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Um desafio chamado Rio de Janeiro - Artigo de Waldeck Carneiro


Waldeck Carneiro


Em 1960, depois de quase 200 anos como capital, a Cidade do Rio de Janeiro perdeu tal condição para Brasília, sem compensação econômica relevante. Tanto tempo como capital forjou uma cultura de pensar prioritariamente o país em detrimento do desenvolvimento regional. Não à toa, o RJ se caracterizou como epicentro do pensamento nacional sem contudo robustecer a produção intelectual sobre o desenvolvimento fluminense. Até hoje, nas universidades sediadas no RJ, são poucos os programas de pós-graduação e as linhas de pesquisa que privilegiam o tema do desenvolvimento econômico do Estado.

Em 1975, a fusão autoritária e mal planejada entre a Guanabara e a Velha Província, no contexto da ditadura empresarial-militar, tornou a governança do novo Estado do Rio de Janeiro ainda mais complexa. Eram tempos em que o processo de desindustrialização já se configurava. São Gonçalo, por exemplo, hoje o segundo município mais populoso do RJ, outrora tratada como "Manchester Fluminense", onde funcionavam vários ramos da atividade industrial, sentiu o forte baque da estagnação econômica, da qual não se recuperou até hoje. Esse quadro de desindustrialização se acentuou, a partir dos anos 1980, alcançando vários municípios do Estado, mormente na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Como corolário, de 1970 a 2018, o RJ reduziu em 35% a sua participação no PIB nacional, segundo dados sistematizados e analisados pela qualificada Assessoria Fiscal da ALERJ.

A questão metropolitana é outra dimensão do desafio da governança no RJ. Com efeito, além do esvaziamento industrial, há que se ressaltar a complexidade da RMRJ, com quase 75% da população fluminense, fortemente marcada por desigualdades, discrepâncias e desequilíbrios, notadamente no tocante a emprego, mobilidade, saneamento e moradia. Tudo isso em função de um rápido e descontrolado processo de urbanização, caracterizado por grande desordenamento no uso do solo urbano: sem regulação, sem fiscalização, sem regularização.

Acrescente-se o fenômeno da violência, fruto da desigualdade, maior problema nacional de caráter estruturante, que afeta drasticamente a vida cotidiana, em especial na RMRJ. Eis outro macrodesafio da governança no RJ: a violência, em especial o aumento progressivo do percentual do território fluminense controlado por milicianos e narcotraficantes, que subjugam parcelas expressivas da população, aterrorizando famílias e fixando regras de convivência econômica e social, ao arrepio da Lei, em áreas cada vez mais extensas, onde a República precisa ser refundada com base no primado dos direitos e da cidadania.

Trago ainda, sem exaurir o tema, outro macrodesafio para o RJ: o "pânico" federativo que demarca a relação entre União e entes federativos subnacionais. De fato, tratar essa relação como "pacto" só pode ser escárnio. Em 2020, a União arrecadou no RJ mais de R$ 147 bilhões mas transferiu para o Estado e seus municípios apenas R$ 38 bilhões! E o RJ ainda sofre com os efeitos da Lei Kandir (1996), que proíbe cobrança de ICMS na exportação de produtos primários e semielaborados: em 25 anos de vigência, são cerca de R$ 60 bilhões de perdas. Desde a Constituição de 1988, que, aliás, deu mais autonomia e responsabilidades a estados e municípios, porém não fixou um verdadeiro pacto federativo, o RJ, que produz 80% do petróleo nacional, sofre com o dispositivo que determina a cobrança do ICMS do petróleo e da energia no destino, não na origem. Ora, as perdas para o RJ daí decorrentes são imensuráveis. Desde o golpe de 2016, o fim da política de conteúdo nacional na Petrobras destruiu (de novo) os empregos da indústria naval do RJ. Afinal, o maior cliente do setor tem hoje mais de 80% de fornecedores e prestadores de serviços oriundos de outros estados e, principalmente, de outros países.

Que fazer? Em primeiro lugar, estimular a produção de conhecimento sobre o desenvolvimento fluminense. Nessa linha, o papel da ALERJ, com a criação recente de sua Assessoria Fiscal, tem sido muito relevante. Ademais, elaborar um projeto estratégico de desenvolvimento econômico e social, com a participação protagonista da inteligência instalada no RJ, é fundamental. Ou seja, planejar o desenvolvimento do Estado no médio e longo prazos, contando com um dos maiores ativos do RJ, qual seja, o robusto acervo de instituições universitárias e de pesquisa aqui existentes, que produzem ciência e tecnologia com excelência acadêmica. Nessa esteira, importa diversificar a geração de receitas novas e duradouras, diminuindo a dependência da cadeia do petróleo e do gás, sem desprezá-la: complexo industrial da saúde, cluster naval, logística (notadamente a atividade portuária), construção civil, cultura, turismo e entretenimento, fomento à economia popular, entre outras, são pistas válidas.

Sem perder de vista a pauta absolutamente estratégica do enfrentamento às desigualdades, à pobreza e à miséria, de modo a implementar, como política de Estado, uma agenda de desenvolvimento, cidadania e direitos em territórios de favela e demais áreas populares e periféricas. E sem desmontar o Estado! Ao contrário, temos que fortalecer seu papel indutor de desenvolvimento, seus órgãos, suas políticas e seus servidores. Neste momento em que o RJ inicia novo ciclo de recuperação fiscal, por dez anos, planejar estrategicamente seu desenvolvimento é crucial. Do contrário, poderemos fazer essa penosa travessia praticamente em vão.


Waldeck Carneiro é Professor da UFF e Deputado Estadual (PT-RJ)

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