Jourdan Amóra e a alquimia da notícia
- Da Redação
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Por Luiz Augusto Erthal
Jourdan Amóra significa para mim um dos últimos representantes de um estilo de jornalismo que não existe mais, cujo crepúsculo testemunhei nos últimos quarenta e tantos anos, desde quando entrei, como foca, com 16 anos, na redação do lendário diário Luta Democrática, que também vivia àquele tempo o seu epílogo.

Como eram parecidos os jornais valorosos e os destemidos homens da imprensa independente desse tempo que elevou o jornalismo a um quase sacerdócio do heroísmo, posto que a verdade não é espada manuseada por mãos de covardes e pusilânimes. Eles se igualavam dentro do estereótipo das redações enevoadas pela fumaça dos cigarros acesos, pelo cheiro da tinta que subia das oficinas gráficas, normalmente instaladas sob o nível de tábuas corridas onde ficava a redação, e pelo papel jornal cuspido dos prelos com o poder de influenciar - para o bem ou para o mal - aquela sociedade cuja história se registrava “a quente”, como se diz no jargão da impressão tipográfica.
Acima das caldeiras infernais das linotipos, onde as linhas de tipos fundidos compunham as matrizes de impressão do jornal do dia seguinte, a verdadeira alquimia acontecia sob a pressão do tempo que comandava a vida e o frisson das redações. O cigarro pendido no canto da boca, o olhar fixo na lauda enrolada por dentro da máquina de escrever, com suas teclas negras freneticamente tamboriladas pelos dedos ágeis de alguém com o cabelo desgrenhado, a gravata afrouxada no pescoço e a missão de narrar algo que precisava chegar urgentemente ao conhecimento do público.
A notícia! Ah, esse registro instantâneo de um acontecimento e a forma como apresentá-lo era o que distinguia aqueles alquimistas, herdeiros da arte negra de Gutenberg sob a forma mais dramática da imprensa - o jornal. Em “A Tribuna”, seu laboratório particular, Jourdan era o mago que tirava dos fatos cotidianos de Niterói e do Estado do Rio o ouro mais puro e refinado - a notícia fidedigna, certeira, depurada, uma mercadoria intangível e inegociável, entregue diariamente ao público de manhã cedo para alimentar as consciências com o trigo da verdade, assim como o pão nosso de cada manhã fortalece o corpo para a rotina cotidiana.
Sua morte é a ruptura de um segmento histórico de uma das mais coerentes linhas de defesa do mais puro e verdadeiro jornalismo, amalgamado pela alquimia dos laboratórios das velhas redações da imprensa livre. A fórmula da mágica, porém, está aí, como legado desse mago-repórter transmitido às novas gerações de jornalistas: credibilidade, honestidade e um compromisso de vida ou morte com a justiça e a verdade.
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O jornalista Jourdan Amóra, Editor Chefe do jornal A Tribuna e um dos ícones de resistência da imprensa fluminense, faleceu na manhã deste domingo, 18 de outubro, vítima de falência múltipla dos órgãos, no CHN, onde estava internado há alguns dias. O velório acontece nesta segunda-feira (20), no Cemitério Parque da Colina, na Estrada Francisco da Cruz Nunes, 987, em Pendotiba, Niterói, das 12h45 até às 14h45, com sepultamento logo em seguida.
Leia matéria completa sobre a trajetória de Jourdan no portal de notícias de A Tribuna: https://atribunarj.com.br/materia/morre-jourdan-amora-diretor-do-jornal-a-tribuna