Defesa quer comprar satélite que faz mesmo trabalho que o Inpe
O Ministério da Defesa pretende gastar cerca de R$ 145 milhões na compra de um microssatélite para monitorar a devastação na Amazônia. Porém, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já realiza a tarefa, com tecnologia igual ou superior. O custo do equipamento é 48 vezes maior do que o orçamento de R$ 3,03 milhões para projetos de monitoramento do território e risco de incêndios. Atualmente, o Prodes e o Deter emitem boletins sobre o desmatamento, e o Programa Queimadas mapeia focos de calor em todo o país.

A nota de empenho da verba, datada de 30 de junho, é em favor do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), subordinado ao Ministério da Defesa. Os recursos virão do montante recuperado pela Operação Lava-Jato. De R$ 1,06 bilhão destinado a investimentos em ações ambientais, R$ 530 milhões foram alocados na pasta. Não há informação sobre licitação.
A compra, ao que tudo indica, ainda não se concretizou. O valor foi destinado pela nota de empenho, mas por enquanto o dinheiro está guardado no Censipam, enquanto os especialistas alertam para outras ações emergenciais que já deveriam estar sendo colocadas em prática e que carecem de fundos para sua execução.
Para o físico Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe e eleito um dos 10 cientistas de 2019 pelo revista Nature, isso pode significar a perda de protagonismo do instituto, cujo trabalho tem reconhecimento internacional.
"Sempre houve um embate sobre o controle do programa espacial, onde o Inpe desenvolve satélites e a Força Aérea cuida dos foguetes, mas agora ela decidiu lançar uma proposta orçamentária para comprar o seu próprio satélite. Isso é preocupante", lamenta.
Galvão foi exonerado no ano passado por desmentir o presidente Jair Bolsonaro, quando este afirmou que os números sobre o desmatamento do Inpe não eram confiáveis.
Cloroquina da Amazônia
Gilberto Câmara, secretário executivo do Group on Earth Observations, ligado à Organização Meteorológica Mundial, analisou o preço e o tamanho do equipamento, comparando-o a outros satélites usados no monitoramento de florestas. E concluiu que o
SAR não terá a estrutura necessária para fazer um trabalho diferenciado daquele já realizado pelo Inpe:
"Seu tamanho e orçamento condizem com um satélite SAR de banda X, que é o tipo mais simples, e cujas imagens não são adequadas para um sistema operacional de monitorament
o de florestas tropicais. Um satélite pequeno tem variações na órbita, causadas por fatores como o vento solar e a própria gravidade, e é difícil garantir que ele volte ao seu percurso original, porque isso demanda um reparo por giroscópios, que são sensores grandes demais para estes satélites. Então, eles não têm órbita fixa, e sua possibilidade de chegar ao ponto original é limitada".
O microssatélite, segundo ele, terá gastos adicionais de operação e lançamento. Além disso, há satélites mais sofisticados do que o do Censipam, como o europeu Sentinel-1 (banda C) e o japonês Alos-2 (banda L), cujos dados estão disponíveis livremente.
"Não há evidência verificável, um relatório técnico ou artigo científico, que comprove que exista sequer um projeto viável de um sistema de monitoramento do Censipam. É a cloroquina da Amazônia. Os militares estão desesperados para ter o controle da narrativa sobre o desmatamento do país. Mas eles jamais teriam a credibilidade para fazer um projeto alternativo ao Prodes e ao Deter", afirmou o cientista.
Gasto desnecessário
Um servidor da área que prefere não se identificar avalia que a Defesa empregaria melhor a verba se dobrasse a área analisada pelo sistema Deter Intenso. Hoje, ela corresponde a 10% da floresta, região que concentra 60% do desmatamento amazônico.

"O Deter Intenso usa imagens coletadas diariamente por cinco satélites. Já o resto da floresta é visto pelo Deter, que obtém imagens a cada dois dias vindas de dois satélites. O governo indica que comprará um tipo de satélite que é mais usado em mineração e na identificação de alvos militares. Não adianta ter uma profusão de imagens sem ações no campo para coibir os crimes ambientais. O governo insiste que o problema é a falta de dados. Quantos dos milhares de alertas foram fiscalizados? Infelizmente, os militares veem o Inpe como uma ameaça", diz ele.
Para Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a compra de um satélite pelo Ministério da Defesa demonstra o avanço da militarização da gestão ambiental do país. Já Cristiane Mazzetti, porta-voz da Campanha da Amazônia do Greenpeace, considera que o microssatélite tem “um custo muito elevado e não se justifica”.
"O Inpe já fornece todos os dados necessários para balizar ações relacionadas a fiscalização, desmatamento e incêndios florestais. Seu trabalho é reconhecido até em regiões florestais do Sudeste Asiático, que não contam com tecnologia parecida. O problema é que o governo não tem usado essas informações com eficácia. Não foi feita uma licitação ou qualquer documento citando dados técnicos que justificassem a construção do microssatélite, como uma redução do número de vezes que passará diariamente por cada área da Amazônia", observa Mazzetti.
Nota da Defesa
Em nota, o Ministério da Defesa afirma que o Censipam desenvolve desde 2016 o Projeto Amazônia SAR, com o objetivo de implantar o Sistema Integrado de Alerta do Desmatamento por Radar Orbital (SipamSAR), cuja tecnologia é capaz de enxergar o terreno mesmo que ele esteja sob nuvens. A pasta destaca que a Amazônia registra fortes chuvas durante oito meses do ano.
“A partir da operação do seu primeiro satélite SAR, o Estado brasileiro, incluindo órgãos como o Ibama e o Inpe, terá acesso a imagens de radar, que não sofrem interferência de nuvens, e poderá realizar um melhor monitoramento territorial do país”, diz o comunicado, acrescentando que a tecnologia também pode detectar outros crimes ambientais, como garimpo ilegal e pistas de pouso clandestinas.
*Com informações do Globo Online.