Mundo injusto e desigual até na hora de salvar vidas

Organizações de ajuda internacional, filantropos e nações ricas se uniram em torno da promessa de garantir que todos os países obtenham as ferramentas necessárias para combater a pandemia, como equipamentos de proteção para equipes médicas, testes, medicamentos e vacinas. Mas fracassaram em escorar suas garantias com dinheiro suficiente.
Relatório divulgado pela People's Vaccine Alliance alerta que cerca de 70 países pobres ou em desenvolvimento só serão capazes de vacinar uma em cada dez pessoas durante o próximo ano, porque a maioria dos produtos mais promissores, entre elas a da Moderna, da Pfizer e da Astrazeneca, já foram comprados pelos países ricos.
A distribuição assimétrica das vacinas certamente irá piorar uma realidade econômica determinante: o mundo que emerge deste terrível capítulo da história será mais desigual do que nunca - alerta o relatório. Os países pobres continuarão a ser devastados pela pandemia, o que os forçará a gastar seus recursos escassos, já sobrecarregados por dívidas crescentes.
A economia global há muito é dividida por profundas disparidades em termos de riqueza, educação e acesso a elementos vitais, como água potável, eletricidade e internet. A pandemia exerceu seu poder de morte e destruição dos meios de subsistência sobre minorias étnicas, mulheres e famílias de baixa renda. Seu término provavelmente acrescentará mais uma divisão que pode moldar a vida econômica por anos, separando os países que têm acesso às vacinas daqueles que não têm.
Na Europa, nos Estados Unidos e na maioria dos países do Leste Asiático, os governos já compraram milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 e preparam os planos de vacinação para as populações.
Os países mais ricos, ou pelo menos com capacidade para comprar doses suficientes das vacinas e proteger a população da Covid-19, representam apenas 14% da população mundial. Contudo, já detêm 53% das vacinas mais promissoras.
Segundo o relatório, as nações mais ricas compraram doses suficientes para vacinar toda a população quase três vezes até o fim de 2021, se todas as vacinas atualmente em testes clínicos forem aprovadas.
Os Estados Unidos garantiram contratos para até 1,5 bilhão de doses de vacina, enquanto a União Europeia bloqueou quase 2 bilhões de doses - o suficiente para vacinar todos os seus cidadãos e mais alguns. Muitos países pobres podem ficar esperando até 2024 para vacinar integralmente suas populações.
Um grupo de países em desenvolvimento liderado pela Índia e África do Sul procurou aumentar a oferta de vacinas fabricando as suas próprias doses, de preferência em parceria com as empresas farmacêuticas que produziam as versões principais. Em uma tentativa de garantir a alavancagem, o grupo propôs que a Organização Mundial do Comércio (OMC) renunciasse às tradicionais proteções à propriedade intelectual, permitindo que os países pobres fizessem versões acessíveis das vacinas.
A OMC opera por consenso. E a proposta foi barrada por Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Europeia, onde as empresas farmacêuticas exercem influência política. O setor argumenta que as proteções de patentes e os lucros que elas proporcionam são uma condição necessária para a inovação que produz medicamentos que salvam vidas.
Os defensores da suspensão de patentes observam que muitos medicamentos de sucesso chegam ao mercado por meio de pesquisas financiadas pelo governo, argumentando que isto cria o imperativo de colocar o bem social no centro da política.
“A maioria das pessoas do mundo vive em países onde dependem da Covax para ter acesso às vacinas”, disse Mark Eccleston-Turner, especialista em direito internacional e doenças infecciosas da Universidade Keele, na Inglaterra. “É uma falha de mercado extraordinária. O acesso às vacinas não se baseia na necessidade. É baseado na capacidade de pagamento, e a Covax não corrige esse problema”.
Em 18 de dezembro, os líderes da Covax anunciaram um acordo com empresas farmacêuticas cujo objetivo seria fornecer aos países de baixa e média renda quase 2 bilhões de doses de vacinas. O acordo, que se concentra em vacinas candidatas que ainda não foram aprovadas, forneceria doses suficientes para vacinar um quinto das populações dos 190 países participantes até o final do ano que vem. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
O governo brasileiro não aderiu ao acordo. No Brasil, segundo a Fiocruz, a imunização da população não deverá começar antes de fevereiro.