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Por políticas públicas para cursos pré-vestibulares populares

Waldeck Carneiro*


As desigualdades educacionais se manifestam, no âmbito da sociedade brasileira e de seu aparelho escolar, estruturalmente excludentes e desiguais, das mais diferentes formas e nos mais diversos níveis, etapas e modalidades em que se organiza a educação escolar.

Ora, o acesso ao ensino superior, notadamente às instituições de ensino superior (IES) públicas, como universidades e institutos federais, entre outras, também é profundamente marcado pelo signo da desigualdade. Com efeito, os filhos das elites e das camadas médias altas, para quem o ingresso no ensino superior é um futuro previsível e programado desde a infância, percorrem uma trajetória sociocultural e educacional na qual pavimentam “naturalmente” a confirmação de seu destino de sucesso.

De maneira diametralmente oposta, os filhos das camadas populares, especialmente os mais pobres, negros, favelados, periféricos, enfrentam enormes adversidades e obstáculos para completar, quando conseguem, a educação básica. Na maior parte dos casos, sequer têm a universidade como horizonte possível. Não se veem naquele ambiente, não dispõem de meios para se preparar, não se consideram “aptos” para tamanho investimento intelectual.

No cotidiano, de modo explícito ou subliminar, aqueles destinos opostos vão sendo confirmados pelo correr da vida, com facilidades, privilégios e potentes redes de apoio e encorajamento para os “bem-nascidos”, durante seus percursos no sistema de ensino, em nítido contraste com as trilhas tortuosas, pontiagudas e pedregosas que os filhos do povo costumam enfrentar em suas trajetórias escolares, quando costumam ser advertidos de que não poderão ir muito longe, pois, em geral, o trabalho precário e precoce lhes aguarda, sorrateiro, aspecto que chega a ser tratado como positivo, uma “chance” de sobrevivência.

Nesse contexto, se agiganta o trabalho feito por cursos pré-vestibulares populares, no Rio de Janeiro e no Brasil. Há poucos dias, participei, numa manhã de sábado, do Seminário de Educação Popular promovido pelo Fórum de Pré-Vestibulares Populares do RJ, que ocorreu nas dependências do CIEP José Lins do Rego, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.

Além da significativa presença de lideranças do Fórum, de professores e de estudantes, constatei o nível elevado de debate sobre questões ligadas à interface educação, cidadania e direitos, revelando um padrão avançado de reflexão crítica por parte da comunidade acadêmica dos pré-vestibulares populares. Como se isso fosse pouco, ressalto os expressivos percentuais de aprovação obtidos por esses dispositivos de preparação ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o que tem possibilitado a milhares de jovens de origem popular ingressar, de cabeça erguida, nas melhores universidades públicas do país.

A propósito, se tem dois fenômenos que vêm contribuindo, nos últimos vinte anos, para a transformação racial e social dos efetivos discentes nas IES públicas, não tenho dúvida em afirmar que são as leis de cotas (federal e estaduais) e a atuação dos pré-vestibulares populares organizados, na maior parte dos casos, por movimentos da sociedade civil.

Porém, percebe-se uma importante lacuna nesse processo, qual seja, a ausência de políticas públicas, sustentadas por vontade política e dotação orçamentária, que garantam os insumos necessários ao funcionamento e ao aperfeiçoamento dos pré-vestibulares populares. Nessa direção, cheguei a legislar, ao lado da deputada Dani Monteiro, no parlamento fluminense, sobre a participação do estado do Rio de Janeiro no fomento àqueles cursos. Por enquanto, nossa iniciativa segue como letra morta da legislação estadual.

Os tais insumos de que se fala aqui não são nada demais: garantia de uso de escolas públicas, no turno da noite ou aos sábados; remuneração adicional ou bolsas para pagamento de professores ou licenciandos, que compõem o corpo docente dos cursos; material pedagógico e de estudo elementar e lanches para jornadas mais longas. Pequeno investimento para resultados promissores, que afetarão positivamente, no longo prazo, toda a sociedade.

A Secretaria de Estado de Educação do RJ, as próprias IES (em seus planos de desenvolvimento institucional) e as agências de fomento à pesquisa e ao ensino superior poderiam prever recursos financeiros, distribuídos por meio de editais ou outras formas de chamamento público, com o fito de apoiar uma experiência que, com as próprias pernas ou com o suporte de emendas parlamentares avulsas, tem desafiado a estrutura desigual e excludente da sociedade brasileira, catapultando para as melhores instituições de ensino superior públicas futuros médicos, engenheiros, professores, advogados, arquitetos, cientistas sociais, entre tantas outras profissões. Com a mediação do ensino superior, a juventude popular pode ir direto das favelas, periferias e comunidades vulnerabilizadas para centros cirúrgicos, laboratórios científicos avançados, fóruns e tribunais, salas de aula, empresas de ponta, enfim, para onde quiser.

Apenas a ação de políticas públicas, caracterizadas como políticas de Estado, porquanto duradouras e robustas, pode transformar exceções que confirmam as regras de exclusão em casos corriqueiramente possíveis. Os cursos pré-vestibulares populares já acumulam histórias de sucesso. Mas querem transformar essas histórias em rotina, de modo que deixem de ser pontos fora da curva, abordados como incríveis casos exóticos em reportagens da grande mídia.


Waldeck Carneiro é Professor Titular da UFF e colunista do TODA PALAVRA

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