Morre dona Ismélia Silveira, eterna 1a dama do Estado do Rio
Sessenta anos depois da morte trágica do marido, o ex-governador Roberto Silveira, dona Ismélia Saad Silveira, chamada amorosamente pelos fluminenses de "eterna primeira dama do Estado do Rio", morreu na noite deste sábado, 13 de março, dia em que completou 91 anos. Ela morreu no mesmo apartamento no bairro de São Francisco em que viveu os últimos 70 anos, desde que casou e foi trazida pelo marido de Bom Jesus do Itabapoana para Niterói, então capital do estado, em 1951.
Foi nesse apartamento em que ela criou os três filhos, o jornalista Jorge Roberto, a museóloga Maria Auxiliadora e socióloga Márcia, que eram pequenos quando Roberto Silveira morreu. Jorge Roberto recebeu a herança política do pai. Cumpriu dois mandatos de deputado estadual e foi eleito quatro vezes prefeito de Niterói. Ele repetiu de certa forma a capacidade de Roberto Silveira de marcar sua trajetória política de uma forma transformadora e indelével, como se percebe hoje facilmente na cidade de Niterói.
Reconhecida pela simplicidade, delicadeza e elegância, dona Ismélia representava um forte elo emocional dos fluminenses com o líder trabalhista - uma das maiores expressões políticas da Velha Província - morto prematuramente em 1961, após o helicóptero em que viajava sofrer uma queda no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, no dia 28 de fevereiro de 1961. Ele tinha apenas 37 anos e estava no segundo ano de um mandato de governador cujas marcas estão presentes até hoje no Estado do Rio.
A causa da morte de dona Ismélia não foi revelada. O corpo foi cremeado na tarde deste domingo, 14, em cerimônia particular no Cemitério do Parque da Colina e as cinzas, levadas pelo filho, Jorge Roberto, foram depositadas no mausoléu do governador Roberto Silveira no Cemitério do Maruí, em Niterói. O prefeito Axel Grael decretou luto oficial de três dias na cidade.
A "dor que nunca tem fim"
Em entrevista concedida em 2014 ao jornal O Norte Fluminense, dona Ismélia relembrou o namoro e o casamento com Roberto Silveira, que conheceu ainda jovem em Bom Jesus do Itabapoana. Ela falou também da "dor que nunca tem fim" causada pela morte do marido e revelou a importância do cunhado Badjer Silveira - eleito também governador depois da morte de Roberto e cassado após o Golpe Militar de 1964 - na criação dos filhos.
"Quando Roberto faleceu , meu filho Jorge tinha 8 anos, a Dôra [Maria Auxiliadora] tinha 5 e a Márcia, 3. Foi um momento de muita dor, que nunca tem fim. Badger era o irmão mais velho do meu marido e foi um segundo pai para meus filhos quando Roberto morreu. Ele morava com a Renee e seus oito filhos no mesmo prédio em que eu criei meus 3 filhos. Hoje, minha satisfação é saber que todos os meus filhos e netos são bem sucedidos, com suas vidas organizadas", contou a eterna primeira dama.
Ainda com as lembranças dolorosas afloradas, mesmo depois de mais de meio século da tragédia de Petrópolis, dona Ismélia também revelou o papel importante dos seus pais naquele período difícil:
"Minha vida com Roberto Silveira foi maravilhosa. Ele era um ótimo pai, um excelente marido. Nós éramos tão jovens, com as crianças pequenas... Sinto uma imensa saudade dele... Foi uma grande perda.. Se não fosse meu pai e minha mãe me dando apoio, não sei como eu teria forças para enfrentar tudo isso... Relembrar os fatos é muito doloroso para mim..."
Apesar do estilo discreto, procurando manter-se sempre oculta dos holofotes políticos e sociais, dona Ismélia compartilhava dos ideais progressistas do marido e acreditava na necessidade de transformação preconizada pelo Trabalhismo, como deixou claro ao ser perguntada na mesma entrevista sobre o conselho que daria para as novas gerações:
"Cada um deve lutar para ter sua profissão, fazer valer a sua cidadania e ajudar a construir um mundo melhor."
Ismélia e Roberto
Ainda na mesma entrevista, dona Ismélia relembrou o encontro e o namoro com Roberto até o casamento deles em Bom Jesus do Itabapoana. Abaixo, a transcrição dessa narrativa com riqueza de detalhes e repleta de ternura daqueles dias felizes no Noroeste fluminense:
"Na minha adolescência, a casa de meus pais era onde hoje fica a residência da Alda, esposa do Joaquim Relojoeiro. A da família do Roberto ficava exatamente ao lado, onde agora está o escritório da AMPLA [atual Enel]. Naquela época, era muito comum as famílias colocarem cadeiras na calçada para se relacionarem com os vizinhos. Frequentemente, meu pai e minha mãe conversavam com seu Boanerges e dona Biluca, pais do Roberto. Isso fazia parte da rotina deles.
Nesse tempo, Roberto tinha 23 anos, já era Deputado e morava em Niterói. Sempre que podia, vinha a Bom Jesus. Mas nunca coincidia de nos conhecermos porque eu estudava num internato de freiras em Campos e as minhas férias, que eram curtas, nunca coincidiam com as vindas dele. Mais tarde, porém, fui saber que dona Biluca ficava no ouvido dele dizendo para me namorar: “Nossa vizinha é gente boa”. Há até um ditado que eu não sei se é libanês ou brasileiro mas que talvez ilustre bem o pensamento tanto de meus pais quanto dos pais de Roberto: “Case sua filha com o filho do vizinho”. Acabou acontecendo isso.
Fui conhecer Roberto num baile da Rainha da Festa de Agosto, no antigo Colégio Pereira Passos, que hoje leva o nome dele. Lá pelo meio do baile, Roberto me tirou para dançar. Eu aceitei, claro. Enquanto dançávamos ele me perguntou: “Quantos anos você tem?”. Eu disse: “Dezenove”. “Você tem namorado?”. “Não”. “Então eu vou pedir a seu pai para te namorar”. “Pelo amor de Deus, não. Papai jamais vai deixar”.
Pouco tempo depois, Roberto encontrou-se comigo na Praça e, sem eu perceber, fomos conversando até minha casa. Meu pai estava na porta. Morri de medo. Mas ele falou: ”Dr. Roberto, vamos conversar”. Claro que papai notou que havia algo entre nós.
Começamos a namorar e Roberto queria casar logo porque, naquela época, levava-se um dia inteiro de viagem de Niterói a Bom Jesus. Namorar muito tempo era uma dificuldade. Mas a minha família estava construindo a casa na Praça Governador Portela e eu achava que deveríamos esperar o término da obra para nos casarmos.
Roberto costumava mandar cartas para mim, através da Déia Tavares, que era agente dos Correios. Ela recebia as cartas e as repassava para mim. Quando chegou a primeira, pedi à tia Alvina, irmã de mamãe, que a respondesse. Alguns dias depois de enviar a carta, recebi a resposta de Roberto que escreveu: “Gostei muito da sua carta, mas gostaria que, da próxima vez, você mesma escrevesse”. Também para falarmos ao telefone, tínhamos de utilizar os serviços do posto telefônico da Inah Borges, com hora marcada. Por exemplo: “a ligação será dentro de dois dias às 7h”.
Antes de Roberto pedir minha mão, seu Boanerges foi lá em casa conversar com papai. No dia em que ficamos noivos, mamãe serviu para todos uma taça de guaraná e um bombom “Sonho de Valsa”, que era o favorito de seu Boanerges.
Quando nos casamos, em 1951, a recepção foi no edifício Monte Líbano, recém construído. Chovia tanto que não foi possível o fotógrafo do Rio de Janeiro chegar a tempo. Este é o motivo porque não temos fotos da cerimônia e da festa. Restou apenas um pequeno filme feito pelo Badger. De qualquer maneira, o dia foi muito especial, apesar da chuva. E eu até hoje não sei como dona Alzira e o comandante Amaral Peixoto, que eram nossos padrinhos, conseguiram chegar a tempo."
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