O Amor de Maria
- Mehane Albuquerque
- há 4 dias
- 3 min de leitura
Por Railane Borges
Quando eu engravidei pela primeira vez, eu nem era direito uma pessoa. Me sentia constantemente me afogando em um mar com muitas ondas e correntes distintas que puxavam para cá e para lá. Minha mente não se aquietava um segundo, fluia entre a culpa de me tornar mulher, de ter engravidado na adolescência, sem planejamento e a responsabilidade de ser uma criança com um bebê.

O medo era um sentimento recorrente naqueles dias.
Eu tinha medo da morte da carreira que eu tinha batalhado para construir, contra todos os óbices.
Medo dos olhares das pessoas, do futuro, medo de ter um bebê dentro de mim que ia precisar sair.
Medo de ter fracassado no meu plano de arrumar um ticket para fora daquele lugar de onde eu tinha vindo.
Eu estava tão só.
Eu tinha um bebê crescendo desta solidão.
Foi quando a natureza do nascimento nos revelou um para o outro. E eu entendi o milagre. Nunca mais, nunca nem por um segundo sequer depois que meu filho encheu primeiro o meu corpo, depois minha mente e por último o meu coração, eu estive sozinha outra vez.
E não era apenas companhia.
Era um propósito.
Nada mais foi sobre mim.
Eu era uma menina e muito pouco sabia sobre como segurar as minhas emoções diante dos olhos, na palma da mão, para vê-las de perto e decidir se iam ou não para a face de cá das palavras ditas, dos atos tomados.
E mesmo assim crescemos eu e meu filho. Fortes.
Construimos um mundo só nosso onde inventamos a nossa própria língua de amor.
E o tanto que esse encontro me transformou, o tanto que essa vida se tornou singular para mim, não são mensuráveis.
Depois vieram os outros.
E me sentir em casa é poder ouvir mil vezes no timbre deles a palavra ‘mãããe’ que fazem ecoar pelos cômodos repetidamente e que eu amo tão mais que os silêncios supervalorizados.
Eu não tenho mais medo da maternidade. Nem de quem eu me tornaria, já me encontrei faz tempo.
Agora eu tenho medo dos homens e suas guerras.
Eu não fui sempre uma boa mãe.
Me lembro de errar com meus filhos em muitas ocasiões.
Como uma boa e verdadeira pessoa humana. Mas algo certo, é que eu os amei em cada segundo de sua existência.
As nossas fases mudam pra caramba.
Temos tantas coisas uns dos outros. Todo mundo percebe.
Os pés gêmeos com meu primeiro filho.
O jeito de falar e olhar do segundo.
Um jeito meio biruta às vezes de pensar e assimilar as coisas do terceiro, o mesmo pavio curto.
O desafio pessoal em receber ordens.
As músicas.
O orgulho. “Você duvida?” E lá vamos nós.
Meu mais velho está prestes a completar dezoito anos, muito perto da idade que eu tinha quando dei a sorte dele me acontecer.
Não é a toa que, nesses tempos de Páscoa, eu só consiga pensar em Maria. A mãe. Em toda essa historia repetida por milênios na tradição cristã, minha atenção permanece fixa na trajetória desta mulher, primeiro para sobreviver à sexta-feira da paixão e depois no domingo.
O bonito em tudo isso é a sinalização de que um filho nunca morre, ascende.
Confesso que o mundo continua assustador e hostil como naqueles tempos, e que se pudesse fazer um pedido seria o mesmo: que nossos filhos não seguissem sendo crucificados pela medida da maldade humana sob a régua da violência gratuita.
Que possam caminhar em paz sobre essa terra como nossas heranças do senhor.
*Railane Borges é atriz e cineasta
Belíssimo texto. Esse período de páscoa nos faz pensar muito mesmo em Maria. Em tudo que ela passou vendo o seu filho sofrer e morrer. E não tem como pensar nos nossos filhos e sentir medo de que eles sofram ou morram nesse mundo com tanta violência e maldade. Belíssimo texto.
Lindo texto, parabéns pela arte e dom de ser mãe,iluminado por Nossa Senhora.
Lindo texto! Profunda reflexão! Como sempre!E que o Papa Francisco, progressista, levado por São Jorge, seu xará, descanse em paz…
Nossos filhos são nossos maiores tesouros ao mesmo tempo nossos maiores desafios! Me preocupo cada vez mais no caminho que esse mundão está indo…. O que podemos fazer é tentar prepará-los da melhor forma possível, moldar seu caráter e soltá-los…. Afinal já diz o ditado: “filho a gente cria para o mundo” ou ao menos algo parecido com isso!
Parabéns por mais um texto incrível Ray!
Quanto orgulho de te ter como filha! E de ver como vc se tornou alguém que escreve e toca a alma. Parabéns!