Lincoln de Araújo prega a defesa da escola republicana

Entrevista a Luiz Augusto Erthal
A escola pública é uma “máquina para a democracia”. Com esta citação de Anísio Teixeira, o professor Lincoln de Araújo Santos dimensionou, em sua primeira entrevista - concedida ao jornal TODA PALAVRA - como secretário de Educação de Niterói, a importância do ensino público para a sociedade brasileira, cujos pilares democráticos voltam a ser ameaçados com o recrudescimento, nos últimos anos, da extrema direita e do fascismo no país.
Não bastassem os ataques promovidos recentemente por bolsonaristas contra as instituições democráticas em todos os níveis, em Niterói a comunidade escolar do município viveu momentos de apreensão diante da proposta do ex-secretário de Educação, Vinícius Wu, de suprimir as eleições diretas para diretores de escolas. O retrocesso, somado a um comportamento visto pelos professores da rede como autoritário, lhe custaram o cargo.

Para Lincoln, as eleições diretas dos diretores escolares é um “princípio republicano” respaldado pela Constituição de 1988, que deve ser respeitado, a par da valorização do projeto político pedagógico. Destacou que o seu objetivo à frente da secretaria de Educação é “construir e aprimorar no dia a dia uma escola pública republicana, para todos”.
Lincoln deixa a direção da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF-Uerj) para assumir a pasta da Educação na cidade que reúne o maior conjunto de obras do arquiteto Oscar Niemeyer depois de Brasília. Entre elas estão os Cieps, considerado por ele “o maior símbolo da vitória da democracia popular contra o arbítrio''. Falando com emoção do projeto educacional criado por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, ele sinaliza que os Cieps existentes na cidade se confundem com as obras do Caminho Niemeyer, “lembrando ao povo de Niterói que é possível uma sociedade justa, solidária, democrática e afetuosa”.
Lincoln de Araújo Santos é mestre em Educação pela UFF e Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (Uerj). Foi secretário municipal de Educação e Cultura da Prefeitura de Nilópolis entre 1994 e 98 e subsecretário de Estado de Educação do Rio de Janeiro em 2000. No período entre 2003 e 2004, atuou na Secretaria Municipal de Educação de Niterói como Superintendente de Desenvolvimento de Ensino e participou das discussões relativas ao Plano Municipal de Educação de Niterói.
Leia a entrevista completa:
TP - Recentemente a comunidade escolar de Niterói travou um debate em torno da democracia interna da rede pública de ensino, diante de uma tentativa do ex-secretário municipal de educação - abortada diante das muitas críticas - de suprimir o processo de eleição direta para diretores escolares. Qual a sua opinião sobre isso?
Lincoln - A gestão democrática é um instituto garantido no Capítulo da Educação de nossa Constituição Federal. O Plano Nacional de Educação tem a GD como uma de suas metas. Desta forma, Niterói vem cumprindo as determinações legais. As eleições de diretores devem ser percebidas como um ganho político do movimento de educadoras e educadores e que tem origem nas lutas em defesa da educação pública travadas no processo de redemocratização do país, nos.anos 1980. A gestão democrática se qualifica com as eleições diretas para as direções porque é uma princípio republicano, porém, temos que perceber que a gestão democrática é um processo pedagógico a ser construído no dia a dia da escola, porque envolve os atores que compõem a (con)vivência escolar: alunos, servidores, responsáveis pelos alunos, professores e todos aqueles que interagem com a escola. A GD deve promover os princípios de solidariedade, tolerância, diálogo e respeito mútuo. Vejo também a importância de se valorizar o projeto político pedagógico, outro elemento importante da GD.
TP - Embora relativamente pequena, a rede municipal de Niterói vive o desafio permanente de competir em termos de qualidade com uma rede privada que, a um custo considerável para sua clientela, oferece em muitos casos um padrão de ensino de excelência. Qual é, na sua opinião, o caminho para que a população mais pobre tenha um ensino a um nível quase só acessível à classe média?
Lincoln - Nos últimos anos, com os investimentos públicos garantidos pela Constituição de 1988, houve uma lenta inflexão de renovação da escola pública e valorização do magistério, a partir da efetivação do FUNDEB como principal matriz de financiamento da educação pública. O que vem ocorrendo nos dias atuais é o deslocamento das classes médias à procura das escolas públicas pelo serviço que oferecem, garantindo um ensino de qualidade, merenda escolar, livro didático, transporte, tecnologias, etc. Esta foi uma das vitórias da democracia diante do regime civil militar imposto ao país no período de 1964-1985.
Existe no Brasil uma tradição onde escolas privadas oferecem em seus projetos pedagógicos um desenvolvimento do ensino reconhecidamente importante. Escolas confessionais, comunitárias e de iniciativas de educadores e de suas famílias são exemplos desta trajetória e que merecem o nosso respeito.
A professora Maria Yedda Linhares, secretária de educação dos tempos de Brizola, sempre afirmou: "a escola pública brasileira precisa tornar-se republicana..." Precisa universalizar-se, garantindo o acesso a todos, independentemente de classes sociais, como um direito, fundado como uma conquista da revolução francesa e das lutas populares no mundo. Anísio Teixeira vai afirmar que a escola pública é a máquina para a democracia, vista como um processo de garantias dos direitos e de participação social.
Niterói está neste caminho, construindo e aprimorando no dia a dia esta escola pública e republicana, uma escola para todos, promovendo uma qualidade socialmente referenciada pela sociedade.
TP - Niterói é a cidade que reúne, depois de Brasília, o maior número de obras do arquiteto Oscar Niemeyer. Entre elas estão alguns Cieps (dois dos quais foram municipalizados recentemente). Qual a sua opinião sobre o resgate desse projeto, concebido por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, e sobre a implementação do turno único em toda rede escolar?
Lincoln - Os Cieps são o maior símbolo da vitória da democracia popular diante do arbítrio, do Estado autoritário e de um modelo econômico excludente e de promoção da desigualdade social.
Quando vejo os Ceips, vejo ali as linhas retas e curvas que vêm da Pampulha, atravessam o complexo arquitetônico de Brasília e o sentimento de que o futuro deste país é o do desenvolvimento somado à justiça social. Quem desenhou e imaginou os Cieps foi um comunista, o gênio Oscar Niemeyer.
Quando aprecio um Ceip, me emociono com a utopia civilizatória de Darcy Ribeiro, que entendia o povo brasileiro a partir das matrizes complexas que se cruzam amalgamando uma nação singular. O Ciep, para Darcy, sintetizava a escola livre, brasileira culturalmente, onde as expressões africanas, indígenas e caboclas se manifestavam como direito à memória e à (re)construção nacional. Os Cieps seriam uma grande festa, um encontro e o lugar das tribos que sempre foram oprimidas pelas perversas classes dominantes do país. Vejo nos Cieps as Escolas Parque, da Bahia, pensadas nos princípios do escolanovismo de Anísio Teixeira.
Os Cieps são o símbolo de um gaúcho que não esqueceu de sua própria trajetória na escola do Sul, como aluno: firme no ensino, construída para receber todas as crianças. Brizola era obstinado pela educação e sua experiência como prefeito de Porto Alegre demonstra a coragem, o zelo e a forma.destemida de como priorizou a construção de escolas. Queria isso pra todo o Brasil: uma escola presente, que ensinasse a ler, escrever e contar, elementos pedagógicos tão simples e complexos ao mesmo tempo, mas que conjugados promoveriam a ascensão social daqueles que antes eram excluídos.
Este 2022 é o ano para celebrarmos o centenário de nascimento de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro como forma de, ao olharmos para estas duas figuras, reaquecermos os nossos corações na crença de que as lutas pelas liberdades e pelos direitos sociais, na defesa da escola pública republicana, são processos que nos animam a reconstruir a democracia no país, nestes tempos tão incertos.
O Caminho Niemeyer é também o emblema de longa trajetória de Brizola e de Darcy e de muitos outros. As linhas e curvas das obras que alí se encontram demonstram que as utopias libertárias e socialistas pulsam a cada momento. Os CIEPS também estão ali no Caminho Niemeyer, como que teimosamente lembrando ao povo de Niterói que é possível uma sociedade justa, solidária, democrática e afetuosa.