Investigação revela os neonazistas que assombram o Brasil

Como alguém ainda ousa dizer que o nazismo acabou com o fim da Segunda Guerra Mundial? Nas últimas décadas, os chamados neonazistas foram tratados como uma minoria insignificante, incapaz de reorganizar o movimento que varreu a Europa nos anos 1930, levando o mundo a um conflito global. Atualmente, assistimos em choque a uma nova onda de extrema-direita que paira sobre o Ocidente, do Batalhão Azov, na Ucrânia, a diversos outros países, inclusive o Brasil.
Por aqui, a ascensão de grupos de extrema-direita foi constatada pelo mapa elaborado pela antropóloga Adriana Dias, que se dedica a pesquisar o neonazismo brasileiro desde 2002. Ela mostrou que existem pelo menos 530 núcleos extremistas, em um universo que pode chegar a 10 mil pessoas. Isso representa um crescimento de 270,6% de janeiro de 2019 a maio de 2021. Esse contingente coloca o Brasil na sétima posição em um ranking sobre o crescimento do nazismo elaborado pelo portal SaferNet Brasil.
Nesta reportagem, a Sputnik Brasil investigou quem são os nazistas brasileiros a partir de importantes questionamentos: onde estão? O que planejam? E por que estão tão interessados no conflito na Ucrânia? São perguntas que carecem, além de respostas precisas, de uma ampla investigação por parte das autoridades.
Afinal, apesar da lei, como será mostrado em imagens nesta reportagem, ainda é possível encontrar no país adeptos dos ideais nazistas, genocidas e racistas de Adolf Hitler e dos diversos movimentos de extrema-direita, entre integralistas e as muitas variantes do ultranacionalismo — difundido entre grupos menores, mas não menos perigosos, que também praticam xenofobia, racismo, antissemitismo, e partilham da crença de que o mundo é controlado por banqueiros judeus.
Teorias da conspiração são amplamente difundidas entre os grupos, de onde cresce o broto do neonazismo brasileiro. O sociólogo Leonardo Puglia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explicou que as variantes da extrema-direita se assemelham em muitos pontos, "principalmente no conservadorismo das tradições raciais e de classe, que mantém uma ideia utópica de pátria. A principal diferença é que a extrema-direita é radical e, ao defender as suas bandeiras, quer eliminar o adversário".
Páginas se proliferam como vírus
Os neonazistas brasileiros apresentam suas páginas e publicações nas redes sociais sem nenhum pudor. Seu objetivo é recrutar seguidores e promover uma fagulha em um palheiro. Se uma página é derrubada, em seguida aparecem outras. As publicações, no entanto, mudam pouco, voltando a trazer o mesmo conteúdo: discursos de Hitler, memes antissemitas, ataques à Rússia e ao presidente Vladimir Putin, ódio aos comunistas e, claro, teorias da conspiração.

O Canais Antissemitas BR, presente em algumas redes, reúne milhares de publicações indicando os mais recentes canais neonazistas e antissemitas que foram abertos. Em outras ocasiões, são apresentados livros digitais ou mesmo links para sites onde estão armazenadas grandes bibliotecas on-line. Nesses portais são feitas publicações dos ministros e generais de Hitler, bem como de diversos livros que promovem a "pureza da pátria" e negam o Holocausto.
O Canais Antissemitas BR é atualizado diariamente, e há inclusive uma página reserva (com o mesmo nome), com backups atualizados, caso a outra seja derrubada.

Embora haja diversas páginas, em muitos idiomas, como a Nuestra Lucha (em espanhol, mas com milhares de brasileiros), enaltecendo a sociedade desejada por Adolf Hitler, chamaram atenção as páginas Revisionismo Histórico, Desfragmentando a Sociedade e Nazi Talk. As três em especial compartilham vídeos e "aulas" defendendo uma sociedade centrada na figura de um Estado opressor. As publicações também questionam a origem da escravidão na América Latina e as mortes durante o Holocausto, defendendo a tese de que globalistas criaram uma narrativa para oprimir a liberdade das pessoas.




O canal Nacionalistas, por sua vez, enaltece a figura de Adolf Hitler a partir do que entendem por uma visão cristã do histórico chefe de Estado alemão. Atividades nazistas em público, como pichamento de calçadas com a suástica em Ribeirão Preto, em São Paulo, ganham homenagens com fotos e publicações especiais, levando para o site. Nele esconde-se uma teia de teorias que explicam os mais diversos eventos no mundo sob argumentos absurdos, como o de que a Europa é varrida por uma onda comunista e o de que a vacina é um instrumento de controle social.

Há outros canais menores, como o Conselho Conservador Identitário Nacional, com pouco mais de mil participantes, e outros maiores, como o Cristãos pela Pátria, com quase 9 mil, que recentemente compartilhou trechos do livro "Mein Kampf" (Minha Luta, em português), de Hitler, e teorias da conspiração envolvendo Winston Churchill e o satanismo. São apenas exemplos, e nas imagens expostas nesta reportagem, evitou-se ao máximo publicizar o imenso material racista e de ódio espalhado por esses grupos. Com crescimento quase diário de novos adeptos, as páginas se proliferam pelas redes como um vírus. Pequenos acontecimentos no mundo são transformados em latentes evidências de que o planeta é governado por "esquerdistas".

Como explicou Leonardo Puglia, "eles se movem por uma utopia, um retorno a um passado ideal, onde não existia esquerda, e ela é vista como um mal. A extrema-direita se apresenta como conservadores e liberais buscando aceitação social, mas eles estão longe de Edmund Burke, John Locke e Adam Smith".
Segundo ele, esses grupos "atuam na política com o objetivo de restaurar um passado. É a revolução conservadora, que movia o fascismo. Na prática, o principal eixo que move a extrema-direita é o anticomunismo. Ela se move querendo eliminar a esquerda. A extrema-direita quer destruir qualquer bandeira progressista, pois se sente ameaçada pela conquista de direitos desses grupos, que a ameaçam na hierarquia social".
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A Ação Integralista Brasileira (AIB) nasceu nos anos 1930, a partir de um descontentamento generalizado com um conjunto de fatores sociais. O período tornou fértil a teoria de um movimento que se propunha a construir uma "nova sociedade", cujos pilares seriam a renovação espiritual frente ao materialismo capitalista, a disciplina, a hierarquia e o fortalecimento do Estado, destruindo a velha sociedade do liberalismo desenfreado, do individualismo egoísta.

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No Brasil, um país amplamente miscigenado, o integralismo retirou a discussão sobre a questão racial do campo das ciências e da razão e a transportou para o campo da moral e dos valores. A negação do racismo foi, inclusive, utilizada como marco divisório entre o integralismo e o nazismo alemão, possibilitando às lideranças integralistas no Brasil a elaboração de um discurso crítico ao nazismo e ao seu "imperialismo racista". De lá para cá, entretanto, o nazismo alemão foi apenas um direcionamento ideológico para os novos nazistas que surgiram, também chamados de neonazistas.
Esses grupos atualmente não mais se escondem. Eles andam soltos, livres, por vezes debochando do trabalho das autoridades, que "sofrem" com a cadeia de dificuldades imposta pelas gigantes redes sociais para encontrá-los. Embora não haja um número preciso, com segurança pode-se dizer que, para cada página fechada por determinação da Justiça, no mínimo outras duas são criadas em seguida. O trabalho das autoridades, da Polícia Federal e do Ministério Público tem sido implacável, embora insuficiente diante da complexidade do problema.

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