"O Rio de Janeiro está em chamas", alerta Axel Grael
Na última segunda-feira (19/8), o prefeito Axel Grael, engenheiro florestal e ambientalista de longa data, publicou em seu blog um contundente desabafo. Axel escreveu sobre uma recente viagem de helicóptero ao interior do Estado do Rio — mais precisamente à região das Baixadas Litorâneas, que compreende 13 municípios — e o triste cenário que viu do alto: fogo, fumaça e destruição.
"Com muita tristeza, vi fumaça de queimadas por todos os lados e a destruição causada por elas. Muitos focos de incêndio e grandes extensões de áreas já queimadas. Alguns dos últimos fragmentos remanescentes de florestas estavam rodeados pelo fogo ou já estavam atingidos, com sinais de fumaça", relatou.
No texto, Axel destacou a grave situação da Bacia Hidrográfica do Rio São João, antes inserida em uma exuberante área de Mata Atlântica, da qual quase nada sobrou. E citou o naturalista britânico Charles Darwin, que em passagem pela região, em 1832, encantou-se com a diversidade da flora e observou a importância da vegetação para garantir a umidade do ar.
"Logo que parou de chover, foi curioso observar a extraordinária evaporação que se começou a processar sobre toda a extensão da floresta. A uma altura de trinta metros, as colinas desapareciam em densa neblina branca que se erguia como colunas de fumaça saindo das partes mais cerradas da mata, especialmente dos vales" (Charles Darwin: "Viagem de um naturalista ao redor do mundo").
"Lamentavelmente, a cena que Darwin descreveu já não existe mais. A neblina saudável proporcionada pela floresta agora dá lugar à poluente névoa de fumaça dos incêndios em vegetação", comentou Axel.
Ao sobrevoar os morros, a degradação de vastas terras que serviram de pasto, o manejo inadequado do solo e a queima reincidente, também foram observados por ele.
"Com exceção de algumas poucas áreas com uma produção mais estruturada, com pecuária e plantios de cítricos e de alguma atividade turística nas margens do Reservatório de Juturnaíba, vemos vastas extensões de terras planas e agricultáveis, mas abandonadas, degradadas e quase sempre ociosas. Em outros países de territórios mais reduzidos e carente de terras para produzir, estas terras seriam certamente valorizadas, cultivadas e produtivas", lamentou.
Axel chama atenção para o fato de que a Lagoa de Juturnaíba encontra-se no epicentro da região que sofre com o acelerado processo de degradação, o que pode comprometer o abastecimento de água para 500 mil habitantes de oito municípios fluminenses que dependem deste único manancial.
"A represa foi construída entre 1982 e 1984, inundando a Lagoa de Juturnaíba, então naturalmente existente, para aumentar a capacidade de estocar água dos rios São João, Capivari e Bacaxá. Trata-se do maior reservatório de água doce destinado ao abastecimento humano no estado do Rio de Janeiro", ressalta.
Embora existam leis e instrumentos para resguardar a natureza na região, como a Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João / Mico-Leão-Dourado, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO, e o Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense, a fiscalização feita pelos órgãos ambientais é insuficiente para cobrir o grande território e coibir práticas que já estão arraigadas à cultura local, como a queima de áreas de plantio, pasto e de lixo, além da soltura de balões.
"As cenas desoladoras que vimos no sobrevoo do último sábado não ocorrem por falta de legislação ou forma de monitorar e identificar os responsáveis pelos focos de queimadas. Temos as leis e a tecnologia para isso. Há um enorme desafio que é superar uma prática fortemente disseminada na população urbana e rural de utilizar criminosamente o fogo para diversos fins, como mudança do uso do solo (desmatamento), "limpeza de terreno", queima de lixo e até a prática ilegal e irresponsável de soltar balões. O problema é agravado pela falta de pessoal, estrutura e meios necessários para que os órgãos ambientais atuem na fiscalização e punição ao uso do fogo", avaliou.
Na volta a Niterói, Axel conta que viu a fumaça das queimadas sendo levada para a Região Metropolitana do Rio, onde também havia vários focos de incêndio em vegetação, segundo ele.
"O Rio de Janeiro está em chamas", constatou.
O prefeito que criou a primeira secretaria do Clima no país, que adotou soluções de tecnologia ambiental para tratar esgoto e despoluir as lagoas do município, lembra que Niterói tem uma política pioneira para controle de incêndios em matas e morros, inclusive com a participação de uma brigada de voluntários treinados.
Axel conclui o texto mencionando que o país será sede da Conferência do Clima, a COP-30, no ano que vem, mas que ainda está longe de cumprir as ambiciosas metas assumidas para conter as queimadas, o desmatamento e enfrentar as mudanças climáticas:
"O Brasil assumiu o compromisso perante a comunidade mundial nas conferências climáticas de controlar o desmatamento e as queimadas, que são responsáveis pela maior parte das emissões de Gases do Efeito Estufa - GEE no país. Também nos comprometemos na nossa NDC a recuperar 24 milhões de hectares de terras degradadas, o que nao foi sequer iniciado. A extensão de terras degradadas ainda cresce aceleradamente no Brasil.
Recentemente, após um ciclo governamental genocida que incentivou a destruição das florestas brasileiras, estamos conseguindo reduzir o desmatamento na Amazônia. Mas, estamos vendo o problema crescer com gravidade nos biomas do Pantanal e do Cerrado.
No ano que vem, em 2025, o Brasil receberá a COP-30, conferência em que todos os países farão uma repactuação dos seus compromissos climáticos assumidos perante o Acordo de Paris, em 2015. Portanto, seremos anfitriões de um dos momentos mais importantes na transição para a sustentabilidade e para a segurança climática. Temos a obrigação de apresentar metas ambiciosas e factíveis. E cumpri-las!
Niterói está fazendo a sua parte. Fomos a primeira cidade do país e criar uma Secretaria Municipal do Clima e temos uma política pioneira e eficiente de controle de incêndios em vegetação.
Mas, o Brasil, que será sede da COP-30 no ano que vem, não pode mais seguir sem ter um plano de contingência nacional para desastres climáticos, incluindo incêndios em vegetação. Precisamos ter uma forte estratégia preventiva e um plano de resposta para emergências. Não é possível assistirmos um bioma inteiro se perder como está acontecendo com o Pantanal, que tem sido devastado a cada período de seca.
É preciso fazer do controle do desmatamento e das queimadas uma grande mobilização nacional. Não apenas uma ação de governo. Precisa ser entendido como um compromisso das atuais com as futuras gerações. Há que se fazer um grande esforço de comunicação, educação ambiental e de apuração de responsabilidades. Salvo raríssimas exceções, toda queimada tem origem antrópica e quem comete esse crime tem que ser punido.
É inadmissível continuar vendo cenas como descrevi aqui. É preciso agir!".
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