Presidência brasileira menospreza deliberação dos BRICS em Kazan
- Da Redação
- 18 de abr.
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Por Luiz Augusto Erthal
Uma das primeiras e mais importantes declarações conjuntas preparatórias para a conferência de cúpula dos BRICS do Brasil, referente à agricultura, anunciada nesta quinta-feira, 17/04, em Brasília, parece expor um retrocesso em relação às deliberações da Cúpula de Kazan, realizada em outubro do ano passado, na Rússia.

O resultado final da reunião de ministros e líderes do setor agrícola dos 11 países membros do bloco menosprezou, em sua declaração conjunta - que servirá de base para o documento final da 17ª conferência de líderes dos BRICS do Rio de Janeiro - um dos temas mais caros à presidência russa, proposta pelos países africanos, na reunião do ano passado: a criação de uma bolsa de grãos no âmbito dos BRICS.
Com 54,5% da população mundial, os países do bloco são responsáveis por 75% da produção agrícola global, onde se destaca a produção de grãos, commodities de grande importância para países como o Brasil - maior exportador de soja do planeta - e a Rússia - maior produtora de trigo do mundo.
Sob bloqueio econômico do Ocidente desde o início da guerra da Ucrânia, a Rússia se queixa da precificação do produto na Bolsa de Grãos de Chicago, Estados Unidos, sendo que dois dos mais importantes importadores do seu produto, hoje, são membros plenos dos BRICS: Irã e Etiópia. Daí um interesse especial dos russos pela criação de uma nova bolsa de grãos que regule os preços dessas commodities para as transações dentro do bloco.
A declaração conjunta da reunião ministerial do setor agrícola anunciada nesta quinta-feira enfatiza a segurança alimentar, com foco na Aliança Global contra a Fome e a Pobreza proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última reunião do G20, em novembro do ano passado, no Rio de Janeiro. Também destaca outras pautas propostas pelo Brasil, como a recuperação de solos degradados e o apoio à agricultura familiar, que contrasta com o modelo latifundiário do agronegócio brasileiro em um país de dimensões continentais que até hoje não realizou a reforma agrária reclamada pelos trabalhadores do campo.
Após o encerramento da cúpula da Rússia, o chanceler Sergey Lavrov, em entrevista concedida à TV BRICS - parceira do TODA PALAVRA, que colaborou com a dublagem da matéria para o português - enfatizou a expectativa do governo russo de que, durante a presidência brasileira, este ano, as deliberações de Kazan tivessem desdobramentos e continuidade. Entre elas, a criação da bolsa de grãos.
“Esperamos, e tenho certeza de que assim será, que [os brasileiros] dêem continuidade às iniciativas russas, como a bolsa de grãos, a plataforma de investimentos, os grupos de trabalho sobre transporte e sobre medicina nuclear. Essas são questões extremamente práticas, de interesse de todos os membros do BRICS”, declarou Lavrov.
No entanto, apesar da aprovação do tema em Kazan, a proposta de criação da bolsa de grãos foi relegada a um plano secundário na declaração conjunta dos ministros de agricultura anunciada agora, em Brasília. Em um documento de 18 páginas, onde são elencados 61 pontos, o tema só é abordado, de forma superficial, na parte final do texto, mais exatamente no ponto 48, que diz:
“Enfatizamos o papel vital dos países do BRICS como principais produtores e consumidores globais de grãos e reafirmamos o compromisso com o fortalecimento do comércio agrícola mútuo. Nossos países estão engajados no avanço das discussões sobre a facilitação das transações entre produtores, exportadores e importadores de grãos, garantindo pagamentos transparentes e seguros. Reconhecemos a importância da elaboração contínua da iniciativa para estabelecer uma plataforma de comércio de grãos dentro do BRICS (a Bolsa de Grãos do BRICS) e seu subsequente desenvolvimento, expansão para outros produtos e commodities agrícolas e implementação de um sistema de comércio equitativo.”
Apesar de defender genericamente a criação da bolsa de grãos, nenhuma direção prática foi acrescentada à deliberação da Cúpula de Kazan, como esperava o governo russo.
Sem a presença do presidente Lula, que desistiu de ir à Rússia praticamente na véspera, em razão de um acidente doméstico (uma queda no banheiro que lhe causou um ferimento na nuca), a participação brasileira em Kazan foi polêmica, sobretudo pelo veto do ministro Mauro Vieira ao ingresso da Venezuela no bloco.
E, ao que parece, as conduções dos debates preliminares setoriais não estão contribuindo para desfazer as desconfianças recentes dos parceiros em relação à postura do governo brasileiro na Cúpula do Rio.
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