MST ocupa 28 latifúndios em uma semana
Por Gabriela Moncau
Sob o mote 'Ocupar para o Brasil alimentar', jornada nacional de abril em defesa da reforma agrária ocorre em memória ao massacre de Eldorado do Carajás
Nesta quarta-feira (17), quando completam 28 anos do massacre de Eldorado do Carajás, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) contabiliza 28 ocupações de terras improdutivas realizadas pelo Brasil na última semana. O número já supera as ações do tipo feitas pelo movimento nos anos de 2019, 2020 e 2021, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
As ocupações em 10 estados mais o Distrito Federal envolvem cerca de 20 mil famílias e fazem parte da já tradicional jornada nacional de lutas realizada pelo MST no mês de abril. Neste ano, o lema é “Ocupar para o Brasil alimentar”.
O mais recente acampamento foi montado por 200 famílias durante a madrugada desta quarta-feira (17) na Fazenda Coqueirinho, no município de São Mateus (ES).
Em uma “carta ao povo brasileiro” sobre “o marco deste 17 de abril de 2024”, Dia Mundial de Luta Pela Terra, o MST explica as principais reivindicações da jornada nacional, com críticas ao que consideram insuficiente nas políticas de reforma agrária do governo Lula (PT).
“Lutamos porque 105 mil famílias estão acampadas e exigimos que o governo federal cumpra o artigo 184 da Constituição Federal, desaproprie latifúndios improdutivos e democratize o acesso à terra”, diz a carta do MST, ressaltando que “assentar é mais que distribuir ou regularizar terras”, mas também garantir acesso a políticas que “permitam o pleno desenvolvimento das pessoas e comunidades no campo”.
O movimento reivindica, ainda, infraestrutura básica e assistência técnica nos assentamentos, recomposição do orçamento de políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), formação de estoques de alimentos, regulação de preços e recurso para “viabilizar os 42 cursos já aprovados no Programa Nacional de Educação para Reforma Agrária (Pronera)”.
“A paciência é inimiga da fome e do abandono para quem está debaixo de uma lona preta”, afirmou o MST na carta. Na última segunda-feira (15), enquanto dezenas de latifúndios eram tomados por sem-terra, o governo federal lançava em Brasília o programa Terra da Gente.
No evento, o presidente Lula e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, anunciaram 17 caminhos legais para obter e disponibilizar terras para a reforma agrária, as chamadas “prateleiras de terras”.
Entre as opções, está a destinação para a reforma agrária de terras da União, a compra de propriedades de bancos e empresas públicas e a negociação de dívidas de estados com a União em troca de terrenos.
“O governo trazer a reforma agrária para a pauta foi um passo importante”, avalia Ceres Hadich, da coordenação nacional do movimento, “mas só vai se consolidar se a gente fizer muita luta”. A jornada, que também envolve ações como marchas, acampamentos, vigílias no Incra e doação de alimentos em 17 estados, acontece até a próxima sexta-feira (19).
“A ocupação é condição necessária para mostrar à sociedade que um, tem gente que precisa de terra. Dois, tem terra improdutiva. Três, é na luta que se conquista. É, portanto, também um instrumento de comunicação”, diz Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST.
“Se alguém diz que não tem mais terra para desapropriação, nós mostramos ‘olha aqui essa que não cumpre a função social, olha essa com trabalho escravo, olha essa com degradação ambiental, olha essa terra pública devoluta”, aponta. “É um instrumento poderoso de luta que, obviamente, não criado em gabinete. Foi criado pelo povo”, diz.
“Então fazer essa jornada era e está sendo fundamental e deu grande, deu boa. Quase a totalidade dos estados se mobilizaram. E não terminamos, a jornada segue”, avalia Gilmar Mauro.
Só em Pernambuco 13 ocupações
Até o momento, Pernambuco é o estado que concentra o maior número de ocupações de terra deste Abril Vermelho. De domingo (14) até esta quarta-feira (17) foram 13, envolvendo 5.301 famílias, de acordo com o MST.
Entre elas, a ocupação de terras da empresa Farm Fruit em Santa Maria da Boa Vista (PE), do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) em Serra Talhada (PE) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em Petrolina (PE).
Esta última já foi ocupada pelo MST duas vezes no ano passado. “[Em 2023 saímos da Embrapa com o compromisso de assentar aquelas 1.316 famílias que estavam acampadas. Mas isso não foi cumprido e agora voltamos para cobrar”, explicou Jaime Amorim, da coordenação nacional do MST em Pernambuco.
Montagem de acampamentos também ocorreram em Sergipe, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Norte, Paraná, Distrito Federal, Ceará, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia.
Conflitos e despejos
Duas das ocupações feitas pelo MST neste abril vermelho foram despejadas com violência por forças policiais e sem ordem judicial. Uma delas em Vila Boa de Goiás (GO), no entorno do Distrito Federal; a outra em Campinas (SP).
A Polícia Militar do governo de Ronaldo Caiado (União Brasil) retirou à força cerca de mil famílias que haviam ocupado uma área falida de oito mil hectares da usina da Companhia Bioenergética Brasileira (CBB).
A área de cerca de oito mil hectares está embargada pelo cometimento de crimes ambientais, segundo o Ministério do Meio Ambiente. De acordo com o MST, a ocupação aconteceu para pressionar pela desapropriação da usina, que foi oferecida à União como forma de quitar as dívidas tributárias e trabalhistas de cerca de R$300 milhões.
“Chegaram com força policial de 15 viaturas”, descreve Marco Baratto, dirigente estadual do MST no DF. Ele e outros quatro militantes foram detidos e, depois liberados. “Não tem lei aqui, é sem lei”, descreve. “Mas estamos firmes, as famílias estão mobilizadas”, completa.
O outro despejo foi feito pela Guarda Civil Municipal (GCM) de Campinas contra cerca de 200 famílias em uma área improdutiva, sob propriedade de uma empresa do setor imobiliário, a Zezito Empreendimentos Ltda.
A prefeitura de Dário Saadi (Republicanos) destacou guardas para fazer o despejo com bombas e tiros de bala de borracha e até um pastor alemão, se apoiando no decreto nº 16.920, que cria um “Grupo de Controle e Contenção de Ocupações, Parcelamentos Clandestinos e Danos Ambientais”. O dispositivo, no entanto, sequer foi respeitado. Entre os requisitos para a realização da reintegração, por exemplo, está o cadastramento das famílias, que não aconteceu.
A reportagem testemunhou que, agindo em nome de um decreto cuja função é, entre outras, “prevenir danos ambientais”, os guardas incendiaram, com suas bombas, parte da pastagem degradada do terreno. Tiveram que se reposicionar para parar de inalar a enorme quantidade de fumaça por eles próprios produzida.
Na estrada, em frente à entrada do terreno, as famílias cantaram gritos de ordem à tropa de choque da GCM, que permaneceu perfilada em defesa da propriedade cujo dono sequer havia acionado o poder público. “Vocês são filhos de sem terra, igual nós. Quando isso aqui virar condomínio, nenhum de vocês vai conseguir comprar uma casa aqui. É dura a realidade”, gritou um dos ocupantes.
Na noite desta quarta-feira (16), outra reintegração aconteceu no estado de São Paulo. Esta, com ordem judicial e sem violência. As cerca de 300 famílias deixaram a fazenda Globo Suinã, em Agudos (SP), após dois dias de ocupação com intimidações da Polícia Militar, quando o juiz Mauricio Martines Chiado, da 1ª Vara Judicial, concedeu a reintegração de posse.
“Em assembleia e em comum acordo com as famílias resolvemos recuar”, explicou Marcio Santos, da coordenação nacional do MST. “Combinamos que assim que a gente não for contemplado com os nossos objetivos, retomaremos o processo de luta e novas ocupações”, afirmou.
Ocupações de terra em curva crescente
“A jornada segue e, evidentemente, não é só isso que vão ser as mobilizações. Vão acontecer novos trabalhos, novas perspectivas. É possível que durante o ano aconteçam muitas outras ocupações”, destaca Gilmar Mauro.
O monitoramento do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT, mostra que nos últimos 20 anos, a quantidade de ocupações de terra feita por movimentos populares no campo teve o seu auge em 2004, com 511. Após uma sutil curva decrescente ao longo da década que se seguiu, o menor número de ocupações aconteceu entre 2019 e 2021, não chegando a 50.
Olhando especificamente para as ocupações do MST, os números acompanham a tendência nacional, com a principal baixa em contexto de pandemia e aumento da violência no campo sob o governo Bolsonaro. De 2021 para cá, no entanto, a curva volta a subir.
“Passado aquele período, mesmo que as condições atuais não sejam fáceis, há uma retomada de mobilização. E isso se mostrou agora nessa jornada. Não é só por vontade, é porque também o povo se deu conta de que é preciso”, analisa Gilmar Mauro, citando que, segundo o Instituto Fome Zero, 20 milhões de pessoas estão passando fome e 100 milhões não se nutrem adequadamente no Brasil.
“Embora haja crescimento econômico, há uma dificuldade imensa de grande parte da população obter rendimento suficiente para manter a vida”, observa o dirigente do MST. “É possível – não estou querendo vaticinar – que uma parte dessas classes trabalhadores que vivem em pequenas cidades, que tem vínculo com a produção agrícola, queiram acessar as lutas pela terra. É possível. Cheira isso”, avalia Gilmar Mauro.
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