Natal é Quando Nasce uma Família
Por Railane Borges
Então despencou do céu o vidro grosso que segurava a abóbada e o passado caiu sobre o presente durante a penetração da atmosfera. Tudo se entrelaçou como a forma do nosso DNA. O milagre quântico que deu corpo sólido aos sonhos inconscientes que recebi de sinapses em um misterioso estado de consciência humana. Poderia condensar a mesma energia em uma pedra, ou uma gota no vasto oceano. Mas não. Ciência, biologia e mágica, um pouco de cada e aqui estão eles. Seres caminhantes, cada qual dono do mistério da voz.

O céu rompido diante de mim é esse canal direto com tudo que me fez ser esta de agora. Neste momento se estabelece toda a eternidade da qual participarei. Mesmo finda e breve, a olhadela mais agradável através da brecha passa dentro dos olhos dos filhos que se põe sobre a terra.
Um curioso sempre teria se posto a sair da água. A caminhar em duas pernas e a olhar o tempo se perguntando do que é feito e como funciona. Talvez isto tenha nos feito o que somos. Mesmo que as perguntas jamais se respondam. Assim sendo, não podemos nunca parar. Por hora paro apenas o olhar em seus brincares infinitos.
A vida é muito mais sincera quando corre livre nos arredores dos passos leves dos meninos pequenos. Por hora, esse céu caído é o limiar do meu paraíso.
Estamos no décimo segundo mês do calendário gregoriano. Foi também o nascimento de um outro menino que fez surgir este novo mundo. Àquela mãe não foi dado o privilégio de terminar a vida na cronologia linear com que fomos presenteados. Os pais se vão antes dos filhos. Me pergunto se o círculo de fogo de Maria a fez sentir como me fez sentir. A ardência, o calor, a expulsão e finalmente o corpo quente de um ser feito em seu próprio ventre. Uma força maior que si embalando rumos e redesignando planos. Uma ave, uma manjedoura, um boi. Duas coisas diferentes são o aconchego e o luxo. Ali não se pensava em cruz.
O nascer é oposto a morrer, é o início, a partida, o começo. Nada na vida é mais importante que ver um fruto perseverar. Crescer apesar dos ventos. Se Natal é o nascimento de uma família, fatal é igualmente a sua morte.
Neste Natal muitas mães não terão a mesma sorte. Não consigo não pensar nelas. Em sua angústia, no que lhes foi roubado. Todos os dias. Cruzes invisíveis as mesmas de Cristo.
O lume das velas que acendo carregam muitas preces. Neste Natal que o amor cristão abrace em silêncio: as mães de Acari; de João Pedro, de Ághata, de Heloísa, de Ryan, de Davi… São infinitos os nomes… E também a dor. Por que celebramos a vida se insistimos na morte?
*Railane Borges é atriz e cineasta
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Texto lindo, parabéns pela sensibilidade.
Parabéns pelo texto, o meu sentimento de ler tal obra foi de que meus olhos ainda estão vendados e que não vejo o mundo de uma forma mais abrangente, percebi que temos que aproveitar os belos momentos o qual a vida nos dá e não ficar nesse mundo volátil em que vivemos.
Preces pelos q ficam, pelos q ja foram, pelos q virão 🙏🏻 Esse período sempre me lembra qdo eu ainda tinha meus avós e outros parentes q sempre estavam próximo e como hj meu núcleo familiar reduziu.
Gratidão sempre por tudo.
Sou muito fã dos textos da Rai. Esse aqui é uma grande reflexão …
Realmente o que fazemos entre o alvorecer e o anoitecer (da vida) é o que certamente nos definirá quando tivermos partido... Excelente texto.