bacajá, Uru-Eu-Wau-Wau e Yanomami gerou polêmica no julgamento no STF, que não estabeleceu prazo para a saída dos invasores. O ministro Edson Fachin foi o único que votou pela retirada imediata.
"A própria AGU (Advocacia-Geral da União) e o ministro Ricardo Lewndowski apoiaram o estabelecimento de um prazo de 60 dias. Parece, portanto, razoável a fixação de um prazo de 60 dias para que se apresente um plano de desintrusão, com previsão de prazo para a realização das operações e, principalmente, a definição do orçamento para realizá-las", afirmou Terena ao Jornal O Globo.
Além disso, a construção de uma ferrovia em terras indígenas no Sudoeste do Pará coloca em risco o combate à pandemia entre os índios kayapós, que há dois dias bloqueiam a rodovia BR-163 em protesto à obra.
Placas de advertência
No documento produzido pelo grupo de trabalho do governo há casos como o da aldeia Buriti, do povo Terena (MS), onde é relatada a presença de barreira com "cerca de 300 homens, 24 horas por dia". Mas de acordo com os índios, a barreira é mantida pela própria comunidade em sistema de revezamento.
Já na Terra Roxa, no Paraná, o governo informa que nas aldeias Araguajy, Yvyrati Porã e Yvy Porã há “placas de advertência” instaladas.
"Desde quando placa de advertência é apta a impedir o ingresso do vírus na comunidade indígena?", questiona a petição encaminhada ao STF.
Procurada pela imprensa, a ministra Damares Alves não se manifestou sobre a questão.