O equilíbrio da natureza como fonte de inspiração
Por Mehane Albuquerque
A despoluição e recuperação ambiental das lagoas de Itaipu e Piratininga, reivindicação antiga dos moradores da Região Oceânica de Niterói, não se resume apenas à eliminação do lançamento do esgoto em suas águas. Depende, também, da solução de problemas decorrentes do modo como se deu a ocupação na região — intensificada nos anos 1980 — com sucessivas intervenções humanas na paisagem nativa, degradação de áreas adjacentes e ausência de um plano de proteção e manejo ambiental capaz de cuidar do ecossistema lagunar como um todo.
A geomorfologia original da área costeira do estado do Rio inclui baixadas com lagoas cercadas, de um lado, por montanhas e, de outro, pelo mar, e que se situam em uma área de transição entre a vegetação de encosta da Mata Atlântica, planícies alagadiças, dunas de areia cobertas por vegetação de restinga, chegando até os manguezais.
Como grandes anfiteatros rochosos, as serras litorâneas demarcam o limite desse território, constituindo uma proteção natural ao sofisticado ecossistema que se estende por toda a orla fluminense e, ao mesmo tempo, abastecendo as várzeas e lagoas com águas das chuvas que vertem por rios e canais naturais do alto das encostas até o mar.
Muitos dos mecanismos de funcionamento autossustentável desse imenso viveiro de fauna e flora foram perdidos com a ocupação desordenada no litoral do estado do Rio. Interrompidos por especulação imobiliária, desmatamento, queimadas, aterros, desvio do curso de rios e canais, lançamento de esgoto in natura nas águas que abastecem o sistema lagunar e nas próprias lagoas, e exploração indiscriminada dos recursos naturais. Tudo isso acompanhado da falta de políticas públicas, de projetos ambientais efetivos, e também de planos de infraestrutura, uso do solo e zoneamento urbano.
Primeiros passos
Na Região Oceânica de Niterói não foi diferente. Até o início dos anos 1990, não havia água tratada encanada ou rede de coleta e tratamento de esgoto. Por várias décadas, a água usada pelos moradores vinha de poços artesianos, e o esgoto das casas e do comércio local fluía por ligações clandestinas até a precária rede de águas pluviais existente, ou por fossas sépticas que drenavam todo o material orgânico para os lençóis freáticos.
Com a instalação da rede de esgoto, a Região Oceânica deu o primeiro passo para evitar o colapso de seu sistema lagunar. Mas faltava ainda eliminar as ligações clandestinas, suspender o lançamento de efluentes em rios e canais, desobstruir o caminho da água da chuva, dotar os bairros de infraestrutura, proibir aterros, conter invasões, e reverter o processo de degradação das lagoas por outros meios: impedir o assoreamento, a sedimentação, a eutrofização e a consequente perda da vida aquática e do espelho d'água.
Medidas nesse sentido começaram a ser executadas pela prefeitura de Niterói a partir 2013, com a eliminação das conexões irregulares e despejos, dragagem de rios e canais, obras de pavimentação e drenagem e melhorias na mobilidade.
Mais recentemente, a secretaria municipal de Meio Ambiente, em parceria com a concessionária Águas de Niterói, ampliou a fiscalização de casas não conectadas à malha de esgotamento sanitário. Mais de 1,5 mil imóveis foram vistoriados e regularizados por meio do programa 'Ligado Na Rede'.
PRO Sustentável
Apesar de todos os esforços, para reverter a degradação do sistema lagunar havia, ainda, dois entraves. Primeiro, as lagoas de Itaipu e Piratininga são tuteladas pelo estado, através do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), que é o órgão responsável pela proteção e conservação de todas as lagoas costeiras fluminenses. Portanto, seria necessária uma ação conjunta dos governos municipal e estadual. E segundo: um projeto de recuperação eficiente demandaria investimentos robustos.
Assim surgiu o Programa Região Oceânica Sustentável (PRO Sustentável), um pacote de ações ambientais e obras de infraestrutura urbana, com o objetivo de preservar e recuperar os escossistemas da região. O plano foi elaborado a partir de dados embasados cientificamente e inclui não só a revitalização das lagoas e seu entorno, mas também leva em conta aspectos humanos e sociais. Um convênio de cogestão foi firmado entre a prefeitura de Niterói e o governo do Estado para tratar especialmente do sistema lagunar.
O prefeito de Niterói, Axel Grael, enfatiza que a cidade vem se firmando como referência em sustentabilidade e meio ambiente.
"Niterói conquistou índices positivos como 100% de abastecimento de água, 97% de oferta de rede para coleta de tratamento de esgoto e mais de 50% de área preservada, além de ser a melhor do Estado Rio e a segunda melhor cidade do país em limpeza urbana, de acordo com o Índice de Sustentabilidade de Limpeza Urbana. O PRO Sustentável tem papel fundamental na transformação da Região Oceânica, com avanços importantes na recuperação do sistema lagunar", afirma.
Axel ressalta que esse é um dos maiores planos de infraestrutura sustentável em andamento no país, talvez o único deste porte, com investimentos da ordem de US$ 100 milhões e financiamento do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Engloba sete núcleos de projetos que estão atualmente em execução: Lagoa de Piratininga; Jacaré Bairro Sustentável; Praias, Recuperação do Sistema Lagunar Itaipu-Piratininga; Unidades de Conservação; Sistema Cicloviário e Pavimentação e Drenagem.
Em relação a este último, houve um avanço significativo no asfaltamento e drenagem de áreas que antes sofriam com alagamentos nas chuvas, especialmente no verão Localidades como o Cafubá, Santo Antonio, Engenho do Mato, Maravista, Maralegre e Jardim Imbuí receberam melhorias, somando mais de 200 ruas pavimentadas. Em Piratininga, obras definitivas para a contenção do calçadão da praia, constantemente destruído por cabeças d'água, também estão em execução, com investimentos de R$ 7,8 milhões.
O Parque da Orla Alfredo Sirkis (POP)
Jardins filtrantes (wetlands), bacias de sedimentação, biovaletas e jardins de chuva. Soluções inovadoras e sustentáveis, inspiradas na própria natureza (Nature Based Solutions – NBS), estão sendo usadas no Parque da Orla Alfredo Sirkis. O 'POP' é, sem dúvida, uma das iniciativas mais ousadas em engenharia ambiental de que se tem notícia no Brasil. Também é um dos projetos mais importantes no âmbito do PRO Sustentável. Mesmo antes do início das obras alcançou reconhecimento técnico em publicações e prêmios na França e no Brasil.
O parque está sendo construído no entorno da lagoa, ao custo de R$ 60 milhões e com previsão de entrega em setembro deste ano. Será fundamental para a despoluição das águas e manutenção do ecossistema lagunar, fomentando a atividade pesqueira, drasticamente afetada pela poluição, e oferecendo espaços de lazer à população.
“O POP tem como um dos diferenciais a implantação de sistema de gestão de águas pluviais. A implantação do parque vai permitir restabelecer novo equilíbrio ecológico no entorno da Lagoa, a abertura de espaços multifuncionais com equipamentos de lazer para a população, áreas de contemplação e de aproximação da população com a Lagoa de Piratininga, além de intensificar questões voltadas para a educação ambiental, ecoturismo e gestão de resíduos sólidos”, explica o prefeito.
O sistema de drenagem, que inclui biovaletas e vertedouros, foi projetado para tratar as águas dos rios Cafubá, Arrozal e Jacaré e também as águas pluviais das galerias antes que atinjam a lagoa. Como um imenso filtro natural, tanto as plantas utilizadas para este fim, que são parte integrante do paisagismo, quanto as bacias de sedimentação, retêm o carreamento de terra, resíduos e carga orgânica que contribuem para o assoreamento e a eutrofização.
“Nos últimos meses, temos recebido técnicos de outras cidades para conhecer o POP de perto. Muitos projetos do PRO Sustentável estão contribuindo para escrever uma nova página na história da Região Oceânica em termos de requalificação urbana e ambiental, e o POP, com certeza é um deles. Trará uma transformação muito positiva para a população, para a cidade e para o meio ambiente”, afirma Dionê Marinho Castro, coordenadora do PRO Sustentável.
Não é só em termos de tecnologia ambiental que o POP é arrojado. Espaços para meditar, caminhar e apreciar a natureza, como passarelas suspensas, píeres e mirantes, integram-se a outros projetados para prática de exercícios e a áreas de convivência com bancos, mesas, árvores e plantas.
Crianças e adolescentes contarão com uma pista de skate, brinquedos e quadras esportivas. Até os pets terão um lugar só para eles: um 'parcão' para passear e brincar. A educação e o conhecimento não foram esquecidos. O POP abrigará o Museu de Piratininga, instalado no local do antigo Iate Clube.
Para melhorar a mobilidade, a malha cicloviária está sendo ampliada, integrando a praia e a lagoa ao restante do bairro. Uma nova rotatória será construída na entrada de Camboinhas, com espaços para lazer, parque de cachorros e praça. No local também será instalado um ponto de ônibus com biciletário.
De acordo com o prefeito, todas as ciclovias serão integradas e a nova rotatória estará ligada a um dos dois principais acessos ao POP. O valor previsto da obra é de R$16,5 milhões e o prazo de conclusão será de 12 meses.
No projeto de despoluição do sistema lagunar da Região Oceânica também estão previstas obras de desobstrução e estabilização do Túnel do Tibau, o desassoreamento do canal da lagoa de Itaipu e a recuperação dos enrocamentos (contenção com blocos de pedras na boca do canal).
O POP em números
35.290 m² de Jardins Filtrantes
4 píeres de contemplação e 6 de pesca
10.6 km de ciclovia que se integrará ao Sistema Cicloviário da Região Oceânica
17 áreas de lazer
1 Ecomuseu com 2.800 m²
3 mirantes
8,3 km de vias de tráfego misto
Entenda o sistema de drenagem do POP
Bacias de sedimentação
Realizam a decantação e retenção dos sólidos que chegam à lagoa através dos rios contaminados por esgoto doméstico e lixo; e também do material proveniente da lixiviação do solo e da erosão das margens. As bacias preparam as águas para os jardins filtrantes.
Jardins Filtrantes
Projetados para o tratamento de efluentes (esgoto), usam plantas ‘macrófitas’ para absorver a matéria orgânica através de suas raízes e folhas, criando um ambiente para o desenvolvimento de bactérias que ‘quebram’ as partículas poluidoras. Neste sistema não há aplicação de agentes químicos.
Jardins de Chuva
Valas que fazem a biorretenção de poluentes nas águas pluviais, na infiltração do solo e controlam os volumes de água, evitando picos de cheias. Os jardins de chuva foram projetados para a coleta dos sistemas de drenagem pluvial dos bairros, que deságuam em manilhas no canal de cintura.
Biovaletas
Depressões lineares preenchidas com vegetação, solo e elementos filtrantes (areia, brita, drenos) para processar a limpeza da água da chuva, ao mesmo tempo em que aumentam seu tempo de percolação sobre o terreno. Também são chamadas de valetas de biorretenção vegetadas.
Vertedouros
Os vertedouros têm a função de direcionar o fluxo das águas dos rios para os sistemas de tratamentos (bacias de sedimentação e jardins filtrantes). Realizam também o controle de volume dessas águas para manter a eficiência do sistema.
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