Pra não dizer que não falei do novo coronavírus
Por Clóvis Abrahim Cavalcanti*
Precisou eclodir uma pandemia para que muita coisa viesse à tona na área de Saúde brasileira. Muito do que o Sindicato dos Médicos de Niterói, São Gonçalo e Região tem reclamado, em denúncias ao Ministério Público do Trabalho, congressos, ofícios ao poder público e na mídia tonou-se evidente nesses dias de Corona Vírus 19. Como a doença, em si, é um assunto complexo e não caberia em uma só revista, falaremos do descaso do sistema público com a Saúde, que há décadas estressa pacientes e profissionais. Nossa realidade diária no atendimento médico público, e isso não é de hoje, sempre foi crítica. Não só o médico, como todos os profissionais de Saúde, saem de casa para o trabalho sabendo que vão encontrar uma infraestrutura ultrapassada, carência de insumos, medicamentos, equipamentos, EPIs, tomógrafos e demais aparelhos de imagens, além número de leitos aquém do padrão perto do normal. Sempre fomos negligenciados pelos governos que nunca abonaram dignamente o “pessoal do front”, aqueles que cumprem plantão nas emergências e nas UTIs, fazendo o que podem, muitas das vezes utilizando sua criatividade com métodos artesanais para salvar vidas quando não existe material apropriado no hospital. Fica evidente o descalabro quando são publicados editais para concursos públicos, oferecendo salários aviltantes com média de R$2.000.00 para médicos de diversas especialidades, com cargas horárias de 20 horas a 24 horas semanais. E ainda com o agravante de alguns municípios de nossa base não abrirem concurso há mais de dois anos, transferindo a gestão para Organizações Sociais, que não dão estabilidade ao profissional e, muitas das vezes, pouca segurança trabalhista. Assim é a vida do médico nas unidades de saúde. Fora delas, este profissional paga impostos, aluguel, água, luz, telefone, cursos de aperfeiçoamento, vestuário, cuidados médicos próprios, alimentação, entre tantas outras despesas. Por isso o SINMED de Niterói São Gonçalo e Região mantém, há décadas, junto aos órgãos que administram as unidades de Saúde, a sua bandeira por melhores salários e condições de trabalho. Para não se alongar muito, em 2007, ou seja, há 13 anos, foi feita uma reunião no SINMED de Niterói, São Gonçalo e Região com representantes da Fundação Municipal de Saúde, os presidentes do SINMED e da Associação Médica Fluminense (AMF), o subdelegado do Ministério do Trabalho, entre outros. Os baixos salários foram a principal reclamação da classe. As péssimas condições em que são obrigados a trabalhar também foram discutidas. Mas o SINMED também pleiteou o Plano de Cargos Carreira e Salários (PCCS). O presidente do SINMED destacou na reunião que “A calamidade que enfrentamos todos os dias já virou problema do Ministério Público. Agora não falamos mais em condições de trabalho, queremos tratar de salários. Mas também quero deixar claro que continuaremos denunciando. Não queremos ser os vilões desse problema que é a saúde pública”. De lá pra cá, nada evoluiu. E por falar em vilões, no ano seguinte a esta reunião, o governador em exercício, num surto de soberba, chamou os médicos de “vagabundos”. Ele é o mesmo que quebrou o Estado do Rio de Janeiro. O efeito colateral dessa incompetência administrativa, aliada a malfeitos, está fartamente noticiado na mídia. Seu sucessor humilhou os servidores públicos atrasando salários, décimo-terceiro, férias, não abastecendo hospitais e UPAs. Com a saúde publica tão negligenciada, foi preciso surgir esse famigerado “Corona Vírus 19” para que os gestores tomassem uma atitude. Com tanto dinheiro que apareceu nos cofres públicos, sendo aplicado na compra de equipamentos e medicamentos, fica uma dúvida no ar: porque não fizeram isso antes? Porque não houve esse investimento em unidades de saúde, com abastecimento normal de insumos, EPIs, medicamentos e salários dignos? Não precisaríamos, médicos, profissionais de saúde e pacientes, vivermos neste inferno diário, trabalhando à exaustão para salvar pessoas que morriam nas calçadas ou em corredores por negligência dos políticos. Que essa pandemia seja um divisor de águas que provoque um surto de bom senso nos nossos gestores que, passada essa crise, os profissionais da saúde, assim como, a Saúde pública, continuem recebendo atenção e respeito. Que o momento atual, com esse fabuloso investimento na Saúde pública não seja efêmero e nem eterno enquanto dure. ¨FIAT LUX¨. Por enquanto, fiquemos com o afago e reconhecimento da população. Neste mês de março, por dois dias seguidos, cidades brasileiras registraram aplausos aos profissionais de saúde que atuam no combate à pandemia do “Corona Vírus 19”. Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Recife e Salvador foram alguns dos locais que tiveram manifestações de agradecimento a equipes médicas. A convocação para homenagem continha o seguinte texto: “Enquanto estamos protegidos em casa, os profissionais da saúde estão enfrentando essa crise onde muitos estão se contaminando. Vamos mostrar nossa gratidão a todas essas pessoas com uma salva de aplausos das nossas janelas dia 20 de março”. VOX POPULI. VOX DEI! A eles, nosso sincero agradecimento!
*Presidente do Sindicato dos Médicos de Niterói, São Gonçalo e Região
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