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O gigante egoísta

Railane Borges (atriz e cineasta)


Aos trancos e barrancos, os meninos irrompem pelo portão após sua jornada diária de estudos, partidas de futebol e duelos de bolas de gude. Cansados e dois tons acima da média, eles vêm com muitas histórias e uma nova cumbuca de argila para ‘guardar as nossas moedinhas’.

- Hoje é dia de quem escolher o livro?- Eu pergunto.

- EU!

Estou de costas, mas pela voz no retorno da resposta já sei que teremos Oscar Wilde.

Li que um homem na Irlanda anda catalogando o som dos passarinhos. As gravações começaram como um hobby, a título de informação própria. Depois viraram utilidade pública, já que metade deles corre o risco de ser extinta a qualquer momento.

Faz uns dois anos que passei a reparar na mudança de sons por aqui também. Em um bairro rodeado por serras, era de costume se surpreender com a zoada dos bandos e mais bandos de maritacas, tucanos e andorinhas e tantos outros pássaros entoando seus cantos e gritos, enchendo o céu de encantos e simetria em seus coletivos. Mas não mais. Não ultimamente.

Tudo anda mais silencioso, tudo.

Menos às quintas-feiras, quando escuto cinco cultos diferentes simultaneamente.

Menos a parte do som dos carros cruzando a avenida e a estrada nas quais minha rua desemboca.

Entretanto, o silêncio específico da fauna tinha vindo depois de muito barulho de casas e condomínios subindo por todo lado.

É o maldito do papel.

Os homens e seus negócios.

Essa corrida insana e sem ponto de chegada. Nem se deram conta de que estão matando o mundo com sua ganância. Ou negam por má fé.

“O aquecimento global é uma mentira!” - Eles dizem arrancando mais e mais o couro verde e azul do mundo.

Foram trocando florestas e ambientes naturais por seus aterros, muros, casas e pontes de concreto.

Tanta casa sem gente; e tanta gente sem casa.

Um dos paradoxos desses tempos em que possuir, não nascer, precede o existir com dignidade.

“Vai, mãe! Conta a história!”

Às vezes me acontece isso. Eu me perco na minha própria mente.

De volta a Wilde, depois de construir um muro gigante para impedir que as crianças usufruíssem daquele lugar, o gigante também prendeu do lado de fora a alegria e a vida que as pessoas traziam, instaurando um longo e duro inverno que acabou por prejudicá-lo enormemente.

Sinto que a distopia se aproxima a passos rápidos da realidade. E que temos um desses gigantes no mundo atual. Esse também recém chegado de uma ‘viagem’. Raivoso e violento, não demorou a iniciar a expulsão de quem bem entende que não deveria estar em seu território.

Umas semanas atrás, chamou a nossa casa de “seu quintal”, apesar de estarmos muito distantes geograficamente. O frio na espinha foi uma amostra grátis do inverno possível. Com o frio nunca me dei.

E se esse não fosse como o de Wilde? E se fosse incapaz de sentir empatia, de compreender os resultados do seu egoísmo?

Os meninos dormiram. Antes do fim da história.

Sempre fico sozinha na parte em que um dos menininhos tenta inutilmente alcançar um galho de uma árvore alta demais, para se divertir com os outros, e o gigante, ciente do mal causado e de sua culpa no frio, resolve ajudá-lo, trazendo de volta a primavera e a felicidade para aquela terra onde todos juntos podiam desfrutar de um clima melhor.

Fecho o livro com um sorriso no rosto.

Pela primeira vez, uma equipe de jornalistas da National Geographic interferiu no curso da natureza, impedindo a seleção natural de vitimar um grande grupo de pinguins que ficara para trás depois que blocos de gelo se desprenderam entres eles e seu grupo, causando uma grande variação de altura intransponível, senão pela ajuda da equipe presente que cavou intensamente até que abriu uma passagem, permitindo que os animais se deslocassem e reencontrassem o seu grupo.

“Nós, homens, contribuímos diretamente para que muitas vidas no planeta sejam perdidas. Ajudar alguns não será um problema para a natureza.”

E se aprendêssemos de forma mais assertiva que empatia e coletividade constroem o sucesso da jornada humana?

Talvez pudéssemos derreter mais alguns corações gelados.

Antes de dormir, voltei a ver aquela série apocalíptica, O Eternauta. Diferente de todas as outras, em que as pessoas começam a se exterminar por poder e território, nessa nada seria possível se não fosse a improvável união das pessoas para sobreviver a um inimigo desconhecido. Um Darín impecável como de costume e uma bela mensagem.

Espero que escutemos.

Os passarinhos, as boas mídias e os sinais do tempo.

Hoje dormimos ainda sob risco de gelo. Caso acordem e sintam frio, não aceitem o inverno perene. Como as crianças, façam buracos no muro. Ocupem tudo. Até o fim. Só a luta é capaz de promover primaveras.

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