Como a gripe espanhola interferiu no esporte carioca?
Há mais de cem anos, competições de polo aquático no Rio de Janeiro foram adiadas devido os efeitos da pandemia
Por João Azevedo
Há pouco mais de cem anos, o campeonato de polo aquático do Rio de Janeiro e o primeiro sul-americano da modalidade realizado no Brasil, foram adiados em virtude do vírus da gripe espanhola, em 1918.
O polo aquático teve sua primeira aparição em competições internacionais, em 1900. Nos Jogos Olímpicos de Paris. No entanto, ainda não existia uma confederação que regulamentasse o desporto em nível mundial. A criação da Federação Internacional de Natação (FINA) veio somente em 1908. Sendo assim, o esporte se espalhou pelo mundo de diferentes modos. No Brasil, especificamente, na cidade do Rio de Janeiro. O polo aquático teve seu início, nos clubes de remo.
Por volta de 1913, começam a surgir os primeiros torneios de polo aquático envolvendo clubes do então Distrito Federal. Os atletas, quase sempre, eram já praticantes de Remo e ou natação. Os jogos aconteciam geralmente nas praias da Urca, Santa Luzia e na Enseada de Botafogo.
Geralmente realizados no verão, os torneios de polo aquático da cidade do Rio de Janeiro, começavam quase sempre no início da estação e iam até meados de março. Para o ano de 1918, estava programado a realização de um torneio sul americano de polo aquático no Rio de Janeiro, no final daquele ano. Contudo, a gripe espanhola aproximava-se do país e ameaçava a vida social dos brasileiros.
Uma triste coincidência aconteceu também naquela altura. Algumas autoridades responsáveis, trataram a influenza, como somente uma gripe. O diretor de saúde pública e o prefeito Amaro Cavalcanti, aparentemente fizeram pouco caso do vírus. O que se viu depois, foi bem diferente. A gripe espanhola infectou inúmeras pessoas, vitimando consideravelmente a população mundial e brasileira. Apesar do comportamento daqueles, a cidade sentiu os efeitos da influenza, esvaziando as ruas, fechando estabelecimentos, escolas e também os clubes.
Diante deste quadro, a Federação Brasileira das Sociedades do Remo, entidade responsável pelos torneios aquáticos na cidade do Rio de Janeiro, resolveu adiar o início das competições. Os jogos de polo aquático que habitualmente começavam no fim do mês de dezembro, como já dito, tiveram seu início somente em 2 de fevereiro de 1919. A CBD (Confederação Brasileira de Desportos) organizadora do torneio sul-americano, também transferiu as competições que seriam realizadas em 1918, para o mês de maio de 1919.
Ainda sobre os aspectos da influenza espanhola, a gripe vitimou entre tantas pessoas, dirigentes esportivos e atletas. Como por exemplo, o primeiro secretário da Federação de remo, Raul Vieira Machado o jogador de futebol do Fluminense Archibald French, o remador Marino Shiudler do São Christovão. Também faleceu devido ao vírus, o então eleito presidente do Brasil, Francisco de Paula Rodrigues Alves. O político mantinha boa relação com os clubes de remo da cidade e era presidente de honra do Club de Regatas Boqueirão do Passeio, que prestou homenagens ao falecido.
O campeonato de polo aquático do Rio de Janeiro, válido pela temporada 1918, foi pela primeira vez disputado em uma piscina. Com a conclusão da construção da piscina do Fluminense Football Club e o fim do período estipulado pela Federação Brasileira das Sociedades de Remo, para o afastamento social devido a influenza, começou então a corrida pelo título de campeão de polo aquático. Seis equipes participaram do campeonato. C. R. Boqueirão do Passeio, C. Natação e Regatas, C. R. Vasco da Gama. C.R. Guanabara, C. R. Flamengo e C. R. São Christovão.
Essas são imagens da piscina do Fluminense Football Club, que não é esta que hoje existe na sede das Laranjeiras. Aquela piscina, possuía 30 metros de comprimento por 16 metros de largura e 3 metros e meio de profundidade. Era coberta e comportava cerca de 1.500 lugares para os espectadores. Nesta foto a equipe do C. R. Flamengo disputa uma partida contra o C. R. Boqueirão do Passeio, que viria a ser o campeão da temporada 1918 do polo aquático do Rio de Janeiro.
Já na competição continental, participaram além da seleção nacional, a equipe da Argentina e do Uruguai. “Segundo telegramas de Buenos Aires, os argentinos estão trabalhando para enviar ao Rio um team para disputar o campeonato Sul Americano de Water Polo." Dando grande cobertura ao evento e as equipes rivais, o semanário Vida Sportiva, apresenta as equipes concorrentes ao campeonato no dia 10 de maio de 1919. Neste mesmo, a equipe brasileira de polo aquático derrota os argentinos pelo placar de 14×0. A seleção argentina encerrou a sua participação no torneio dias depois com mais uma derrota, desta vez para os uruguaios por 3×0.
As regras do polo aquático já sofreram alterações, inúmeras vezes. Hoje em dia por exemplo, cada equipe começa a partida com 7 jogadores na água, sendo um goleiro e seis de linha. Ainda contam cada equipe com mais seis suplentes que podem ser substituídos quantas vezes forem. Naquela época, do campeonato de 1919, cada time possuía apenas os 7 atletas dentro d’água, sem a possibilidade de substituição. A equipe brasileira daquele sul americano, foi formada por jogadores de clubes cariocas, apenas. Entre os atletas, estavam presentes figuras já conhecidas e experientes da natação. Abrahão Saliture, dias antes de vencer o torneio de polo aquático, levou o ouro nas provas de natação também realizadas em âmbito sul americano. Também figuravam, Orlando Amendola, Angelo Gamarro e João Jorio, todos campões sul americanos de natação.
Na segunda e decisiva partida do torneio, a equipe brasileira derrotou os uruguaios pelo placar de 11×0, sagrando se campeã do primeiro campeonato sul americano de polo aquático. Mais uma vez, a revista Vida Sportiva, deu créditos ao polo aquático, estampando em sua capa de 31 de maio de 1919 a equipe brasileira campeã continental. A base daquela equipe embarcaria um ano depois para os Jogos Olímpicos de Antuérpia 1920, fazendo com que pela vez inédita o Brasil enviasse aos Jogos, uma equipe de polo aquático.
.
Commentaires