'Missão cumprida': cinismo e acinte - Por Waldeck Carneiro
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'Missão cumprida': cinismo e acinte - Por Waldeck Carneiro


Por Waldeck Carneiro*


Em duas sessões de tomada de depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, que apura ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (CPI da Pandemia), causou estupor e indignação a participação do ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. É bem verdade que outras participações naquela CPI também já tinham suscitado aqueles mesmos sentimentos, como no caso do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que, adotando tom surpreendentemente moderado, bem diferente daquele que costumava usar nas redes sociais, chegou a afirmar que jamais adotara qualquer atitude ofensiva à República Popular da China, maior parceiro comercial do Brasil. Como se sabe, quando no exercício do cargo, o ex-chanceler brasileiro achincalhou publicamente a China, em diversas ocasiões, chegando a fazer referência jocosa ao que chamou de “comunavírus”.

Porém, o ex-ministro da Saúde se destacou na CPI nos quesitos “patranha”, “cinismo” e “blindagem presidencial”. Tendo chegado ao Ministério da Saúde com fama de especialista em logística, dele saiu pela porta dos fundos, após demonstrar que era um fiasco em logística, estatística e linguística. Durante sua oitiva na CPI, teve o desplante de criticar o teor das questões formuladas pelos senadores; deu respostas sinuosas e evasivas; mentiu para proteger o presidente, chegando a afirmar que jamais recebera qualquer orientação ou ordem de Jair Bolsonaro sobre a gestão da pandemia; minimizou as três semanas de falta de oxigênio em Manaus, reduzindo o período para “apenas três dias”; e, como culminância da verdadeira ópera bufa por ele protagonizada, afirmou, em resposta à pergunta sobre o motivo de sua demissão do cargo de ministro da Saúde: “missão cumprida”!

Ora, a que aspectos do cumprimento da missão ministerial o desastrado general se referia? Aos mortos por asfixia em Manaus? Aos meses de desprezo à oferta de vacinas pela Pfizer e outros fabricantes, o que redundou em grave atraso no processo de imunização e, logo, no aumento exponencial de óbitos? Aos investimentos em cloroquina e outras substâncias comprovadamente ineficazes para combater a covid-19? À tentativa de atrapalhar a produção da Coronavac pelo Instituto Butantã? À absoluta falta de transparência sobre as diretrizes e estratégias de sua gestão para conter a pandemia? Ao seu passeio em shopping sem usar máscara de proteção? À superação da funesta marca de mais de 300.000 mortos, quando de sua saída do Ministério da Saúde?

Mas o “general da banda dos mortos” estava sorridente no domingo (23/05/21), no Aterro do Flamengo, no palanque improvisado, ao lado de Jair Bolsonaro, ao final do absurdo passeio de moto promovido por bolsonaristas, com apoio e presença do próprio presidente, evento que provocou diversos momentos e pontos de aglomeração, no trajeto da Barra da Tijuca ao Flamengo. Novamente sem máscara, assim como o presidente e seus asseclas, descumprindo normas em vigor na Cidade do Rio de Janeiro, que obrigam o uso de máscara em espaços públicos, Pazuello, cinicamente animado, chegou a fazer uso da palavra no ato, cuja realização é um inequívoco acinte à memória de nossos quase 450.000 mortos e ao sofrimento de suas famílias consternadas.

Engano seu, general: sua missão não estava cumprida! Tendo em vista a forma como seu governo, a começar pelo próprio presidente, deprecia a pandemia, a ciência, a vacina, o distanciamento social, o uso de máscara, ou seja, faz pouco caso da vida e da morte, despreza o sofrimento humano, desrespeita a memória dos que pereceram, sua missão, por essa lógica baseada na necropolítica, deveria ter sido “alcançar a marca de 500.000 mortos”. Até nisso seu planejamento falhou, general, pois atingiremos o deplorável número de meio milhão de mortos “apenas” na última semana de maio, dois meses depois de sua saída do Ministério da Saúde.

O sentimento de missão cumprida verbalizado pelo general revela uma postura cínica e acintosa. Ele e seu chefe, a quem deveria simplesmente obedecer, como revelou descontraidamente o então submisso ministro em vídeo veiculado nas redes sociais, ainda serão responsabilizados por esse genocídio. A resposta contundente das urnas, em 2022, não será suficiente! Eleição não é tribunal. Derrota eleitoral não é sentença condenatória. O general e seu presidente precisam de julgamento e de condenação em relação às mortes pelas quais são inapelavelmente responsáveis.


*Waldeck Carneiro é Professor da UFF e Deputado Estadual (PT-RJ)

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