'Tiram nossas pernas e nos dão uma muleta', diz líder caminhoneiro
Nesta quarta-feira (13), a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a chamada PEC Kamikaze, que garante aumento de benefícios sociais a determinadas categorias em pleno ano eleitoral.
O texto ainda permite que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) fure o teto de gastos, ao considerar o período de julho a dezembro de 2022 como de "estado de emergência".
Aprovado por 393 votos dos parlamentares contra 14, a nova lei prevê aportes de R$ 41,25 bilhões para ampliar o Auxílio Brasil, expandir o Auxílio Gás, suplementar o programa Alimenta Brasil, dentre outras medidas.
De caráter abertamente eleitoreiro, a PEC tem como objetivo não só angariar votos de grupos reticentes à reeleição de Jair Bolsonaro, mas também manter a adesão de grupos associados ao bolsonarismo, como os taxistas e os caminhoneiros.
A nova lei prevê auxílio de R$ 2 bilhões a taxistas e de R$ 5,4 bilhões a caminhoneiros autônomos cadastrados na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que devem receber R$ 1.000 mensais entre julho e dezembro.
Apesar do aporte mensal, líderes dos caminhoneiros criticaram a aprovação da medida, classificando-a de "uma esmola que não resolve o problema".
"Mil reais não resolve o problema dos caminhoneiros, é uma tentativa clara de comprar o direito mais digno de um cidadão, que é o seu voto", declarou o presidente licenciado da Associação Brasileira de Veículos Automotores (ABRAVA), Wallace Landim, também conhecido como Chorão Caminhoneiro, em uma nota à qual a Sputnik Brasil teve acesso.
Para Chorão, a somente três meses do primeiro turno das eleições, Bolsonaro terá dificuldades de corrigir equívocos cometidos nos últimos três anos e meio de governo.
"O governo quebrou as nossas duas pernas durante esses três anos e meio. Agora nos dão uma muleta, e querem que tenhamos gratidão", disse Chorão à Sputnik Brasil.
Segundo ele, o Congresso deveria apreciar o projeto de lei 1.205/22, apresentado pelo senador Lucas Barreto (PSD), que retira o custo do diesel da composição do frete.
"O correto seria desatrelar o custo do combustível, repassando-o para o dono da carga, da mesma forma que o custo do pedágio, que também fica a cargo do embarcador", explicou Chorão.
O líder também aponta a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) da Petrobrás como vilã da alta dos combustíveis no Brasil. Implementada durante a gestão Michel Temer, em 2016, a política impõe que o preço interno dos combustíveis acompanhe as flutuações internacionais do bem.
Apesar de garantir rentabilidade à Petrobras e seus acionistas, a política impede que o brasileiro comum se beneficie do aumento da produção nacional de petróleo e derivados.
"É necessário retirar a política de PPI, afinal nós não ganhamos em dólares, mas sim em reais", disse Chorão à Sputnik Brasil. "O governo precisa ter coragem de enfrentar o mercado, ao invés de ficar sangrando o trabalhador."
Caminhoneiros fieis a Bolsonaro?
As críticas de alguns líderes da categoria ao auxílio-caminhoneiro contrastam com a ampla adesão desse grupo à candidatura de Jair Bolsonaro em 2018.
"Houve uma ativação política dos caminhoneiros pelo bolsonarismo", disse a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), Mayra Goulart, à Sputnik Brasil.
Segundo ela, o bolsonarismo usa como estratégia a mobilização de nichos específicos da sociedade, promovendo ações consistentes para favorecer determinadas categorias.
"O bolsonarismo não mira o cidadão comum, mas adota uma estratégia de nichos, garantindo benesses a categorias específicas da sociedade", notou a cientista política.
No caso dos caminhoneiros, Goulart cita o apoio de Bolsonaro à desregulamentação de leis de trânsito e à retirada de radares como estratégia para se aproximar da categoria.
No entanto, a cientista política aponta que a adesão dos caminhoneiros a Bolsonaro em função de vantagens corporativistas "não gera uma aliança duradoura, uma vez que ela passa por um processo que chamamos de escalonamento das demandas".
"Quando você atende a uma demanda de uma categoria, ao menos que seja uma demanda muito inusual, você cria novas demandas", disse Goulart. "Em um cenário pré-eleitoral, os caminhoneiros estão passando o seu chapéu e vendo quem está oferecendo melhores benefícios."
De fato, lideranças dos caminhoneiros se reuniram com outras forças políticas de oposição ao governo Bolsonaro, conforme reportou a Agência Estado.
No dia 7 de julho, o presidenciável Ciro Gomes se comprometeu a incluir a lista de demandas da categoria em seu plano de governo, inclusive a pauta de preço mínimo do frete.
O discurso do líder das pesquisas de intenção de votos, o ex-presidente Lula (PT), também está cada vez mais alinhado com o da categoria. O coordenador do programa de governo do Partido dos Trabalhadores, Aloísio Mercadante, disse que o país deve realizar uma "transição progressiva para sair do PPI e abrasileirar o preço dos combustíveis".
"Ele [Bolsonaro] faz muita bravata e mantém o preço alto porque ele não quer brigar com os acionistas, que ficam com o lucro que a Petrobras está tendo, que é exorbitante", disse Lula em evento de lançamento das diretrizes de seu programa de governo, em 21 de junho.
Para Goulart, a esquerda brasileira tenta se aproximar dos caminhoneiros apelando para a lembrança de tempos passados, no qual podiam adquirir combustíveis a preços mais vantajosos nos postos de gasolina.
"Mesmo com esse pacote que todo mundo percebe que é eleitoral porque tem data para acabar, uma pessoa com a mínima noção de passado percebe que a sua margem de lucro, quando você trabalha com transportes, era muito maior", disse Goulart.
Ela lembra, no entanto, que não é só de cálculo econômico que se compõe o voto popular.
"Não acho que tudo se resume àquele ditado do 'é a economia, estúpido'. Não é só o bolso, não é só economia, é também identidade", disse Goulart. "Muita gente atrela seu voto a questões relacionadas à família, ao aborto, independente da sua situação econômica."
Segundo ela, não é possível excluir o apoio de parcelas importantes dos caminhoneiros a Bolsonaro em função da "dimensão da identidade".
"Bolsonaro atrai pessoas que se identificam como não vulneráveis: homens como os caminhoneiros, que não se veem como pertencentes a nenhuma minoria demográfica ou não demográfica, a nenhum grupo subalternizado", disse Goulart. "São essas categorias que têm uma afinidade identitária com Jair Bolsonaro".
De acordo com Chorão, este momento de crise nos preços dos combustíveis deve levar os caminhoneiros a superar a "polarização política muito forte existente dentro da categoria".
Nesta quarta-feira (13), a Câmara dos Deputados aprovou a chamada PEC Kamikaze, que garante aumento de auxílios a determinadas categorias sociais em pleno ano eleitoral, ao decretar estado de emergência. Aprovado em segundo turno pela casa, o texto segue para promulgação.
Fonte: Agência Sputnik
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