Ecos de uma operação jornalística em defesa da verdade
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Ecos de uma operação jornalística em defesa da verdade

Atualizado: 9 de mar.

Por Luiz Augusto Erthal

Enviado especial do jornal TODA PALAVRA e delegado brasileiro na Nova Operação Verdade


Havana - Primeiro foram os cabos telegráficos submarinos. Em um tempo em que não se sonhava com a internet e os satélites espaciais estavam ainda começando a entrar em órbita, as notícias tinham que trafegar por eles para poder atravessar fronteiras, mares e continentes. Mas ela - a verdade - nem sempre era bem vinda nessas linhas de transmissão jornalística.

Agora são os bits que transportam as informações em velocidade vertiginosa e cada pessoa conectada nessa nova aldeia global cibernética pode oferecer o seu próprio conteúdo ao mundo através das redes sociais. Ela, porém, continua desprezada - e pior: recusada não só por uns poucos que, no passado, detinham o monopólio da comunicação transnacional, mas rejeitada agora por coletividades inteiras.


O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, discursa na sessão de abertura da Nova Operação Verdade

Luis González, presidente da Prensa Latina

A verdade - irmã mais velha da mentira, que nasceu imediatamente depois dela - é, definitivamente, uma passageira incômoda nos canais da comunicação de massas. As pessoas de bem a desejam, mas nem sempre é fácil encontrá-la quando a sua caçula parece multiplicar-se, alimentada por todo tipo de enganadores e pela prática deturpada do próprio jornalismo.

A busca e a luta em defesa da verdade levaram jornalistas de 34 países das Américas, Europa, África e Ásia a se reunirem em Havana, Cuba, entre os dias 21 e 23 de janeiro. Eles foram convidados pela agência cubana de notícias Prensa Latina para participarem da Nova Operação Verdade. O adjetivo “nova” já revela por si que essa é uma velha obsessão e que as fake news não são uma invenção do mundo digital. A reunião no Royalton Havana Hotel foi inspirada na Operação Verdade, uma conferência de imprensa convocada, em 1959, por Fidel Castro para combater a campanha de não verdades que as agências de notícias norte-americanas Associated Press (AP) e United Press International (UPI) moviam contra a recém vitoriosa Revolução Cubana, que derrubou a ditadura sangrenta e corrupta de Fulgencio Batista e inaugurou um novo processo político, cuja evolução tornaria a ilha caribenha uma referência até hoje para progressistas, socialistas e comunistas em todo o mundo.

Disfarçada sob a capa da pseuda objetividade e imparcialidade do modelo de jornalismo norte-americano, a mentira tornou-se, àquela época, passageira quase exclusiva dos cabos submarinos, chegando, assim, a todas as partes do mundo como a versão de uma revolução sanguinária, que fuzilava indistintamente os seus adversários nos “paredóns”.

Fidel, então, convidou cerca de 400 jornalistas para conhecerem de perto a revolução. Eles acompanharam pessoalmente muitos dos julgamentos realizados por um tribunal revolucionário que, assim como em Nuremberg, em relação aos líderes nazistas, condenou criminosos de guerra, levando, sim, muitos assassinos e torturadores a pagarem por seus crimes.

Fidel justificou na época que não se tratava de vingança, mas de um dever do novo governo revolucionário diante do clamor por justiça do povo cubano e da necessidade civilizatória de restabelecer o império da lei. A narrativa dos “paredóns”, no entanto - e apesar da cobertura jornalística dos julgamentos realizada pelos veículos de imprensa credenciados na Operação Verdade -, correu o mundo e se impôs por muito tempo em vários países. A mentira fazia aquilo que mais lhe apraz - tomar o lugar da verdade.


Fake news: a mentira crível


“Não precisa ser verdade, basta ser crível”. Essa frase foi citada várias vezes durante os trabalhos da Nova Operação Verdade para explicar o pensamento e o comportamento das redes sociais e da mídia hegemônica ocidental. Alguns debatadores relembraram também a máxima do ministro da propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, de que uma mentira repetida mil vezes se torna verdade e, mesmo quando desmentida, os estragos são praticamente irreversíveis porque o desmentido causa menos impacto e atinge um número bem menor de pessoas do que a versão original.

Mas se o jornalista precisa, em louvor à verdade, mostrar em qual lado de uma determinada notícia se encontra a razão, onde fica, afinal, a objetividade, a neutralidade e a imparcialidade que se ensinam em muitas faculdades de jornalismo? “Embora devamos ser imparciais, nós, jornalistas, não podemos ser imparciais entre o bem e o mal”, vaticinou o jornalista norte-americano David Montgomery, que trabalhou por cerca de 30 anos como repórter do jornal Washington Post, em uma das mesas de debate da Nova Operação Verdade.


O americano David Montgomery fala entre o mexicano Jenaro Villamil e Abel Prieto, da Casa de las Américas

David foi um dos três jornalistas norte-americanos - os outros eram Walter Smoralek e Gloria de La Riva - a participarem de uma conferência de imprensa em Cuba, onde os Estados Unidos foram duramente condenados pelo bloqueio econômico que impõem há mais de 60 anos àquele país e também por ajudar a sustentar a guerra contra a Rússia através da Ucrânia e pelo apoio ao massacre do povo palestino em Gaza pelas tropas do governo israelense.

Essas três situações geopolíticas foram enfaticamente denunciadas nos debates da Nova Operação Verdade como exemplos de falseamento da verdade pela mídia hegemônica ocidental. As versões veiculadas pela grande imprensa sobre essas questões são praticamente unânimes em apontar - mesmo sem provas - Cuba como um país que apoia o terrorismo para justificar o bloqueio de seis décadas que tem levado o povo cubano à escassez e à estagnação econômica; a Rússia como um país agressor que invadiu a Ucrânia, sem qualquer crítica à política expansionista da OTAN que ameaçava progressivamente a integridade russa; e o direito à autodefesa de Israel de forma inquestionável e insensível ao neocolonialismo expansionista israelense por várias décadas, que tem levado os palestinos a seguidas insurreições, sendo a última usada como justificativa para a limpeza etnica do território de Gaza que já matou mais de 25 mil palestinos - a maioria deles crianças e mulheres.

Com sua larga experiência de trabalho na imprensa norte-americana, David Montgomery explicou a fórmula usada pelo jornalismo descomprometido com a verdade para conciliar fake news com a retórica da imparcialidade jornalística:

“As fake news praticadas pelos jornais são muito mais sinistras do que uma mentira clássica. São meias verdades que são vendidas ao público como se fossem possíveis de serem provadas”, avaliou o norte-americano.


A nova fórmula da Coca-Cola


Paralelamente às falsas versões da mídia hegemônica ocidental, as redes sociais - muitas delas também sediadas nos Estados Unidos - cumprem o papel de disseminar massivamente as fake news. Essas mentiras geralmente são propagadas de forma bombástica em textos ou vídeos rasos, sem a checagem indispensável à imprensa profissional e cuja superficialidade é a sua principal característica. Em parceria daninha com o jornalismo corrompido, potencializam exponencialmente a divulgação das fake news.

“A pós-verdade é a era do fim da honestidade política”, afirmou o presidente do Sistema Público de Radiodifusão do México, Jenaro Villamil, que participou do painel “A notícia em tempos de internet, redes sociais e fake news - uma aproximação multidimensional”. Segundo ele, nas redes sociais, “a verdade é considerada algo secundário e sua verificação simplesmente não existe. O importante são os ganhos políticos conquistados através das falsas verdades”.

O Brasil e Bolsonaro e a Argentina de Milei foram dois dos exemplos clássicos - diversas vezes citados ao longo da conferência - de países onde a extrema direita chegou ao poder através de políticos inescrupulosos, catapultados praticamente do nada através de campanhas de fake news insidiosas.

Jenaro qualifica os algoritmos das redes sociais como os segredos mais bem guardados do mundo contemporâneo. “É a nova fórmula da Coca-Cola”, define. Através deles as notícias falsas encontram o seu público certo, aquele mais predisposto e vulnerável à sua aceitação. Cruzando informações demográficas e sentimentos capturados através de simples emojis pelos quais os usuários das redes sociais manifestam sentimentos e estados de espírito, os algoritmos determinam para onde devem direcionar as fake news.

“A chave desse processo que define as métricas de cada campanha de mentiras está na personalização. Agora se agrega a ele um novo ingrediente: a inteligência artificial, hoje intensamente pesquisada pelas maiores universidades norte-americanas. A IA é o verdadeiro software do plágio, pois não cria nada. Só copia e modifica aquilo que captura. Esse é o maior roubo de propriedade intelectual já praticado pelos Estados Unidos desde a chegada dos colonos europeus à América”, denuncia Jenaro Villamil.


Godfrey Smith, ex-chanceler de Belize, abordou o tema do colonialismo cultural

Colonialismo cultural


Os ganhos políticos representam apenas um lado da moeda midiática ocidental. O outro é a face mais sombria do colonialismo cultural, denunciado em sua intervenção pelo ex-chanceler de Belize, Godfrey Smith. Como arma eficaz do soft power imperialista, a mídia hegemônica trabalha, segundo ele, para estender indefinidamente o papel opressor dos antigos colonizadores sobre as suas ex-colônias.

“O colonialismo cultural é erradicável. Faz-se a independência política, mas a antiga colônia assimila e reproduz o sistema político, econômico e cultural do colonizador, que mantém um controle total sobre a mente das pessoas. Os colonizados agem como mímicos dos colonizadores”, analisa.

Godfrey citou Cuba como um caso raro no mundo de país que, depois de se tornar independente política e economicamente, também conseguiu alcançar a independência cultural, graças à Revolução Cubana.

Análises como essa e a necessidade de um enfrentamento, pela imprensa livre do Sul Global, da sistemática propagação de fake news pela mídia hegemônica ocidental e pelas redes sociais levaram os delegados da conferência a concluírem que a Nova Operação Verdade tem de se transformar em um fórum permanente em defesa do jornalismo honesto e verdadeiro. Contra a mentira, a ética e a verdade.

Se, por um lado, as fake news têm por trás, como seu combustível principal, o poder econômico dos grandes grupos midiáticos ocidentais, por outro lado a imprensa livre do mundo possui, a seu favor, a força poderosa da verdade. Em sua participação no painel “As agências de notícias na era hipermedial: do despacho cabo-telegráfico à notícia multimídia”, o editor do jornal norte-americano Liberation News, Walter Smoralek, lembrou que, apesar de toda campanha midiática mundial que apoia o massacre do povo palestino, 65% da população norte-americana é favorável ao um cessar fogo imediato em Gaza.

Embora ainda tímidos, diante da avalanche de fake news em circulação no mundo, os reflexos da Nova Operação Verdade são, a partir do exemplo de resiliência e coragem do povo cubano, que há mais de 60 anos enfrenta de forma valente o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, sinais de esperança para a parte mais oprimida da humanidade.

“A Nova Operação Verdade é uma fonte de inspiração para todo o mundo árabe, mas em particular para todos os palestinos hoje”, disse, em mensagem gravada, o Ministro da Informação do Líbano, Ziad Makary.


Nova Operação Verdade passa a ser permanente


Ao final de dois dias de debates, a conferência de imprensa que reuniu jornalistas de 34 países em Havana, chegou ao fim com a conclusão unânime entre os participantes de que a Nova Operação Verdade precisa ser permanente para se contrapor à chamada pós-verdade e às fake news que dominam a imprensa hegemônica ocidental e as redes sociais.

Desta vez, estiveram em Cuba jornalistas de veículos independentes e redes de imprensa livre, que novamente se opõem às notícias falsas difundidas sobretudo pelas agências noticiosas e veiculadas pela chamada imprensa hegemônica, formada pelos grandes grupos de mídia ocidentais.

Além de jornais e emissoras de rádio e televisão, como o TODA PALAVRA, de Niterói (único representante brasileiro a participar da conferência a convite da Prensa Latina), várias agências e redes independentes de notícias estiveram em Cuba nesta Nova Operação Verdade: Sputnik e TV BRICS, da Rússia, Al Mayadeen (co-organizadora do evento), do Líbano, e a Agência Argelina de Notícias, entre outras.

O bloqueio econômico imposto há mais de 60 anos pelos Estados Unidos a Cuba, a política expansionista da OTAN, que levou à Ucrânia a guerra contra a Rússia, sustentada com o apoio norte-americano e da Europa Ocidental, e o massacre criminoso da população palestina em Gaza, promovido pelo governo de Israel, estiveram no centro das discussões.

Com a presença do presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel na sessão de abertura, dia 21, a conferência contou também, além dos jornalistas e dirigentes de mídias independentes, com a participação de representantes governamentais e entidades culturais e de representação da imprensa, como o diretor do Centro Fidel Castro Ruz, René González Barrios, o Ministro da Informação do Líbano, Ziad Makary, o ex-chanceler de Belize, Godfrey Smith, o coordenador de midia do Conselho de Comunicação e Cidadania da Nicarágua, Daniel Edmundo Ortega Murillo, o presidente da Casa das Américas, Abel Prieto, o presidente do Sistema Público de Radiodifusão do México, Jenaro Villamil, a diretora para os Estados Unidos do Ministério das Relações Exteriores de Cuba, Johana Tablada, e os presidentes e dirigentes da Federación Latinoamericana de Periodistas (Felac) e do Congresso Hispanoamericano de Prensa.


Aleída Guevara, filha de Che Guevara

Entre os palestrantes e delegados que se manifestaram nesse primeiro dia, ficou claro um consenso de que os jornais livres, a imprensa independente e as redes de notícias do chamado Sul Global devem se unir contra a promoção das fake news. Para Aleída Guevara, filha do líder revolucionário Che Guevara, a conferência é uma continuação da Operação Verdade de 1959:

“Eu penso que essa não é uma nova operação, mas uma continuação da Operação Verdade. É a mesma Operação Verdade que necessitamos desde sempre para dizer ao povo o que está acontecendo para que o mundo o compreenda. E hoje necessitamos dessa operação mais do que nunca, não somente por Cuba, mas também pelo resto da América Latina e muito especialmente por Gaza. É muito importante que as pessoas unam suas forças pela luta de um povo como o da Palestina”.


Colaboradores do TODA PALAVRA na cobertura da Nova Operação Verdade


A cobertura especial da Nova Operação Verdade, em Cuba, só foi possível graças ao convite da agência de notícias Prensa Latina e ao apoio dos seguintes colaboradores, a quem o TODA PALAVRA agradece publicamente: Aelio Santos, Angela Bueno Medeiros, Célia Neves, Denise Rôças Lopes de Souza, Francisco Evandro Teixeira, João Batista de Vasconcellos Torres Filho, José Silveira Barros, Léa Cristina Gomes, Mauro Romero Leal Passos, Paulo Eduardo Gomes, Paulo Fernando de Figueiredo, Regina C. Guimarães, Ricardo De Luca, Vicente Cecchetti, Yrila Ribeiro Oliveira Silva e Waldeck Carneiro. A todos os nossos leitores e apoiadores, muito obrigado!


Assista a reportagem da Nova Operação Verdade em vídeo do canal do TODA PALAVRA no YouTube:



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