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Rio de Janeiro à beira do precipício

Waldeck Carneiro*

Luiz Paulo Corrêa da Rocha**


Deputados estaduais Waldeck Carneiro e Luiz Paulo

Tomamos emprestada uma expressão popular para caracterizar a situação atual do estado do Rio de Janeiro: parece que há uma "cabeça de burro" enterrada por aqui. Na economia, na gestão pública e na saúde, o quadro atual é verdadeiramente aterrador.

Desde o quadriênio iniciado em 1999, ou seja, há vinte anos, o RJ já teve quatro governadores presos: as únicas exceções são Benedita da Silva e o atual mandatário do Palácio Guanabara, que, porém, já se encontra sob graves denúncias de corrupção em seu frágil governo, o que suscitou a abertura, pela ALERJ, de um processo de impedimento do governador, pela primeira vez na história do estado. Note-se que não foi uma decisão tomada na tensão dos debates e na disputa palmo a palmo de votos. Ao contrário, a ALERJ, em uníssono, decidiu, por 69 votos a zero, iniciar o procedimento de impeachment de Wilson Witzel, sem que houvesse um deputado sequer para apontar circunstâncias atenuantes em defesa do governador.

Esse episódio configura, por óbvio, um quadro de instabilidade política e institucional e expõe as limitações de um governador em evidente crise de governabilidade, antes mesmo de completar a metade de seu mandato: nenhum deputado aceitou convite para integrar seu governo, não dispõe de bancada de sustentação na ALERJ, não tem sequer um líder de governo no parlamento, fenômeno talvez inédito ou muito raro nas relações entre Executivo e Legislativo.

Contudo, essa tensão política e institucional não é a única dimensão crítica que afeta gravemente o nosso estado. Antes dela, o RJ já estava no epicentro da crise sanitária e humanitária decorrente da pandemia do novo coronavírus. Os números de mortos e de casos confirmados no estado, sem levar em conta a subnotificação, são estrondosos. A taxa de letalidade da COVID-19 no RJ é quase o dobro da média nacional. Em territórios de favela e áreas periféricas, não se percebe a presença firme do Poder Público, sequer na área de segurança alimentar.

Nesses lugares historicamente desassistidos, onde a presença do Estado se faz sentir, predominantemente, pela ação de seu aparelho repressivo, que espalha mortes em grande quantidade, o que sobressai é o protagonismo dos próprios movimentos, coletivos e entidades da sociedade civil, sem os quais a miséria e a fome já teriam atingido patamares ainda mais elevados. Cabe lembrar, e deplorar, que, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), os cinco primeiros meses de 2020 foram os mais letais em matéria de intervenção policial, desde o ano de 1998, quando o ISP começou a apurar esses dados: foram 741 óbitos causados por policiais, o que representa quase 5 mortes por dia! Para piorar, em vários municípios da Região Metropolitana, inclusive na capital, onde vivem cerca de 3/4 da população fluminense, a atuação dos governos municipais, seja por incompetência, falta de recursos, descompromisso com os mais pobres, fundamentalismo liberal ou religioso ou, ainda, por mero eleitoralismo, parece estar mais focada na flexibilização do isolamento social, não obstante a curva ainda ascendente da pandemia, sem que medidas sanitárias e assistenciais tenham sido adotadas a contento, ressalvadas as exceções, como nos casos de Niterói e Maricá.

Como se tudo isso fosse pouco, ou seja, além da dimensão político-institucional e da dimensão sanitária e humanitária, o RJ ainda enfrenta a complexa vertente econômica da crise. O estado está sob Regime de Recuperação Fiscal (RRF), desde setembro de 2017, mas, segundo parecer recente do Conselho de Supervisão do RRF, teria cometido 25 violações ao regime, sem ter apresentado, até o momento, formas de compensação suficientes para as mesmas, que remontam ao valor de R$ 599.7 milhões. Com efeito, o RJ apresentou proposta de compensação, que foi acolhida apenas parcialmente pelo Conselho, no montante de R$ 568.7 milhões, vale dizer, R$ 31 milhões a menos que o necessário. Aquela instância colegiada deu prazo até 30 de junho do corrente para que o estado complemente sua proposta, de modo a compensar a diferença. Do contrário, recomendará à Secretaria do Tesouro Nacional a extinção do RRF para o RJ. Mais uma vez, com substanciosa ajuda do parlamento fluminense, o RJ deverá cobrir aquele valor faltante, mas, ainda assim, surge uma intrigante questão: seria mesmo plausível que o RJ e sua população de cerca de 17 milhões de habitantes pudessem ser lançados ao caos, em plena pandemia, por uma diferença que corresponde a 0.05% da sua receita corrente estimada para o ano de 2020? Perseguição política, falta de bom senso ou tecnocracia elevada à última potência são as razões que poderiam explicar tamanha sandice.

Também vale ressaltar que a adesão ao RRF funciona como uma bomba relógio, se o estado do RJ, enquanto estiver nessa condição, não for capaz de formular seu plano estratégico de desenvolvimento econômico e social, visando a geração de receitas novas e duradouras. Afinal, o RRF não injeta dinheiro novo no tesouro estadual, apenas possibilita um alívio de caixa, na medida em que o estado fica desobrigado de pagar, enquanto durar sua adesão ao regime, as dívidas que tem com a União, o que representa um respiro financeiro da ordem de R$ 9 bilhões por ano, soma indispensável ao pagamento da folha de servidores, ativos e inativos, e de pensionistas.

Por fim, importa discutir alguns cenários de superação desse quadro, que era difícil, tornou-se crítico e agora é dramático. Em primeiro lugar, o RJ precisa do Brasil, ou seja, dificilmente sairá dessa agonia fiscal sem que a União adote algumas atitudes: compensação das perdas da Lei Kandir, revisão na tributação do setor do petróleo e retomada da política de conteúdo local no âmbito da Petrobras são apenas alguns exemplos. No primeiro caso (Lei Kandir), é verdade que já houve um acordo, mas muito aquém das perdas acumuladas pelo RJ desde 1997, que giram em torno de R$ 50 a 60 bilhões! Ora, pelo acordo, o RJ receberá, durante 17 anos, cerca de R$ 200 milhões anuais: pífia compensação!

Em segundo lugar, o RJ precisa definir novas linhas mestras para o seu desenvolvimento econômico e social: além da cadeia do óleo e do gás, sujeita às oscilações do mercado internacional de commodities, de cuja dependência o estado deve paulatinamente se libertar (sem deixar de explorar com inteligência essa riqueza), é preciso divisar outros horizontes. Citamos dois: por um lado, fomentar uma base de produção industrial na área de saúde, tirando proveito de instituições, pesquisadores e tecnologias já disponíveis no RJ, como é o caso da FIOCRUZ, com seus 120 anos de experiência e competência. Por outro lado, o RJ sedia o maior acervo de instituições de ciência e pesquisa do Brasil. Tem tudo, portanto, para ser um vigoroso polo de conhecimento, o que é relevante não apenas para o desenvolvimento científico e tecnológico, para a formação de quadros e para a produção de inovação na área industrial, mas também para gerar trabalho, emprego e renda no território fluminense.

Em terceiro lugar, é preciso radicalizar nos princípios de gestão democrática e participativa, em todas as áreas da governança pública. Este é o melhor antídoto, a melhor forma de prevenir a corrupção, o que requer mais transparência, mais audiências públicas para discutir políticas em gestação ou em andamento e fortalecimento das instâncias colegiadas estaduais de monitoramento e controle social das políticas públicas.

Terra de cultura, de ciência e de alto astral, o Rio de Janeiro merece e pode ter um destino mais virtuoso para as atuais e futuras gerações de cidadãos fluminenses e também para pessoas de outros estados ou países, que decidam viver, trabalhar e amar no estado do Rio de Janeiro.


* Waldeck Carneiro é Professor da UFF e Deputado Estadual (PT-RJ).

** Luiz Paulo Corrêa da Rocha é Engenheiro Civil e Deputado Estadual (PSDB-RJ).


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