Historiador denuncia abandono do Palácio da Praia Grande
Atualizado: 8 de mar. de 2021
Não é de hoje que o estado de total abandono do Palacete da Praia Grande — outrora também chamado Palácio São Domingos — na Rua Marechal Deodoro, Centro de Niterói, vem sendo denunciado por internautas e moradores da cidade nas redes sociais. Além do descaso das autoridades, o velho casarão sofre com depredações. A última delas foi o roubo do portão principal de ferro. Para fazer o serviço, os ladrões acabaram destruindo parte do muro. Semana passada, o fotógrafo Marcos Roque da Luz e o historiador e advogado Antonio Seixas, publicaram nas redes sociais textos e fotos alertando que o imóvel, patrimônio arquitetônico do estado do Rio, corre o risco de desabar ou de sofrer incêndio, se não passar por obras emergenciais.

"Parece que o Palacete da Praia Grande, prédio próprio do Estado do Rio de Janeiro e tombado pelo Inepac em 1990, está chegando ao fim. O que falta para um incêndio ou o colapso do telhado? Depois os técnicos do Inepac reclamam porque entro com tantos processos na Justiça e representações no MPRJ", escreveu Antonio Seixas no dia 2/3, no grupo História Fluminense, do Facebook.
Em resposta ao historiador, Claudio Prado De Mello, ex-diretor do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), criticou duramente a política de preservação do patrimônio histórico que, segundo ele, se baseia em leis ultrapassadas. E defendeu não só a mudança da legislação que cuida desses bens, mas também a independência dos órgãos de preservação de patrimônio material, que atualmente estão sob tutela dos governos nas três instâncias.
O ex-diretor do Inepac contou que no dia 7 de dezembro do ano passado, quando ainda estava no cargo, recebeu uma solicitação da Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro (Sefaz-RJ) para providenciar o fechamento de janelas e portas do Palácio com alvenaria, para impedir que moradores de rua invadissem o prédio. Ao delegar aos arquitetos responsáveis que fizessem uma vistoria no local para providenciar a obra, ouviu como resposta que não adiantava fazer vistorias, pois o estado do prédio já era conhecido e que, em ofício anterior solicitando providências, nada havia sido feito.
Diante da inércia dos arquitetos, Cláudio conta que foi pessoalmente, acompanhado de um arquiteto novato no órgão e um estagiário, fazer a vistoria.

"Com essa experiência, eu cheguei à mais consolidada conclusão de que as leis estaduais de proteção ao patrimônio precisam ser mudadas. Porque de nada adianta ter a vontade de preservar o patrimônio histórico se as pessoas contratadas para este fim se resguardam em leis obsoletas e ultrapassadas de 1937 e de 1969. Como o mundo mudou e tudo mudou, chegou a hora de mudar também essas leis, de forma que o trabalho das pessoas que pretensamente cuidam da nossa herança cultural tenham responsabilidades e necessariamente comprometimento", escreveu o ex-diretor do Inepac.
E complementou:
"Espero um dia poder mudar a Lei que preconiza que a função de um arquiteto de patrimônio seja mais do que escrever um ofício endereçado ao proprietário do bem dizendo que ele deve providenciar o reparo. Porque, se por acaso ele responde dizendo que não possui condições ou recursos, as respostas são aceitas e é exatamente por este motivo que o patrimônio está sendo a cada dia mais dilacerado, e muitos bens estão se perdendo pelo fogo, por desmoronamento ou outro fator terminal".
Claudio Prado de Mello defende a reformulação dos órgãos de patrimônio, e a formação de um corpo de profissionais comprometido com o trabalho de preservação.
"Quem quiser apenas um emprego, vá trabalhar em outro lugar", avisou.
O ex-diretor do Inepac disse, também, que é preciso tirar os órgãos de patrimônio do jugo de secretarias Municipais e Estaduais, de forma que não se transformem em um instrumento para atender "as vontades políticas dos secretários e secretárias". E, ainda, mudar as leis para criar mecanismos de gestão que funcionem de fato, e não sejam "apenas uma formalidade protocolar do sistema".
Em resposta ao Jornal Toda Palavra sobre quais providências serão tomadas para evitar o agravamento das condições precárias do prédio, a secretaria de Estado de Planejamento e Gestão informou em nota que realizou há uma semana a limpeza do terreno, em conjunto com a Companhia de Limpeza de Niterói. A nota diz ainda que o local está isolado, e que será realizada uma licitação para reparo do muro.

"O prédio está inserido em um projeto da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, ainda em desenvolvimento, que visa promover o adequado uso dos imóveis que não estão em utilização pela administração estadual. Estão previstas intervenções pontuais e emergenciais no imóvel para garantir sua guarda e conservação", diz a nota.
O Palacete da Praia Grande
O Palacete da Praia Grande, também chamado Palácio São Domingos e Palácio de Niterói, é um edifício de linhas clássicas localizado na esquina da Rua Marechal Deodoro com Visconde do Uruguai, no Centro. É o primeiro imóvel e a que mais tempo tem abrigado órgãos da administração pública estadual do Rio de Janeiro, e o primeiro incorporado ao patrimônio.

O prédio original foi construído, provavelmente, no início do século XIX, tendo pertencido ao negociante de escravos apelidado de "O Cheira". Compunha-se de um sobrado e uma construção térrea, entre as quais havia um grande espaço com oito portões, possivelmente destinado às cavalariças. Quando D. Pedro I o adquiriu por 6.000$000 Rs., passou a ser denominado de "Palacete da Praia Grande". O Imperador e Dona Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, passaram as festas de São João, em 1824, em suas dependências.
Após o falecimento de D. Pedro I, em 1834, e com a elevação da vila à condição de cidade e capital da província, em 1835, o palácio, agora dito "de Niterói", foi alugado pelo governo provincial para nele instalar a Tesouraria e Guarda Policial bem como a Tesouraria Geral. O aluguel era pago à Casa Imperial ou ao representante do espólio de Sua Majestade. Tendo ido a leilão por discordância entre os herdeiros, o então Presidente (atualmente cargo de Governador) da Província do Rio de Janeiro, Honório Carneiro Leão, futuro Marquês de Paraná, o arrematou por 23.228$666 Rs., tendo sido o primeiro imóvel incorporado ao patrimônio da província.

Durante algum tempo, uma de suas dependências funcionou como abrigo para os bondes de tração animal. Foi nas cocheiras do abrigo que iniciou-se um grande incêndio que causou enormes danos aos prédios. Já no Período Republicano, por volta de 1910, o Presidente do Estado, Alfredo Backer, mandou reconstruir os edifícios, além de um terceiro, entre os dois, para abrigar os serviços públicos. Desde então, o imóvel tem abrigado órgãos da administração pública estadual.
O Palácio São Domingos, mesmo tendo sofrido diversas alterações ao longo dos anos, continua sendo um prédio que enriquece visualmente o bairro histórico do centro da cidade. O prédio foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac - através do processo E-18/300.002/84, em 27 de agosto de 1990.
Atualmente, em uma parte da edificação funciona um Restaurante Popular Municipal e uma agência bancária que mantêm esta área do prédio preservada.
*Nota da redação: a matéria foi modificada em 8/3, pois Claudio Prado de Mello desde janeiro de 2021 não é mais diretor do Inepac, embora ainda conste como titular do cargo na página da Estrutura organizacional do órgão.