Herança trabalhista permanece viva em São Gonçalo
Atualizado: 31 de jul.
Por Mehane Albuquerque
Há exatos 20 anos, no dia 21 de junho de 2004, Leonel Brizola morreu, vítima de enfarte, aos 82 de idade. O Brasil perdia a voz indignada e combativa que fez parte da vida pública brasileira em toda a segunda metade do Século XX. Brizola teve uma atividade política intensa. O currículo só não foi mais extenso porque ele, inimigo dos generais que tomaram o poder em 1964, passou os primeiros 15 anos da ditadura militar no exílio. Antes disso, no Rio Grande do Sul, foi prefeito de Porto Alegre, deputado estadual, deputado federal e governador. Após a volta ao país, fundou um novo partido e se elegeu duas vezes governador do Estado do Rio de Janeiro.
Dos muitos episódios que protagonizou, aquele que o levou definitivamente aos livros de história foi a Campanha da Legalidade, em 1961. Não fosse essa iniciativa de Brizola, é provável que João Goulart jamais tivesse chegado à Presidência da República, impedido pelos três chefes das Forças Armadas, que o consideravam comunista. O então governador gaúcho deflagrou em Porto Alegre uma reação armada, a Campanha da Legalidade, que garantiu o cumprimento da Constituição e a posse do vice Jango (diante da renúncia do presidente Jânio Quadros), impedindo o golpe de Estado.
Brizola disputou a Presidência da República em duas ocasiões. Na primeira, ficou em terceiro. Candidatou-se a vice-presidente do país, ao lado de Lula como cabeça de chapa, em 1998, mas acabou em segundo lugar. Foi um defensor ferrenho da educação, do socialismo e dos direitos dos trabalhadores. Junto com Darcy Ribeiro deixou os Cieps e o sonho de uma educação de qualidade ao alcance de todas as crianças. Mas um de seus grandes legados à política brasileira foi, sem dúvida, o fortalecimento do trabalhismo e a criação do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Trabalhismo em São Gonçalo
Em Niterói, o PDT tem uma história de êxito na gestão da cidade que já dura três décadas — em alternância com o PT — fruto da semente plantada no passado pelo ex-governador Roberto Silveira e depois cultivada por Brizola. Mas a legenda tem também uma relação muito próxima com a vizinha São Gonçalo, onde os traços da tradição trabalhista resistem até hoje.
O município foi palco de comícios apoteóticos realizados por Brizola no passado, carreatas memoráveis que fechavam a cidade e mobilizavam a totalidade população, que sempre dedicou a ele uma grande soma de votos.
"São Gonçalo sempre votou maciçamente em Leonel Brizola em todas as eleições que ele disputou a partir de 1982, após sua volta do exílio. São Gonçalo foi um dos municípios que mais votos a Brizola na sua primeira (e também na segunda) eleição para governador – exatamente como aconteceu na Zona Oeste do Rio de Janeiro e toda a Baixada Fluminense. Na explosão da campanha de 1982, que o próprio Brizola comparava a que aconteceu em 1950, quando o povão elegeu Getúlio Vargas presidente da República, não foram poucas as urnas que registraram 100 por cento dos votos válidos para o governo o nome de Leonel Brizola", conta o jornalista Oswaldo Maneschy, editor adjunto do TODA PALAVRA.
Maneschy relata que em razão do carinho de Brizola pela cidade, ele a visitou por diversas vezes, "principalmente para encaminhar projetos e soluções para os graves problemas que afligiam e afligem os habitantes daquele que é hoje o segundo maior município do estado do Rio de Janeiro em população".
"Para se ter ideia desse carinho, Brizola e Darcy Ribeiro construíram 44 Centros Integrados de Educação Pública (CIeps) em São Gonçalo. E a partir da vitória do PDT para a prefeitura local, com o então deputado estadual e depois prefeito Edson Ezequiel, essa política de privilegiar São Gonçalo com obras e recursos públicos se ampliou", explica.
Em um passado não muito distante, o PDT conquistou a prefeitura de São Gonçalo em quatro mandatos e chegou a ter 80 mil filiados na cidade. Entre 1989 e 2012, três pedetistas foram eleitos prefeitos: Edson Ezequiel, por dois mandatos (1989 a 1992 e 1997 a 2000), João Bravo (1993 a 1996) e Aparecida Panisset (2009 a 2012).
Comício com Lula no Clube Tamoio
Em 1998, Brizola esteve em São Gonçalo como vice da chapa encabeçada por Lula à presidência. O pedetista fez um discurso contundente no Clube Tamoio lotado. E enalteceu a capacidade dos trabalhadores gonçalenses:
"São Gonçalo – esta terra humilde, mas que tem o seu grande lugar na vida brasileira; onde vivem mais de um milhão de trabalhadores, com suas famílias. É uma comunidade em que se concentra a nossa pobreza, que procura avançar, construir o seu humilde, o seu modesto desenvolvimento. Eu sempre disse para o nosso Ezequiel: ao apostar numa comunidade pobre, fazemos uma comunidade em desenvolvimento. E é uma comunidade rica, porque tem acumulada aquela moeda que este país mais precisa, que com ela é que nós vamos fazer o Brasil grande e seu povo rico – que é o trabalho: é a capacidade de trabalho. Esta é a riqueza de um povo. E isto São Gonçalo tem de sobra".
Brizola não poupou críticas ao governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso:
"E agora, a poucos meses das eleições, está ele telefonando, está ele pedindo, esta ele fazendo tudo que tem, em matéria de autoridade nas suas mãos, para vender o patrimônio brasileiro. Eles querem entregar, agora, as telecomunicações para as mãos, para o comando e domínio dos grupos econômicos internacionais. Este homem não está mais em condições de governar o Brasil. E, no entanto, tem tanta gente – na aparência – que está ao seu lado… Eu não acredito nisso. O povo brasileiro, na sua grande maioria, não só nega apoio a esse governo, como está com raiva dele, como disse o Stédile, há poucos dias, numa entrevista", cravou Brizola.
E falou sobre o que esperava de Lula na presidência:
"Lula vai ser o Presidente dos desempregados; vai ser o Presidente dos injustiçados; ele vai ser o Presidente dos deserdados deste país; vai ser o Presidente do nosso povão; vai ser o Presidente dos esquecidos – aquilo que ele viu na sua infância; aquilo que ele experimentou, sofreu na sua adolescência. Ele tem a miséria em sua retina; ele tem o sofrimento de uma criança, de um adolescente que quer construir a sua vida, e está praticamente barrado pelas dificuldades e pelas circunstâncias.
Ele vai ascender ao governo para governar para todos: para todos os brasileiros. Mas ele vai ouvir, onde ele estiver – principalmente lá no seu gabinete, onde os seres humanos que mais precisam dele não podem chegar – ele vai escutar o choro das crianças da nossa pobreza; ele vai escutar o clamor dos desempregados, dos esquecidos, dos abandonados, dos que não têm nada e não têm futuro nesta nação injustiçada, que está dentro da outra nação deste país.
Se perguntar a ele: ‘Lula, qual é a tua prioridade?’. Ele vai dizer: ‘Cuidar dos meus irmãos que estão abandonados, incompreendidos nesta imensa nação’. Tudo que ele viu, tudo que ele sofreu, tudo que ele passou vai ser a imagem maior. Podem crer."
Confira o discurso de Brizola:
Apoio ao PT em 2024
Na noite desta sexta-feira (21/6), o PDT ratificou apoio a Dimas Gadelha, do PT, à prefeitura de São Gonçalo, no evento de lançamento da candidatura do petista, que reuniu cerca de 5 mil pessoas no Clube Mauá.
O PDT foi representado por Carlos Brizola Neto, presidente do diretório do PDT em São Gonçalo; pelos pré-candidatos do partido à Câmara Municipal professor Henrique Porto e Dejorge Patrício; pela ex-prefeita Aparecida Panisset; e pela deputada estadual Martha Rocha.
*Com informações da Agência Câmara, PDT e Tijolaço
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