O campeonato da vida
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O campeonato da vida

Por Apio Gomes


Desde o início do século passado, o futebol, que começou como um esporte dos filhos das elites industriais e financeiras, foi a pouco e pouco absorvendo as camadas mais vastas da população brasileira: os assalariados, como eram conhecidos nas décadas seguintes, de pleno emprego (quem não portava carteira de trabalho ou de estudante era detido por vadiagem para averiguação).

Na década de 1920, três fatos importantes foram responsáveis pelo início desta trajetória que transformou o velho esporte bretão em brasileiro nato: o surgimento do rádio; um clube de futebol que escalou negros pobres em seu time titular; e a construção do, então, maior estádio das Américas – estes dois últimos eventos patrocinados pelo Clube de Regatas Vasco da Gama.

Até os anos 1950, quando surgiu a televisão entre nós, a Rádio Nacional dominava a audiência em todo o Brasil (seguida pelas emissoras dos Diários Associados); por ser uma rádio oficial do Governo Federal, sua central de divulgação de notícia ficava no Rio de Janeiro, Capital federal.

Por esta razão, os times de futebol do Rio eram tão próximos de quase todos os estados brasileiros. Como era base da seleção brasileira, junto com São Paulo, a torcida foi se solidificando fora do Rio: em muitos lugares um clube carioca era o primeiro time do torcedor, porque o campeonato local era ainda muito incipiente. Somente o trio avassalador de gols – Pelé, Coutinho e Pepe – conseguiu fazer com que o Santos quebrasse esta hegemonia.

Os clubes brasileiros são essencialmente de seus sócios – hoje aumentado com o advento do sócio torcedor –, diferentemente de alguns clubes europeus que têm suas ações negociadas nas bolsas de valores. Isto significa dizer que, por exemplo, Vasco da Gama e Flamengo pertencem ao povo, por coração e razão: os vascaínos e os flamenguistas.

Em período tão negativo para a saúde do povo brasileiro, em que o governo central incentiva, em nome de uma economia cambaleante, a quebra de uma tradição nossa de isolamento compulsório – dentro de casa – de um familiar com tuberculose, caxumba, sarampo, catapora (doenças comuns nos tempos do futebol-arte), é inusitado que os presidentes dos dois maiores clube do Rio de Janeiro, em número de torcedores, fechem questão pela volta ao futebol.

Como futebol e tradição são irmãos siameses, é natural se recorrer a um ditado popular para se explicar por que estes dois clubes, casualmente, apresentam, hoje, o maior número de infectados pela coronavírus: “O castigo vem a cavalo”. Claro que não há motivo de regozijo em se ter notícia de seres humanos infectados.

Mas é lógico que nos outros dois grandes clubes cariocas – que lutaram bravamente, até o último segundo (até a prorrogação…), contra esta exposição insana de seus jogadores e, por extensão, de seus familiares – impregnaram, em seus atletas, o sentimento de responsabilidade pela vida.

Por isto, tricolores e botafoguenses devem se sentir orgulhosos de seus dirigentes; de seus jogadores; de suas camisas, de seus escudos. Mas que não fique somente nisto. Quando a pandemia for derrotada, na volta do papo na mesa de bar, além do “quem tem mais título?”, podem estufar o peito e perguntar: “Que clube lutou pela vida?”.

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