Ex-juiz da Suprema Corte de N. Jersey: 'EUA podem morrer de morte natural'
- Da Redação
- 30 de ago.
- 8 min de leitura

Por Wevergton Brito Lima*
Um país dominado pelo partido único da guerra, cuja população é a mais vigiada do planeta, que corre o risco de colapsar e se dividir. Estas são algumas das visões de Paolo Andrew Napolitano sobre os EUA e seu futuro.
O acadêmico, escritor e analista político Glenn Eric Andre Diesen tem se destacado nas redes sociais brasileiras que reproduzem conteúdo contra hegemônico desde que seu canal passou a contar com tradução simultânea para o português.
Acusado pela mídia comercial da Europa e dos Estados Unidos de ser um “agente da propaganda russa”, Diesen é um conservador convicto que, apesar disso, critica duramente o belicismo estadunidense, defende a multipolaridade e o BRICs, ao mesmo tempo em que flerta com a extrema-direita. Recentemente, Diesen recebeu em seu programa, com grandes elogios, Jurij Kofner, um dos líderes do partido neonazista AfD, da Alemanha.
No entanto, vale a pena acompanhar o canal pois ele explicita a existência de contradições graves entre a direita ideológica sobre como se posicionar diante do mundo multipolar e suas novas exigências.
A imensa maioria dos convidados do programa de Glenn Diesen não se acanha em usar a categoria “imperialismo” para definir os EUA e seus aliados europeus ou apontar sua decadência e o quanto ainda mais perigoso o país pode se tornar diante deste fenômeno. Isso não significa que eles extraiam destes fatos conclusões necessariamente progressistas, embora por vezes pessoas de esquerda figurem entre os convidados.
Seja como for, a entrevista que Diesen fez com Paolo Andrew Napolitano foi muito interessante.
Transcrevi e separei alguns trechos, que apresento a seguir.
Com a palavra, Paolo Napolitano (75 anos, foto), ex-juiz da Suprema Corte de Nova Jersey (de 1987 a 1995), interlocutor de Donald Trump, autor de vários livros sobre direito constitucional estadunidense e, assim como o seu entrevistador, um direitista assumido.
A guerra é a política consensual dos Democratas e Republicanos
“Um amigo meu, tom Woods, que talvez você conheça, um estudioso independente que também comanda um podcast popular, diz que parece que não importa em quem você vote para presidente, você acaba com o John McCain. O falecido senador McCain, claro, foi o mais notório falcão de guerra da era moderna.”
“Posso supor que o ‘Deep state’ (Estado Profundo), a comunidade de inteligência, as partes do governo que nunca mudam, os banqueiros, os militares, eu não diria que ameaçam, mas pressionam os presidentes americanos, provavelmente assustando-os para que cumpram os desejos do ‘Deep State’ e do complexo industrial militar, porque isso acontece repetidas vezes. Temos um partido único, uma expressão pejorativa para descrever as áreas em que republicanos e democratas concordam. A guerra é uma delas”.
“Estamos envolvidos em guerras intermináveis desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Eu nem sei qual é o número exato, mas é raro ter havido um período em que não estivesse acontecendo alguma guerra desde 1945. Então é um problema que ninguém conseguiu resolver.”
Uma sociedade sob vigilância total do Estado
“Existem leis que permitem que o governo federal capture cada palavra digitada em todo o dispositivo móvel e computador deste país (…) Então, todo ano ou a cada 5 anos, essas leis estão prestes a expirar e as pessoas sobem à tribuna da Câmara dos Representantes e do Senado dizendo: ‘eu não vou votar nisso, isso é contra a Constituição. Não é para isso que existe a América’. E então elas recebem uma visita em seus gabinetes da comunidade de inteligência que as obriga a manter segredo sobre a conversa antes mesmo da visita. Isso já é um péssimo começo para uma visita. Alguém vai entrar no seu gabinete e dizer: ‘você não pode contar a ninguém’. Eu diria: ‘saia do gabinete’. Mesmo assim, juram manter segredo e depois saem do encontro com a opinião mudada e nós não sabemos o que lhes foi dito ou o porquê”.
“Tive uma conversa semelhante com o presidente Trump no final do seu primeiro mandato. Ele tinha me ligado para pedir minha opinião sobre alguns perdões e comutações que ele estava prestes a conceder, porque eu conheci algumas dessas pessoas. Eu perguntei como ele estava. Isso foi uma semana antes de Biden ser empossado. Trump ainda estava dizendo para todo mundo que ele realmente tinha vencido a eleição de 2020, e ele disse:
‘não estou muito bem. Eu ganhei a eleição e você sabe disso’, e eu não queria entrar numa discussão com ele.
Eu disse: ‘você tem 2 dias restantes na sua presidência e algumas coisas que você prometeu fazer você não fez’.
‘O quê? O quê?’, ele perguntou.
‘Bem, uma coisa é liberar os arquivos sobre o assassinato de JFK. Outra coisa é perdoar o Julian Assange – que na época ainda estava em perigo – e o Edward Snowden’. Achei que tinha convencido ele a perdoar o Snowden e o Assange”.
“Sobre os arquivos do caso JFK ele me respondeu: ‘juiz, se te mostrassem o que me mostraram, você também não liberaria esses arquivos’. E eu perguntei: ‘bem, quem são eles e o que te mostraram?’ E ele então levantou a voz e disse: ‘quando estivermos conversando e não estiverem 15 pessoas ouvindo a ligação, eu te conto’. Bem, ele nunca contou (…) Então, ameaças, coerção, medo, promessas, tudo isso é o que manda no governo americano”.
“(…) Você sabe, a comunidade de inteligência está completamente fora de controle (…) Quando George W. Bush percebeu que a NSA, que é o aparato de espionagem doméstica dos Estados Unidos, empregava 60 mil pessoas, 10 vezes mais do que o número de agentes do FBI, ele disse ao chefe da NSA: ‘você não precisa se preocupar com a Constituição, porque eu sou seu chefe. E como comandante em chefe, eu não preciso me preocupar com a Constituição’.”
“(…) O ‘Patriot Act’ (lei proposta por George W. Bush em 2001, N.do E.) é uma legislação horrível, permitindo que agentes federais ignorem a quarta emenda da Constituição. Apenas um juiz pode emitir um mandado de busca com base em causa provável de crime, mas o ‘Patriot Act’ permite que um agente do FBI autorize outro agente do FBI a preparar seu próprio mandado de busca. Eles não chamam isso de mandado de busca, chamam de cartas de segurança nacional, mas tem o mesmo efeito. Isso entrou em vigor em 2001. Já faz 23 anos, uma geração inteira de espiões e agentes federais cresceu sendo ensinada: ‘não se preocupe com a Constituição, apenas faça o que precisa ser feito. Depois lidamos com as questões constitucionais’.”
“Então, formalmente, a Constituição ainda existe. Ainda temos 3 poderes, ainda temos um judiciário independente com mandatos vitalícios, ainda temos uma presidência, ainda temos um Congresso com 2 casas, mas na prática a Constituição não existe porque pouquíssimas pessoas a seguem.”
“(…) existem duas CIAs nos Estados Unidos, há os espiões que coletam informações que o governo federal americano realmente precisa para saber quais perigos existem por aí, mas é a parte de operações da CIA que é horrível e perigosa. Quando Barack Obama bombardeou a Líbia, não usou o exército, ele usou a CIA. Agora, eles parecem militares. Eles têm armas e equipamentos como os militares. Eles têm aviões a jato com mísseis, mas não são militares, porque a lei nos Estados Unidos para o uso das Forças Armadas exige o consentimento do Congresso. Mas a CIA trabalha diretamente para o presidente. Então agora o presidente tem seu próprio exército secreto particular, que pode usar para matar pessoas como quiser, nunca autorizado pela legislação.”
“Quando o Chuck Schumer (Senador Democrata pelo estado de Nova Iorque, N. do E.) disse que elas (as agências de inteligência, N. do E.) têm 6 maneiras diferentes de te pegar, isso está 100% correto, porque elas escutam todas as ligações e cada palavra digitada até aquelas que você acha que deletou. Eles sabem todos os segredos de todo mundo. Quero dizer, os americanos, especialmente os que moram em Nova Iorque, são as pessoas mais vigiadas do planeta (…) o falecido juiz Antonin Scalia (era membro da Suprema Corte, ultraconservador, N. do E.), um grande amigo meu nos últimos 10 anos de vida dele, me disse que a Suprema corte dos Estados Unidos estava sendo vigiada pela NSA e os membros da corte sabiam disso”.
Todas as tarifas podem cair
“Nós temos um presidente que não entende o básico de economia, ele não entende economia (…) uma tarifa é um imposto sobre vendas pago pelo consumidor final. E você começa a ver os preços subirem neste país. Não de forma radical, não dramaticamente, mas devagar e de maneira geral. E isso vai aumentar, provavelmente atingirá seu pico daqui a um ano”.
“Do ponto de vista constitucional, falemos sobre a Constituição. Uma tarifa é um imposto. Apenas o Congresso pode impor um imposto. Isso já foi decidido por um tribunal federal de primeira instância e acredito que o tribunal federal de apelações vai confirmar essa decisão em breve, literalmente em breve, porque eles disseram que a decisão sairia antes do Dia do Trabalho, que é daqui a 2 semanas (em 2025, 1º de setembro, pois nos EUA é sempre na primeira segunda-feira de setembro, N. do E.), então isso pode chegar à Suprema Corte.”
“Não sei quais serão as consequências econômicas se todas essas tarifas forem invalidadas, pois o Congresso nunca vai votar a favor de tarifas agora, porque os republicanos fizeram muitos compromissos pessoais de nunca aumentar impostos, não importa o que aconteça (…) Quero dizer, ele ameaçou uma tarifa contra o Brasil porque não gostou da investigação contra o ex-presidente do Brasil. O que isso tem a ver com a economia Americana? Nada”.
O Governo pode colapsar e os EUA se dividir
“O Congresso se recusa a fazer seu trabalho e permite que o presidente (Trump) usurpe poder (…) Agora, ele quer se tornar o chefe de polícia de Washington, Chicago, Los Angeles e Nova Iorque. Os tribunais não aplicam a Constituição como foi escrita, o complexo industrial militar e o lobby sionista têm controle absoluto sobre o Congresso. O complexo industrial militar continua sendo beneficiário de um orçamento anual de um trilhão de dólares, o que, claro, é absurdo. Isso é mais do que os próximos 10 países somados, incluindo Rússia e China, é claro. Tudo isso e a dívida, todas essas coisas vão derrubar o governo americano. Provavelmente a dívida antes das outras.”
“O governo dos Estados Unidos pode morrer de morte natural porque não conseguirá pagar suas dívidas. Deve 37 trilhões de dólares. Esse valor será de 40 trilhões quando Trump deixar o cargo. Agora você pode fazer as contas. O serviço da dívida sobre 40 trilhões por ano é superior a um trilhão. Nenhuma sociedade conseguiria sobreviver por muito tempo com esse tipo de serviço da dívida. Se Trump repudiar a dívida, isso pode até ser algo bom, mas muitas pessoas, governos e instituições ficariam na mão e então ninguém mais vai querer emprestar dinheiro ao governo americano. Ele será forçado a viver dentro de seus meios ou a taxar as pessoas até a morte. E aí haverá uma revolução. Então, de um jeito ou de outro, isso vai acabar. Não sei se vai acabar na minha vida, mas provavelmente vai acabar na sua (neste trecho o ex-juiz refere-se ao apresentador Glenn Diesen, trinta anos mais novo, N. do E.).”
“Será o colapso ou dissolução dos Estados Unidos se fragmentando em não sei quantas pequenas repúblicas, uma dúzia ou mais.
É apenas uma especulação da minha parte, mas essa divisão seria regional, ideológica.
Então, a Nova Inglaterra provavelmente seria sua própria pequena República. O Texas seria outra. Geórgia, Carolina do Sul e Flórida seriam uma só. O meu estado Natal, Nova Jersey, provavelmente estaria onde Nova Iorque estiver, mas essas são as coisas que provavelmente aconteceriam”.
Link para a entrevista no Youtube: https://youtu.be/Sc1rmtPGoRA?si=tBoZOhC3bLc57hUD
“Longe de ti, se escuto, porventura, / Teu nome, que uma boca indiferente / Entre outros nomes de mulher murmura, / Sobe-me o pranto aos olhos, de repente… / Tal aquele, que, mísero, a tortura / Sofre de amargo exílio, e tristemente / A linguagem natal, maviosa e pura, / Ouve falada por estranha gente. / Porque teu nome é para mim o nome / De uma pátria distante e idolatrada, / Cuja saudade ardente me consome: / E ouvi-lo é ver a eterna primavera / E a eterna luz da terra abençoada, / Onde, entre flores, teu amor me espera.” (Trecho de Via-Láctea – Olavo Bilac)
*Wevergton Brito Lima é jornalista especializado em geopolítica
Comentários