Petrobras encobre nova fraude
Uma ação movida por petroleiros de Sergipe e Alagoas impediu que a Petrobras vendesse 100% dos campos de águas rasas de Baúna e Golfinho, na Bacia de Santos, e 50% do campo de Tartaruga Verde, na Bacia de Campos, a uma petroleira australiana – a Karoon Gas Australia Limited – cujo capital social é três vezes menor que o valor do negócio. O escândalo só não se consumou graças a uma decisão da ministra Cármem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, no dia 22 de março, manifestando-se contra a venda, não por causa da incapacidade financeira da pretendente – omitida pela Petrobras –, mas porque o negócio descumpria critérios legais, como abertura de licitação.
Desde que o governo Temer anunciou, no ano passado, o fim da participação obrigatória da Petrobras na exploração do pré-sal e, este ano, a redução de 50% do conteúdo local na indústria offshore, uma verdadeira corrida do ouro está sendo empreendida por companhias do mundo inteiro aos campos petrolíferos brasileiros.
A liminar obtida pelo Sindpetro de Sergipe e Alagoas no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, pedindo a suspensão da transferência dos campos de Baúna, Golfinho e Tartaruga Verde, fazia inicialmente parte da luta da Federação Nacional dos Petroleiros contra a venda de ativos da Petrobras e foi acatada em todas as instâncias em razão da ausência de licitação, em uma clara demonstração de açodamento da direção da Petrobras para negociar os campos petrolíferos. Mas algo ainda mais grave estava por trás da transação, agora definitivamente enterrada pela decisão do STF: a venda estava baseada em uma proposta falsa da Karoon, o que foi oficialmente comunicado em outubro do ano passado à Petrobras, que, mesmo assim, vinha interpondo recursos na Justiça para tentar garantir a realização do negócio.
Com capital social de US$ 450 milhões, a Karoon não poderia bancar sozinha um negócio de US$ 1,6 bilhões. Precisaria do endosso de outra companhia financeiramente mais robusta e, para isso, teria se associado à Woodside Energy, maior petroleira australiana, na aquisição dos campos brasileiros, conforme comunicou à Petrobrás em proposta oficial (leia o documento original em inglês e a tradução juramentada em português) apresentada no dia 26 de setembro. No entanto, a Woodside contestou os termos da proposta da Karoon e exigiu que esta comunicasse oficialmente à Petrobras que estaria sozinha no negócio. Isso foi feito em carta enviada pela Karoon à empresa brasileira no dia 7 de outubro, um dia depois de a Petrobrás anunciar formalmente a venda dos campos petrolíferos à companhia australiana.
Representantes da Woodside também comunicaram diretamente à Petrobras, em teleconferência realizada em 22 de novembro, que não poderiam apoiar a oferta da Karoon. E, como se não bastasse, para evitar qualquer possibilidade de mal entendido, a Woodside enviou carta à Petrobras (leia o documento original em inglês e a tradução juramentada em português) no dia 15 de fevereiro, reafirmando que nunca esteve associada à Karoon. Mesmo assim, a Petrobras insistia na realização do negócio, omitindo de seus acionistas e do mercado a informação de que a pretendente não tinha condições financeiras de assumir a compra dos campos petrolíferos.
Campos da Petrobras em liquidação
O episódio ilustra bem a ânsia das autoridades brasileiras na liquidação dos ativos da companhia (a decisão judicial que barrou a venda dos campos em águas rasas também afetou a venda de campos terrestres no Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia e Espírito Santo, além de parte da BR Distribuidora).
No início desta semana o Wall Street Journal publicou matéria em que anuncia a intenção da Exxon Mobil Corp, única grande petrolífera ainda sem participação expressiva no mercado brasileiro, em investir na exploração em águas profundas do país. A Exxon juntou-se à gigante francesa Total SA e à estatal norueguesa Statoil ASA, que formaram parcerias com a Petrobras no ano passado para expansão de suas atividades no Brasil. Por sua vez, a Royal Dutch Shell anunciou que planeja investir US$ 10 bilhões no país nos próximos cinco anos como parte de um esforço para dobrar sua produção global em águas profundas.
Analistas estrangeiros dizem, segundo a agência Reuters, que o Brasil pode emergir até 2025 como o quinto maior produtor mundial de petróleo – atrás apenas da Arábia Saudita, Rússia, Estados Unidos e Iraque – com até 50 bilhões de barris recuperáveis. "Todo mundo quer ter um pedaço da torta", disse à Reuters Kjetil Solbraekke, vice-presidente sênior para a América do Sul na consultoria Rystad Energy. "Estes são provavelmente os ativos de petróleo mais prolíficos e de maior retorno disponíveis no mundo".
Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobras, “o último balanço da Petrobras demonstrou que não é a venda de ativos que está alavancando o lucro operacional da companhia, e sim o aumento da produção no pré-sal, a recuperação parcial do preço do barril do petróleo e do valor do Real frente ao Dólar. Os ativos que estão sendo vendidos comprometerão a geração de caixa da empresa no curto, médio e longo prazos e pode, aí sim, inviabilizar a sustentabilidade do endividamento da Petrobras no futuro. O único efeito, portanto, da venda de ativos é a dilapidação do patrimônio da Petrobras, que por direito pertence ao povo brasileiro.”