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O ideal e o real na proposta brasileira sobre a paz na Ucrânia

Eduardo Vasco


Na semana passada, o presidente Lula defendeu a participação da Ucrânia nos diálogos que estão sendo iniciados entre Donald Trump e Vladimir Putin para o possível fim do conflito no Donbass.


Ao lado do primeiro-ministro de Portugal (país membro da OTAN), Lula ainda recordou que EUA e Europa buscaram durante muito tempo engatar pretensas conversações de paz, mas “só chamavam o lado da Ucrânia, e aqui nós cansávamos de dizer: ‘não tem paz se não chamar os dois e colocá-los à mesa.’ Não tem paz só de um lado”.


Assim, o presidente procurou manter a coerência da diplomacia brasileira sobre a questão. A coisa mais natural do mundo seria, logicamente, a participação da Ucrânia em uma negociação sobre a guerra… na Ucrânia! Assim como seria natural a participação da Rússia – negada até a poucas semanas pelos membros da OTAN –, já que a guerra verdadeira é travada em um território que declarou independência da Ucrânia em 2014 e, em referendo, decidiu se integrar à Rússia.


O mais certo seria uma negociação de paz exclusivamente entre ucranianos e russos. Estados Unidos e União Europeia não tinham de ter nada a ver com a história. Mas o mundo não é justo. O mundo é a luta das grandes potências imperialistas pela dominação. E a Ucrânia não passa de um palco onde essas potências – EUA e Europa – implementam uma guerra para enfraquecer e dobrar a Rússia, maior faixa de terra do planeta com riquezas naturais invejáveis e um mercado de trabalho e de consumo de 140 milhões de pessoas.


Claro que a dominação da Ucrânia também é importante, afinal ela é o maior país da Europa (com exceção da própria Rússia), com importantes recursos naturais e uma posição geográfica estratégica. Tanto é assim que o país foi depenado desde o golpe de Estado de 2013, com privatizações de empresas estatais para companhias ocidentais, venda de terras a empresas estrangeiras, controle de grande parte da imprensa por organizações dos EUA e uma dívida que passou de 49% do PIB em 2021 para 95% em 2024, com participação especial do JP Morgan, Goldman Sachs e BlackRock.


Dotado de um faro particular para negócios, Trump conseguiu encontrar um novo jeito de espoliar a Ucrânia: quer uma “compensação” de até 500 bilhões de dólares em recursos minerais pelo apoio já prestado a Zelensky, e as companhias americanas poderiam ainda ficar com a metade dos depósitos ucranianos de terras raras. O comediante que hoje veste a fantasia de presidente em Kiev contou uma boa piada, finalmente: “não posso vender nosso Estado.”


Com algumas modificações da proposta original, porém, os ucranianos parecem ter concordado com o novo saque que se aproxima. Mas, aparentemente, não receberão nenhuma garantia importante de “proteção” americana. Antes, Zelensky havia cogitado aceitar integralmente o espólio, contanto que a Ucrânia fosse integrada oficialmente à OTAN (como se isso fosse algum contrapeso, e não a outra face do espólio).


Em condições como essa, de colonização de fato do país, não faz tanta diferença o governo ucraniano participar ou não das negociações de paz. Só faria sentido achar que a Ucrânia participaria como uma terceira e soberana parte se o povo ucraniano se rebelasse e derrubasse o regime fascista-bonapartista. Os russos têm pressionado Zelensky ao afirmarem que agora – que o capacho de Kiev está ficando sem pai nem mãe – só aceitam negociar com uma liderança legítima, porque o mandato de Zelensky venceu no meio do ano passado e não foram realizadas eleições. Trump tem endossado essa pressão psicológica russa. É bem possível que haja, assim, um golpe interno para afastar Zelensky e um grupo que sabe que tudo está prestes a ser perdido assuma para ficar com alguma coisa ao negociar com americanos e russos. Mas também serão autoridades ilegítimas, como é Zelensky, como foi Poroshenko e como são todas as autoridades que arrebataram o poder em 2013.


Se a política de Trump se consolidar, os Estados Unidos poderão abandonar o regime fantoche ucraniano como abandonaram o regime fantoche de Saigon ao serem expulsos do Vietnã pelo Vietcong e o general Giap. A União Europeia pouco poderá fazer para sustentar a guerra contra a Rússia por muito tempo. Ainda que Ucrânia, UE e outros países entrem nas negociações – como parte ou como observadores –, como quer a diplomacia brasileira, não serão eles que darão as cartas. O poder real é que prevalecerá, como de costume.


Eduardo Vasco é jornalista e colaborador do TODA PALAVRA. Foi correspondente de guerra na Ucrânia, cobrindo o conflito do lado russo.

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